No meu 1º artigo sobre este tema “CHINA: SABER, VALORIZAR, PERCEBER E MEDITAR, referi o meu propósito de despertar o leitor pelo passado deste país que, acrescento agora, é hoje a 2ª economia mundial, com as maiores reservas de divisas do mundo, o maior recetor de investimento direto estrangeiro, com uma estratégia geopolítica bem definida e onde em cada ano tem um total de nascimentos aproximado ao total da população portuguesa. Daí o título destas crónicas.
Falemos hoje de duas dinastias chinesas: a Dinastia Tang (618–907 d.C.) e a Dinastia Song (960–1279). Este período é considerado uma “era de ouro” na história chinesa, marcado por um progresso na tecnologia, poder militar, economia e cultura, num crescimento paulatino, mas vincado, tal como um provérbio à época dizia “Não tenha medo de crescer devagar, tenha medo de ficar parado”.
Esta dinastia considerada uma das principais formadoras da identidade chinesa, foi fundada por Li Yuan aristocrata militar da dinastia Sui. A Dinastia Tang (618-755 d.C.), teve 20 imperadores e uma imperatriz, Wu Zetian, a única de toda a história da China. Viveu um período de Esplendor com a expansão do seu território para as regiões ocidentais, favorecendo a troca ao longo das rotas comerciais e impulsionando a economia, chegando aos 80 milhões de habitantes, quando a população mundial se estimava em cerca de 230 milhões de pessoas. Pela via marítima já os chineses navegavam para além de Taiwan, pois agora dirigem-se para a Índia e Sudeste Asiático dado que o contexto económico favorável e um forte incentivo à inovação tecnológica, resultaram na criação de navios mais avançados e na expansão do comércio e do alcance marítimo chinês. Igualmente foi a mais justa pois em 624 é compilado o Código Tang, que já refere a prova de culpabilidade e qual a sua punição, suprimindo as penas mais bárbaras, limitando o uso da tortura e determinando que a pena de morte ficasse sujeita a aprovação imperial. Na Península Ibérica dominava agora o Reino Visigótico, que governava grande parte do território, após o declínio do Império Romano.
Chang’na a capital vai tornar-se uma das maiores e mais cosmopolitas cidades do mundo, acolhendo diversas culturas e religiões, principalmente o Budismo. O mercado da capital, segundo os “Registos Históricos”, tinha mais de 40 000 lojas com centenas de tipo de negócios, permitindo-me destacar aqui pequenos mas curiosos detalhes, como talheres da Pérsia (não obstante terem sido os chineses os inventores do garfo), produtos de depilação, de redesenho das sobrancelhas e do aparecimento das perucas para melhor embelezamento das mulheres, de travesseiros de cerâmica ou de pedra, duros e recortados para apoio das cabeças para manter os penteados que demoravam horas a ser feitos, até cartas de jogar e bolas de couro cheias de penas, para o jogo de “cuju”, tido como o jogo antecessor do futebol. Fermentavam já o vinho (de arroz) e o chá tornava-se bebida nacional depois do livro “Chá Jing” (“O Clássico do Chá”), escrito nesta altura pelo monge budista Lu Yu. O contacto com a Europa era inexistente, pois a Rota da Seda não era uma rota directa.
Se avanços científicos e tecnológicos de qualidade não foram em grande número, dois importantes projectos tecnológicos foram produzidos nesta época: o relógio mecânico (732 d.C.) e a descoberta da pólvora, embora esta por alquimistas na procura de uma poção para a vida eterna. Médicos como Zhen Chuan e Sun Simiao identificaram que pacientes com diabetes tinham um excesso de açúcar na urina, e reconheciam nestes a necessidade de evitar consumir álcool e alimentos ricos em amido.
Mas foi essencialmente uma época de grande florescimento cultural e artístico, principalmente da poesia e da pintura. Na poesia atingiram o ponto elevado da arte literária chinesa, com uma vasta produção de mais de 50 mil poemas de cerca de 2.200 autores, caracterizada pela criação de estilos onde são uma constante os temas de amor, a natureza, a solidão e o uso de opostos, como o conceito de Yin e Yang. Na pintura foi um período de grande florescimento, conhecido por inovações em técnicas como a perspetiva, a introdução de temas espirituais e heroicos, e o desenvolvimento da pintura de personagens e paisagens. A arte se tornou mais expressiva e realista, florescendo em diversas áreas como a pintura de flores e pássaros. Enfraquecida após a Rebelião de An Lushan, em 755 d.C., o poder escapa-se das mãos da governação imperial para as de governadores militares regionais, originando o período das “Cinco Dinastias” e dos “Dez Reinos”, nada mais que cerca de 50 anos de assassínios, rebeliões e governos fantoches. Em 960 d.C. a Dinastia Song setentrional vai assumir a liderança e unificar novamente a China.
A Dinastia Song (960–1279) pode ser vista como um modelo inicial de uma civilização moderna e comercial, muito antes de desenvolvimentos semelhantes surgirem em outros lugares. Contudo no seu Código Penal manteve muitas das penas já bárbaras como admitiu outras sendo a mais perturbante o “Bo Pi”, o esfolamento em vivo. Não começou com uma revolução sangrenta, com o poder dependendo fortemente do poderio miliar e da aristocracia, mas com uma manobra política inteligente conhecida como o Motim de Chenqiao, onde em 960, um talentoso general chamado Zhao Kuangyin foi inesperadamente declarado imperador pelas suas tropas enquanto estava estacionado em Chenqiao. Foi aceite por outros Senhores da Guerra com pouca resistência, à excepção da região dos povos de origem não Han, a Dinastia Liao (916–1125). Os sucessivos imperadores concentraram-se na construção de um governo centralizado e forte, enfatizando a importância da liderança civil, marcando o início pacífico desta Dinastia. Durou ela mais de 300 anos, governado por uma longa linhagem de imperadores que guiaram o império tanto na glória quanto na crise, trazendo estabilidade política por muitas décadas, à excepção da perturbação provocada por um povo que dominava o norte da China, e que de 1115 a 1234 se denominou de Dinastia Jin.
A partir de sua capital, Kaifeng, os Song criaram uma das sociedades mais avançadas da sua época, usando na sua vida comercial, o embrião do que viria a ser o papel-moeda, o “Jiaozi”. O sistema dos “exames imperiais” para o serviço público, que já vinha de trás, tornou-se o principal caminho para empregos governamentais, abrindo portas para homens talentosos de todo o império. Quando da mudança da capital para Lin’an esta rapidamente se tornou uma das cidades mais avançadas do mundo, com uma população de mais de 1 milhão de pessoas, mercados movimentados, galerias de arte e uma vida noturna vibrante.
Embora governadores militares, logo no início, fossem substituídos por oficiais civis e passasse a existir um controle rigoroso sobre os exércitos regionais, impedindo que os senhores da guerra conquistassem poder excessivo, houve uma evolução técnica com o uso militar da pólvora, em uma arma de guerra decisiva, que doravante teria um impacto profundo e transformador na sociedade, na política e nas relações entre os humanos. A evolução da pólvora, de um simples explosivo a um propelente sofisticado, ao tempo do imperador Renzong (1022-1063) modificava definitivamente a natureza da guerra pois surgiram equipamentos militares mais modernos: se inicialmente foguetes primitivos e flechas de fogo criavam fumaça e confusão entre as tropas inimigas, agora sobressai não só o lança chamas, também aplicado em navios de guerra, mas lançadores de projécteis explosivos.
Se no início, o uso de armas de pólvora deu à Dinastia Song uma vantagem considerável sobre os seus adversários, logo o segredo da sua fabricação se espalhou rapidamente pelos povos da Ásia Central, principalmente entre os mongóis que liderados por Gengis Khan aprimoraram tal tecnologia. Estes, após décadas de ameaças e confrontos fronteiriços, utilizando a pólvora de forma mais eficaz e em larga escala, vão derrubar os Song definitivamente em 1279 na batalha de Yamen e conquistar a China, reinando agora Kublai Kan como o primeiro imperador da Dinastia Yuan (1279- 1368) que estabelecerá os primeiros contactos com os europeus.
Por lá, numa Europa fragmentada com o Sacro Império Romano-Germânico e a França a emergirem como potências regionais, Portugal nascia como país em 1143, com o reconhecimento da sua independência através do Tratado de Zamora. Após a queda dos Song no Sul vai esta costa da China ganhar importância com a chegada de refugiados. No pequeno istmo de Macau refugiam-se alguns membros da família imperial Zhao, que com demais refugiados se dedicam à actividade piscatória.


