Hoje falaremos da China no período compreendido entre 1280 e 1644, período esse repartido respetivamente pelas Dinastias Yuan (1280-1368), uma dinastia mongol, logo não chinesa que ocupou o poder na China e a Dinastia Ming, (1368-1644) esta chinesa, que vai recuperar a governação do seu país. 

Os mongóis iniciaram a conquista de parte da China em 1211, e, com Gengis Khan (“Soberano Universal”) outras regiões foram conquistadas como a Manchúria ou a cidade de Beijing (1215). Subitamente viraram-se para a Pérsia e em 1241 entram pela Rússia, Polónia, Boémia e Hungria, chegando às portas de Viena, que não tomam e a abandonam sem qualquer explicação, julgando-se por uma questão de sucessão. Foi o maior Império contíguo em toda a Humanidade. Por esta altura em Portugal, expulso os mouros do Sul, o Algarve é integrado no reino. 

Por onde os exércitos dos mongóis passavam deixavam medo e pavor pela sua guerra extrema e táticas de terror, como o extermínio em massa para garantir a submissão dos inimigos, a destruição total de cidades (como um aviso para outras), o uso de prisioneiros como escudos para incutir medo e garantir obediência, a “retirada fingida” para atrair e emboscar oponentes descuidados, etc.  Seus ataques rápidos e implacáveis de cavalaria numa guerra em campo aberto, por vezes com ramagens presas nos cavalos para levantar enormes nuvens de poeira, faziam os inimigos pensarem que estavam enfrentando exércitos medonhos, tornando-se numa força esmagadora e aterrorizante para os povos conquistados.  

Seu neto Kublai Khan (1216-1294) prosseguiu com a conquista da China de uma forma atroz: em 1276 cai Hangzhou, capital dos Song; em 1278 Cantão e em 1279, ao largo de Hong Kong, dá-se a última batalha naval, empurrando os  Song para o Sul. Vencedor, Kublai Khan toma o título de Imperador da China, iniciando a dinastia Yuan (1280-1368) que quer dizer “dinastia original”, onde introduz um código civil e moral rígido para unificar e controlar o império em expansão contendo leis sobre comportamento social e militar, justiça e administração, estabelecendo deveres e um mecanismo para exigir obediência. Regras severas foram estabelecidas para crimes como roubo e traição, com o objetivo de eliminar fontes de animosidade e vingança entre clãs, como o rapto e a venda de mulheres, prática até então usual. A China viu as suas estradas e vias navegáveis reabertos, restauradas, vigiadas e protegidas, o que abriu aos chineses a possibilidade do intercâmbio com estrangeiros. 

Na primeira metade do século XIV vieram a Pequim 9 embaixadas europeias e 15 foram da China para a Europa, onde se destacam figuras célebres como o representante do Papa Jean du Plan Carpin, em 1246; o do rei francês Luís XIV, frei Guilherme de Rubruck em 1253 ou Marco Pólo acompanhado pelo pai e tio, mercadores de Veneza, em 1271. Marco Pólo que por aqui fica cerca de 17 anos, após o seu regresso a Veneza descreve no seu livro “IL Miglione” a grandiosidade do Império Mongol, em todos os seus detalhes: geografia, rotas comerciais e cultura, influenciando a cartografia e o pensamento europeu da época. É por este livro, que chegou a Portugal, que a nobreza tem conhecimento da China.

Kublai Khan morre em 1294. Seguem-se imperadores fracos, revoltas sangrentas, sociedades secretas e inundações que causaram o colapso da dinastia mongol em 1368 e o surgimento da Dinastia Ming (1368-1644), que vem enfatizar o provérbio entretanto surgido no meio do sofrido povo chinês: “tudo que se torna extremista, inevitavelmente se inverte”.

A Dinastia Ming, a “Brilhante”, virou-se para o interior nos seus primeiros tempos, pois sentiu necessidade de disciplinar a nobreza, os funcionários públicos e os militares; de recuperar os campos abandonados; de produzir grandes obras de regularização das águas e de um amplo trabalho no campo da educação criando escolas e a Universidade Imperial. Vai mudar a capital de Nanjing para Pequim e reduzir o luxo e os prazeres da corte. No que diz respeito às suas relações com o exterior, entre 1396 e 1408 através de campanhas militares reavivam a sua influência nas regiões ocidentais; a Oriente tornam a Birmânia vassala; ocupam o Vietname e invadem a Mongólia com sucesso à frente de um exército de 500 000 homens, impondo o sistema de relações tributárias, mediante as quais os estados não chineses da Ásia reconheciam a sua supremacia militar, cultural e moral, enviando tributos. 

Após a tomada do poder pelo terceiro imperador, Yongle, em 1402, este começa a enviar expedições navais. Como confiava nos eunucos, que o ajudara na conquista do poder, nomeou Zheng He como almirante (também ele eunuco), e pô-lo à frente do comando das expedições que logo no início do século XV se iniciaram. Para o efeito os estaleiros navais de Nanquim construiriam dois mil navios entre 1403 e 1419, incluindo os grandes navios do tesouro que mediam até 134 m de comprimento a 54 m de largura. A primeira viagem, que ocorreu entre 1405 e 1407, continha 317 embarcações com uma equipe de 70 eunucos, 180 médicos, 5 astrólogos, e 300 oficiais comandando um total estimado de 26 800 homens. A finalidade era enviar mensagens da grandeza e prestígio da dinastia Ming, por todos os mares circundantes, reafirmando a autoridade chinesa e a segurança nos mares do Sul da China e trazendo tributos. Aos estados que aceitassem a suserania de Pequim era prometido proteção e aos seus reis eram oferecidos presentes; aqueles que recusassem a submissão eram alvo de intimidação por meio de uma demonstração do poderio militar que transportava. Assim do ponto de vista político, económico ou cultural, as regiões do litoral da Ásia ficaram dependentes da China e entre 1426 a 1487, embora em guerra constante contra os mongóis, a China não poupou esforços para explorar esta “sua Ásia Marítima” para onde eram enviados comissários imperiais. Assim durante séculos, os chineses acreditaram que apenas o seu Império era civilizado e que as pessoas de fora dele eram “bárbaros”. No entender dos chineses a China era o centro cultural do mundo – o Império do Meio – isto é, devido à sua importância a China ocupava o centro do mundo. As outras Nações, por conseguinte, tinham que se dirigir à China na qualidade de inferiores: aos embaixadores estrangeiros exigiam que se prostrassem diante do Imperador e lhe pagassem tributo. 

Mas … há sempre um mas: factores de ordem interna fosse do ponto de vista da capacidade financeira; fosse pela desintegração do regime da economia natural (agrícola), fosse do apoio logístico militar, como sinais de decadência do próprio Estado, alertavam que a segurança interna e externa estavam em risco… Embora ainda país homogéneo e Império, tinha agora uma governação cheia de problemas: o primeiro era o tesouro estar falido;  o segundo era que as guarnições do NW não conseguiam conter os mongóis (ex – Dinastia Yuan), e o terceiro era a permanente falta de entendimento entre os eunucos e mandarins (os conselheiros oficiais e governantes). A Frota do Tesouro vai ter os seus dias contados.

E como estava Portugal neste período? Os efeitos devastadores da peste negra que assolara a Europa, causando o maior desastre populacional da história ainda se faziam sentir: havia muita fome, agitação e revoltas. Não se podendo voltar para Espanha, sentia-se a necessidade de “ir procurar”, de se expandir, (como outros povos haviam feito antes), descobrir novos mercados, novas fontes de matérias-primas, fazendo-o pelo mar, procurando matar a fome e evitar novas revoltas e misérias. O enorme litoral português e o saber navegar era um permanente convite. Todos, nobreza, clero e povo concordavam, pois a todos beneficiaria. Este acordo daria início à Expansão Portuguesa e fazer com que, menos de um século depois – um minuto na longa história de muitas horas da China, que aqui temos sucintamente descrito –, portugueses e chineses se encontrassem nos mares daquela Ásia Marítima, que os chineses consideravam como sua. Desse encontro falaremos na próxima edição.

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