As condições logísticas do Tribunal da Concorrência, estrutura autónoma, de âmbito nacional, a funcionar na Comarca de Santarém, estão a gerar “entropia”, sobretudo devido ao avolumar de processos complexos e com elevado número de intervenientes.

A opinião é unânime às três juízas titulares do Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão (TCRS), que tem vindo a julgar os recursos às contra-ordenações de milhões de euros aplicadas pelas entidades supervisoras a entidades da banca, seguros, energia, grande distribuição, entre outras.

“Não me lembro, em 15 anos de judicatura, de ter que andar a negociar tempo de sala”, disse à Lusa Mariana Machado, titular do primeiro Juízo (J1) do TCRS, que acrescenta a falta de assessoria técnica e jurídica, processo que acredita estar em vias de se concretizar, sobretudo depois do anúncio, na quinta-feira, pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), da abertura de concurso para 54 especialistas. 

Tal como as juízas Marta Campos, titular do J2, e Vanda Miguel (J3), Mariana Machado referiu igualmente a necessidade de cada juízo deste tribunal ser dotado de um escrivão auxiliar e outro adjunto, o que o reforço concretizado em Setembro não resolveu.

“Admito que inicialmente [o TCRS] tenha sido pensado numa lógica correcta” e “não tenha sido subdimensionado”, mas “as coisas alteraram-se” e, “neste momento, há um problema”, a que acresce a questão, que “não é conjuntural”, dos processos “com um número enorme de intervenientes”, sublinhou, frisando que a questão não se colocaria se o tribunal funcionasse num edifício autónomo.

Para Marta Campos, a escassez de salas “pode aumentar em muito o risco de prescrição”, dando como exemplo o facto de ter aceitado julgar fora do tribunal – numa sala cedida pelo Instituto Politécnico de Santarém – os recursos da Pharol (antiga PT) e de ex-administradores às coimas superiores a 3 milhões de euros aplicadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Neste processo, algumas das contra-ordenações prescrevem em Março de 2021 (ou Junho, se contar a suspensão devido à pandemia da covid-19).

“Se não tivesse optado por fazer o julgamento fora do tribunal apenas teria sido possível uma sessão de julgamento por semana. O que significa que o julgamento iria demorar 18 semanas, ou seja, quatro meses e meio, tendo demorado, em virtude do recurso à sala do Instituto Politécnico, seis semanas e meia”, disse a juíza à Lusa.

Dado o número de processos de nível 3 (com coimas superiores a 500.000 euros) atribuídos ao J1 – seis, com o da EDP (mais antigo) já concluído e outro (o do Montepio, que na prática corresponde a dois processos, que foram apensos) a decorrer –, Mariana Machado dispõe da sala maior existente no Palácio da Justiça II, nas instalações da antiga Escola Prática de Cavalaria, três dias por semana.

Marta Campos e Vanda Miguel repartem os outros dois dias, dispondo ainda, alternadamente, de uma segunda sala, mais pequena.

“A disponibilidade de sala de audiências em apenas dois dias por semana tem o efeito de arrastar os julgamentos […] e dilatar a prolação das sentenças, a não ser que as titulares dos processos se disponibilizem para realizar julgamentos noutros espaços fora do tribunal”, disse Vanda Miguel, juíza que está a concluir o julgamento dos recursos da auditora KPMG e de cinco associados às coimas de perto de 5 milhões de euros aplicadas pelo Banco de Portugal.

Com leitura da sentença marcada para o próximo dia 15, este processo iniciou-se em Setembro num auditório da Escola Superior de Educação, com os mandatários a rearrumarem a sala para a tornarem mais funcional, passou pela sala 5 do TCRS e ainda pelo Tribunal do Cartaxo.

“Este tipo de soluções afecta de forma negativa a imagem do tribunal, não sendo facilmente compreensível pelos utilizadores da justiça o facto de o tribunal ter de sair da sua ‘própria casa’”, disse, referindo ainda que o “próprio ritualismo inerente ao julgamento acaba por ser afectado”.

Apontou ainda as situações em que as testemunhas, por engano, se deslocaram para o tribunal quando a sessão decorria no Politécnico, e “todas as limitações de ordem logística”, especialmente quando se trata de “processos de grande dimensão, com muitos volumes, anexos, apensos”.

Há ainda as questões informáticas, nomeadamente quanto à operacionalidade do Citius e à realização de videoconferências (como aconteceu no processo da Pharol, que decorreu maioritariamente desta forma, com frequentes quedas na comunicação).

A juíza sublinhou que, aos processos contra-ordenacionais, se juntam os de natureza cível, como o designado “cartel dos camiões”, com perto de uma centena de processos colocados por empresas portuguesas que compraram camiões aos fabricantes condenados, em 2016 e 2017, pela Comissão Europeia, por concertação de preços de vendas durante 14 anos.

Estes processos, distribuídos pelos três juízos do TCRS, contêm questões “nunca antes abordadas em Portugal”, o que reafirma e acentua a necessidade de assessoria, prevista há anos na lei, que as juízas têm vindo a solicitar.

Mariana Machado afirmou que o CSM auscultou as juízas em Julho sobre as suas necessidades, acreditando estas que em breve serão colocados assessores nas áreas solicitadas, tanto técnicas – contabilísticas e financeiras – como jurídicas (para trabalho fora da sala de audiências, como, por exemplo, análise das questões prévias suscitadas).

Em resposta à Lusa, o CSM anunciou que foi aprovada na quarta-feira a abertura de concurso para admissão de 54 especialistas, sendo que o Gabinete de Assessoria Técnica sediado na Comarca de Santarém terá três especialistas – um em Finanças e Contabilidade, um em Psicologia e um terceiro em Ciências Jurídicas -, e não dois, atendendo à existência deste tribunal especializado.

“No que respeita à insuficiência de funcionários no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, já houve uma intervenção do CSM, encaminhando e solicitando diligências à Direção Geral da Administração da Justiça (DGAJ), apesar de ser competência desta”, acrescenta.

Por outro lado, o CSM afirma estar a acompanhar o processo de criação do Palácio da Justiça III em Santarém, da responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, que permitirá “a cada uma das Senhoras Juízas ter uma sala própria”, adiantando que tem tomado as medidas de gestão no sentido de assegurar a “tramitação e decisão dos processos de muito elevada complexidade – nível 3”.

Se a situação neste momento “é perfeitamente gerível”, as juízas do TCRS sublinham, contudo, que a questão de “subdimensionamento não parece ser transitória, atento o aumento da actividade sancionatória das autoridades administrativas de regulação e supervisão”, o que “requer soluções que não sejam meramente transitórias, como as que têm vindo a ser adoptadas”.

A Lusa questionou igualmente o Ministério da Justiça, não tendo ainda obtido resposta.

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