Foto de Diniz Ferreira

Quando cedemos passo ao senso comum, corremos o precipitado risco de elaborar em erro. Não é que, tantas vezes, aquilo que constatamos através do senso comum não ande próximo, até de mãos dadas com o comprovativo científico, no entanto deveremos conceder a primazia ao que é conhecido e confirmado pelas vias mais confiáveis.

            O senso comum poderá ajudar-nos na sugestão e na busca do que é tido como verdadeiro, mandando, porém, a prudência que o pesquisador nunca se desampare da esclarecida dúvida metódica. A dúvida, essa sim, é a mãe de todos os saberes, pois é por ela, e nunca pela falsa ilusão do saber intuitivo, que poderemos encontrar o caminho para satisfazer a nossa curiosidade.

            Não percamos de vista, porém, aquele sábio provérbio que nos adverte para a circunstância de ter sido a curiosidade que matou o gato, no entanto, conhecendo a história que esteve na base deste provecto adágio e avisado quanto aos inconvenientes e às vantagens de sermos cautelosamente curiosos, atrevemo-nos a percorrer este trajecto num aliciante exercício semântico, a um tempo, mas rigoroso, noutro passo.

            Consultando num qualquer dicionário o termo “antigo” este remete-nos para algo que é obsoleto, vetusto, velho, idoso, ancião, entre outros inúmeros significados. Se não nos contentarmos apenas com um sinónimo literal e quisermos encontrar um significado mais lato, já poderemos ser levados a considerar algo que é antigo como uma coisa que marca um tempo passado, um testemunho material de uma era já vivida… algo que seja velho, porém ao qual se atribui um valor, seja pela raridade, seja pelo seu valor artístico ou documental. Todos teremos, decerto, a maior das facilidades em encontrar entre as coisas mais simples da nossa vida exemplos para qualquer uma destas expressões.

            Bem sabemos como os tempos mudam com muita volatilidade, e como do mesmo modo, as modas resgatam do passado alguns objectos, algumas referências, alguns princípios num movimento estético que qualificamos de “revivalismo”. Também este conceito pode ser apreciado à luz de diversas perspectivas. Para muitos, o revivalismo é uma manifestação de carácter conservador, eventualmente saudosista, que pode agradar a quem retira do passado boas lembranças e que, assim, as quer reviver, contudo, para outros esta atitude não passa de uma manifestação reaccionária, potencialmente conflituosa com os novos ventos da mudança. Porém, ninguém de bom senso ignora “que atrás dos tempos vêm tempos, e outros tempos hão-de vir…” como nos ensina Fausto numa das suas cantigas.

            A respeito de tradição também o senso comum nos remete para algo que pertence ao passado, aos tempos de antigamente, e que, para nosso mero deleite, ou, em alguns casos, por manifesto interesse, nos convém manter ainda no presente. Vemos, ouvimos e lemos tanta coisa sobre a tradição que, seguindo a cartilha poética, não podemos ignorar, como nos ensinou a sempre lembrada Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004).

            Que a tradição já não é o que era, ninguém duvida, tão empenhados e ciosos são os discursos apologéticos em defesa das antigas tradições, levando muitos até a declarar com toda a pompa e circunstância que as tradições de agora já não são o que eram, são muito melhores.

            Este último parágrafo abre uma autêntica caixa de Pandora, o que nos permite aprofundar este delicioso tema, para gáudio de uns e para tristeza de outros. Ressalve-se, contudo, que não nos empenhamos em contribuir para o entristecimento de ninguém, pois, para tristeza já nos basta a crise pandémica que estamos a viver e os impostos futuros que a crise financeira nos obrigará a pagar. Deste modo, já estamos a pagar uma crise no presente, e já temos prometida outra para o futuro. E as crises do passado, dos tempos de antigamente? Bom, quanto a essas, umas pagámo-las com língua de palmo, com rendimentos a distribuir pela Troika, ou seja, a nossa República, acompanhada pelo FMI à guitarra e pelo BCE à viola, quanto a outras, mais ou menos vetustas, haveremos de pagá-las com o nosso corpinho, pela acumulação da dívida externa. Enfim, tristezas dispersas por outros sítios e mais adequadas circunstâncias…

Foto de Diniz Ferreira

            Voltando às tradições, cumpre-nos invocar em sua defesa que, estas poderão ter funda a sua antiguidade, porque sempre se inventaram ou renovaram tradições, pelo que, assim, à primeira vista, nem sempre nos é dado conhecer quão antigas possam ser, no entanto, o que é importante sabermos é que as tradições se vivem todas no presente. Só cumprimos as tradições que estão vivas, as que se extinguiram apenas as poderemos recriar historicamente, porém, nunca de forma espontânea.

            Por definição, só é tradicional aquilo que uma geração legou à geração seguinte, que acolheu esse legado e o usou, eventualmente adaptando-o à sua realidade social, porque os tempos evoluem e nós também. Em princípio, uma tradição cumpre, ou satisfaz, determinados objectivos ou necessidades sociais que têm de se adaptar aos contextos de cada época. Por muito que nós gostemos dos nossos avós ou dos nossos pais, nós não vivemos como eles, logo as nossas necessidades ou interesses não são os mesmos.

Poderá, assim, concluir-se que, afinal, as tradições estão vivas, por mais remotas que possam ser as suas origens, e, do mesmo modo, que não podem ser imutáveis, mas, ao invés, actualizam-se… ou morrem.

Ludgero Mendes

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