Terminava o meu artigo anterior referindo que as exigências da China – o decreto das “8 Regras” de 1757 – havia-se tornado numa fonte de conflitos entre ocidentais e chineses, que culminaria em duas guerras bem nefastas para a China, trazendo-lhe grande humilhação.
Sigamos os passos de tal humilhação. Fracassadas as 3 missões diplomáticas enviadas pelos ingleses à Corte Imperial, que se deveu mais ao seu interesse em expandir o seu comércio, principalmente o do ópio (considerado um veneno dos “bárbaros” visando destruir a sociedade chinesa) e a vontade de obter uma representação diplomática na Corte em Pequim. Tal fracasso deveu-se ao desconhecimento da China, de que à época a Inglaterra era a maior força naval e militar do mundo, e que se tornara num grande poder económico.
Os fracassos destas missões diplomáticas levaram os ingleses, gradualmente, a considerarem outras maneiras de conseguirem os seus objectivos comerciais e, vai-se dar a 1ª Guerra Sino-Ocidental de 1839 – 1842, em que a China sai derrotada, e que obrigou à assinatura do Tratado de Nanjing, que constituiu uma mudança fundamental nas relações da China com o Ocidente. Esta foi forçada a acabar com o seu tradicional sistema tributário; viu-se incapacitada de expulsar os “bárbaros” do seu território; teve que abrir 5 portos aos mercadores ingleses; aceitou pagar uma indemnização na ordem de 21 milhões de dólares espanhóis (primeira moeda global até ao início do século XIX) pelas despesas de guerra e prejuízos diversos; a ilha de Hong Kong foi cedida perpetuamente; doravante, fariam troca de correspondência oficial, tendo os dois países o mesmo estatuto; e por último, concordar com um sistema de tratamento igual em relação a todas as Nações. Para os ocidentais, o sucesso da “diplomacia canhoeira” dos ingleses, mostrou-lhes como, no futuro, podiam impôr aos chineses as suas exigências.
Contudo, ainda não satisfeitos, os ingleses obrigam a China a mais um Tratado, o de Humen, que vai fixar tarifas sobre as mercadorias, direitos extraterritoriais em casos de crime por súbditos ingleses, e o tratamento de Nação favorecida. As concessões obtidas pelos ingleses neste Tratado levaram outros grupos de comércio estrangeiros a exigirem, também, privilégios. Deste modo, a China assinou, em 1844, o Tratado de Wangxia com os Estados Unidos e o Tratado de Huangpu com a França. Aos americanos consagrava direitos extra-territoriais na China, relativamente ao direito civil; à França autorizava o envio de missionários católicos, podendo estes viverem, pregarem e construírem igrejas, apenas nos portos abertos pelo Tratado. Estes Tratados entre chineses e ocidentais começaram a enfraquecer a tradicional política de isolamento da China e esta a ver a sua soberania limitada.
Os problemas entre os chineses e os comerciantes estrangeiros continuaram após a lª Guerra Anglo-Chinesa, também chamada de 1ª Guerra do Ópio. A Corte Imperial Chinesa olhava para a sua derrota e para as concessões obrigadas a fazer, como um problema temporário, pois mantinham a crença na sua superioridade cultural e capacidade de se armar. Continuavam a recusar as representações diplomáticas estrangeiras em Pequim bem como os contactos oficiais em termos de igualdade. Não respeitavam o direito dos estrangeiros de comerciarem e viverem em Cantão. Por conseguinte, as actividades comerciais dos estrangeiros estavam limitadas às áreas da feitoria como acontecia anteriormente, isto é, antes da lª Guerra do ópio.
O pagamento das pesadas indemnizações obrigou o governo chinês a aumentar os impostos à sua população. Este facto vai pressionar os camponeses que se tornaram uma causa importante nas diversas revoltas, sendo a Revolta dos Taiping entre 1850 e 1864, a mais importante e sangrenta guerra civil em seu território.
Mas outras razões existiam qual fonte de conflitos: a abertura forçada de outros portos; o não cumprimento pelos ingleses do compromisso sobre a jurisdição extra-territorial não punindo pelos seus crimes os seus concidadãos; a continuação do comércio do ópio; o incumprimento das cláusulas de contratação dos cules (trabalhadores braçais deslocados), etc. No princípio de 1859, a Inglaterra sentia que o Acordo existente era insuficiente. No mesmo período, a França também decidiu enviar tropas para atacar a China, devido ao assassinato de um missionário francês no início de 1856. Uma sequência de insucessos, dará início à 2ª Guerra do Ópio. Graças à superioridade militar, ingleses e franceses não encontraram dificuldades nos campos de batalha, e em 1859, tomam a cidade de Tianjin e enviam um grupo para negociações junto do Imperador. Sem sucesso, Lord Elgin, o comandante das forças conjuntas, saqueia e destrói em 1860 o Palácio de Verão do Imperador, nos arredores de Pequim, qual evento simbólico de humilhação para a China. Finalmente, em 1860, os estrangeiros entraram em Pequim e o Imperador viu-se forçado a aceitar a paz.
Com a tomada da capital imperial da China, o governo local aceitou novas negociações e submeteu-se a novas exigências humilhantes, com destaque para a livre evangelização e livre circulação de estrangeiros em todo o seu território; permissão dos navios de guerra estrangeiros nos seus portos; a legalização do consumo de ópio no seu país (Convenção de Pequim de 1860). Mas porque ainda comercialmente atrativa e cobiçada, teve que aceitar fazer concessões territoriais a diversas potências estrangeiras, principalmente à Grã-Bretanha, Rússia, Japão, França e Alemanha, no final do séc. XIX, todos na procura de novos mercados para a promoção dos seus produtos. Nessas concessões, os cidadãos de cada potência estrangeira tinham o direito de habitar livremente, comercializar, converter e viajar. Desenvolviam as suas próprias culturas distintas do resto da China.
Esta segunda guerra anglo-chinesa, ainda mais do que a primeira, mostrou a grande força dos Países Ocidentais que a China não podia ignorar e desprezar por mais tempo. A Dinastia Qing viu-se num processo de enfraquecimento militar e económico.
Perante esta chegada de países imperialistas, Portugal que já se encontrava na China há mais de 300 anos vai a 26 de Março de 1887 assinar com a China o “Protocolo de Lisboa” com o fim de firmar um Tratado de Amizade e Comércio com a cláusula de nação mais favorecida. Este Tratado é assinado em Dezembro, em Pequim, por representantes dos dois governos. No seu artigo 2º dizia o seguinte: “A China confirma, na sua íntegra, o Protocolo de Lisboa, que trata da perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal”. Quanto à delimitação de fronteiras assim fixava o Tratado: “Fica estipulado que comissários dos dois governos procederão à respectiva delimitação, que será fixada por uma convenção especial; mas, enquanto os limites se não fixarem, conservar-se-á, tudo o que lhes diz respeito como actualmente, sem aumento, diminuição ou alteração por nenhuma das partes”. Por toda a situação que a China viveu posteriormente nunca se delimitaram as fronteiras, pese embora os constantes pedidos do Governo Português, pelo que ficaria sem efeito o artigo 2º do Protocolo que tratava da perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal.
E a situação na China após todas as humilhações? Vivia-se numa confusão política, numa vergonha nacional, alimentando um forte sentimento anti-imperialista. Os menos letrados reunidos na Sociedade dos Punhos Justiceiros e Harmoniosos, acreditando possuir poderes sobrenaturais promovem entre 1899 e 1901 um cerco a estrangeiros em Pequim, que ficou conhecido como a Revolta dos Boxers, cerco este rompido e derrotado pela “ Aliança das Oito Nações”, uma coligação militar composta por tropas de várias potências estrangeiras (incluindo Japão, Rússia, Reino Unido, França, Estados Unidos, Alemanha, Itália e Áustria-Hungria); menos violentos eram os jovens intelectuais formados no exterior e eruditos chineses, que exigiam uma transformação radical de todos os aspectos da cultura e da sociedade chinesa, modernizando-se segundo padrões ocidentais. Toda esta situação levaria à queda da Dinastia Qing em 1911, acabando com mais de 2.000 anos de governação dinástica chinesa, até 1912, data da fundação da República da China (cont.).

