O artista plástico Carlos Amado inaugurou no sábado (dia 6), pelas 17h30, no Fórum Actor Mário Viegas do Centro Cultural Regional de Santarém a exposição “Destruição das Cidades” com a curadoria de António Amaral.

As raízes deste projecto surgem, segundo Carlos Amado, “do olhar sobre a História da humanidade e da constatação da destruição das cidades que, em algum lugar, quase sempre está a acontecer”.

“O projecto iniciou há oito anos, com a guerra na Síria, quando diariamente surgiam na comunicação social informações e imagens sobre a destruição das suas cidades e encontrou reforço com a guerra na Ucrânia”, revelou ao ‘Correio do Ribatejo’ Carlos Amado.

Partindo de textos bíblicos metafóricos sobre a destruição das cidades e a desconfiança “do outro”, interligando- se com a actualidade, o pensamento criativo foi-se estruturando: “cruzando imagens reais com ficcionais foram-se (re)construindo imagens de destruição reabilitando do caos, de forma ténue, a ordem que o antecedeu.

Capitéis, colunas e rosáceas são vestígios dessa mesma ordem que encontra reforço nas malhas ortogonais construídas a partir de redes”, descreve o artista, segundo o qual “cada trabalho surge como um fotograma de um filme interminável, rastos de intolerância e de irracionalidade, mas também da resiliência da polis que se perpetua na memória do tempo”, observa.

A série “Destruição das Cidades” é constituída por telas de grande, média e pequena dimensão, desenhos, gravuras e instalações. É possível seguir a evolução do pensamento na abordagem ao tema, através dos cadernos de artista apresentados nesta exposição patente ao público no Fórum Actor Mário Viegas, no Centro Cultural Regional de Santarém, até 27 de Maio.

Como surgiu a ideia de criar a exposição “Destruição das Cidades”?

A destruição das gigantescas estátuas dos Budas escavadas na rocha por volta do século V, por ordem do governo fundamentalista Talibã, mais tarde Palmira, a guerra interminável da Síria, agora a da Ucrânia, fez com que durante oito anos a minha arte fosse quase exclusivamente sobre a Guerra. Estes acontecimentos levaram-me a pensar em quais os textos mais antigos que eu conhecia sobre estes temas, e lembrei-me da destruição de Sodoma e Gomorra do Antigo Testamento.

Ao relê-los considerei que seria um título interessante para a série de obras que estava a fazer. Mais tarde, com o acumular dos trabalhos, achei que fazia sentido uma exposição individual sobre o tema “Destruição das cidades”

Qual é a mensagem que deseja transmitir através desta exposição?

Partindo de textos bíblicos metafóricos sobre a destruição das cidades e a desconfiança “do outro”, e cruzando-os com a actualidade sentimos que muitas vezes estas questões se repetem. Com as imagens da guerra a entrar nas nossas casas em catadupa começamos a não distinguir o que é ficção e realidade e acabamos por reagir com indiferença, como se cada imagem fosse um fotograma de um qualquer filme de guerra.

Foram essencialmente estas problemáticas que quis transmitir com o projecto que está em exposição Centro Cultural em Santarém.

Qual é o conceito por detrás da mostra?

Cruzando imagens reais com ficcionais foram-se (re)construindo imagens de destruição reabilitando do caos, de forma ténue, a ordem que o antecedeu. Capitéis, colunas e rosáceas são vestígios dessa mesma ordem que encontra reforço nas malhas ortogonais construídas a partir de redes.

As redes de malha fina que nos desenhos iniciais nos reportavam para o pixel das imagens digitais põem em confronto o real/ficcional. Essas mesmas redes que alargando a sua malha sugerem as estruturas dos edifícios bombardeados (colunas, traves e lintéis) onde jaz a seus pés o caos dos escombros.

O que fica são imagens paradas, carregadas de tensão, onde um silêncio insuportável nos reporta para o sofrimento humano. As pessoas foram propositadamente retiradas das obras pretendendo eu, com a sua ausência, amplificar o sofrimento e que seja o espectador a recriá-las na sua imaginação.

Como é que a guerra na Síria e na Ucrânia influenciou este seu trabalho?

Foi precisamente a guerra na Síria e mais tarde a invasão da Ucrânia pela Rússia que me fez interromper o trabalho que estava a fazer com o tema “Palimpsestos” para iniciar a série “Destruição das cidades”.

O projecto iniciou há oito anos, como referi com a guerra na Síria, quando diariamente surgiam na comunicação social informações e imagens sobre a destruição das suas cidades. Infelizmente encontrou reforço a partir de Fevereiro de 2022 com a guerra na Ucrânia.

Qual é a sua visão sobre a destruição das cidades na actualidade?

Acho incrível que passados milhares de anos desses textos bíblicos que referi anteriormente continuemos a repetir estas terríveis destruições, parece que é uma idiossincrasia dos humanos e, como vimos, também dos deuses.

Qual é o papel da arte na sociedade e como é que a sua exposição se insere nesse papel?

A arte tem um papel importante na sociedade, ajudando a transmitir ideias, emoções, a reflectir sobre a cultura… pode ser também uma ferramenta para ajudar na mudança social. Não podemos esquecer também a sua vertente de entretenimento.

O meu trabalho artístico tem sido essencialmente sobre a reflexão de aspectos Culturais e Sociais, questionando a nossa condição humana.

Qual foi o seu processo criativo na construção das obras para a exposição?

Como aflorei já anteriormente, parti de uma situação real e, como quase sempre acontece nos meus projectos, é através da literatura que vou desenvolvendo o pensamento. Paralelamente às leituras comecei a desenhar a partir das imagens reais que me iam chegando através dos órgãos de comunicação social. Após muitos desenhos baseados na observação do real, comecei a trabalhar “de dentro”, tentando esquecer essas imagens e ficando apenas com algo de essencial. Com estes pressupostos deixo acontecer, aproveitando muitas vezes o acaso, quando este me reforça os pressupostos iniciais. As imagens vão surgindo primeiro muito densas e aos poucos vou limpando até ficarem apenas os elementos essenciais ou não saber fazer mais nada na obra.

Como é que a técnica da serigrafia artística influenciou o seu trabalho?

Penso que não influenciou directamente o meu trabalho, embora ache que, como processo artístico de alguma complexidade, me tenha ajudado na reflexão de como cada técnica artística seja ela gravura ou outra qualquer, tem uma expressividade própria que pode ajudar a resolver da melhor maneira o projecto artístico.

O que eu faço com o método serigráfico é muito diferente de uma calcografia, litografia, aguarela ou óleo…

Quais foram as suas maiores inspirações artísticas ao longo da sua carreira?

Quando ainda criança/adolescente sem dúvida Dali. Mais tarde os impressionistas e os pós-impressionistas com destaque para Cézanne, é claro que o Van Gogh não podia faltar, ainda tenho um auto-retrato que fiz aos dezassete anos inspirado nesse artista. Não posso deixar de referir também Goya, Picasso e Matisse. Mais tardeforam o expressionismo alemão, o informalismo matérico (o Tàpies foi realmente muito marcante para mim). Duma forma geral todas as áreas artísticas me influenciaram.

Apenas como exemplos posso referir: na dança Pina Bausch, na música Stockhausen, Emmanuel Nunes, teatro Brecht, Grotowski…

Qual é a sua opinião sobre a arte contemporânea em Portugal?

É verdade que estamos melhor que no passado, com maior número de artistas com carreiras internacionais, mas estamos muito longe do que se está a fazer noutros países da Europa, por exemplo.

Como é que o seu trabalho como programador cultural e curador influencia a sua criação artística?

Influencia pelo facto de trabalhar com a “coisa artística”, mas onde tem maior influência é no facto de me obrigar cada vez mais a pensar nos processos de mediação cultural e sobre os públicos.

Quais são os seus projectos futuros?

Neste momento procurar um espaço para atelier, pois vou ter que deixar aquele que tinha na Incubadora de Artes, para poder finalmente retomar o projecto “Palimpsestos” que suspendi quando comecei a série “Destruição das cidades”

Como é que a cidade de Santarém tem influenciado o seu trabalho enquanto artista plástico?

A cidade como território penso que não me influenciou, mas artistas como Mário Tropa e Mário Rodrigues tiveram e ainda têm importância na minha vida enquanto artista.

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