No âmbito do programa integrado “Conhecer, sentir e viver o Vale de Santarém”, a Associação Cultural Vale de Santarém Identidade e Memória realizou no passado sábado (dia 23), a segunda visita guiada no ‘Coração do Vale de Santarém’, desta vez entre o Jardim Público e o apeadeiro da C.P., com regresso ao largo Visconde de Almeida Garrett, onde se situa a histórica Fonte de Uma Bica, restaurada em 1933.

A visita foi conduzida por Francisco Guerra e Manuel João Sá, membros dos corpos sociais da Associação, que têm feito pesquisas sobre a história da vila, como do seu tecido urbano, das actividades, das associações e das pessoas que mais marcaram a nossa terra e que estão na memória das suas gentes.

Com referência inicial às particularidades do vale geológico que se formou há milhões de anos, no qual haveria de se ir constituindo o povoado que, em 1265, surge pela primeira vez citado em documentos com a designação de Vale de Soeiro Tição, foram de seguida trazidos à conversa, com os participantes, os principais acontecimentos da história de Portugal que tiveram repercussões directas no Vale de Santarém: a terceira invasão francesa, em 1810, comandada pelo general Massena, na qual as tropas do invasor estiveram instaladas na aldeia, provocando mais de cinquenta mortos, roubos, destruições e incêndios, numa acção de terra queimada, levando à fuga em massa dos habitantes, para o campo, para lá do rio Maior e do Tejo; as lutas liberais, no confronto entre as tropas de D. Miguel e D. Pedro, comandadas pelo general Lemos e pelo Marechal Saldanha, respectivamente, na que foi a aproximação à terrível batalha de Almoster, ocorrida em 18 de Fevereiro de 1834, onde terá havido mais de mil baixas, entre as quais quatrocentos mortos; a revolução de Santarém, em Janeiro de 1919, quando esteve instalada no Vale parte das tropas leais ao governo, tendo-se registado, na aldeia, a morte do Alferes Aguiar, membro das tropas vindas de Lisboa que, com outras, puseram fim à revolta.

A visita guiada prosseguiu até à Fonte de Uma Bica, em direcção à linha ferroviária do Norte, com desvio para a zona de Cadima, onde começaram a ficar instalados os migrantes chamados de “caramelos”, vindos exactamente da região da Gândara, sobretudo de terras à volta de Cantanhede, e em especial de Cadima, contratados para trabalharem no campo fronteiro ao Vale, a partir dos anos quarenta do século dezanove, vindo alguns a radicar-se na nossa aldeia (passaram a ser designados “caramelos de estar, ou de ficar”) enquanto a maioria regressava às suas zonas, terminado o período de permanência no Vale e até nas quintas onde trabalhavam (eram os “caramelos de ir e vir”). Por esta via, iria acontecer que a radicação de alguns veio a originar a constituição de famílias, inclusive através do casamento com raparigas do Vale, como foi referido na nossa visita por alguns dos presentes.

Foi dado destaque às muitas lojas de mercearias que houve nesse trajecto, e das quais só resta a lembrança, assim como as tabernas, as padarias, os lugares de venda de frutas e hortaliças, além das fábricas, que também já não existem: a dos refrigerantes Águia d’Ouro; a dos briquetes de carvão, vindo da mina do Espadanal, em Rio Maior, através do ramal ferroviário, ligando o Vale a Rio Maior; a da Avilima, que produzia sapatos e tecidos, malas de senhora e diversos objectos para a casa, e que ocupou muitas dezenas de trabalhadores, essencialmente mulheres.

Diversos pequenos negócios e actividades de artesãos e outros, foram recordados ao longo desta visita, nos locais onde existiram (como os de ferreiro, ferrador, latoeiro, correeiro, sapateiros, barbeiros, fabricante de camas de ferro, vendedor e reparador de bicicletas, oficina de automóveis, de cerâmica, serração de madeiras) e ainda os lagares de vinho e de azeite, bem como um alambique.

O Cine-Sonoro do Ribatejo que, fundado no Vale, teve actividade ambulante durante décadas e percorreu o país, foi igualmente recordado, no local onde, na própria aldeia, costumava apresentar sessões, muito concorridas. Não faltou a muito devida referência ao Pinheiro das Areias, o pinheiro manso de maior perímetro de tronco identificado em Portugal, com mais de oito metros, e que, sendo árvore classificada de interesse público, por acção de tempestades e por não lhe terem sido dados os cuidados de que carecia, é hoje somente um tronco sem pernadas, o resto de um símbolo da terra, uma memória da vida da comunidade, cujo quase desaparecimento é uma mágoa da vila.

Foi dado muito relevo ao associativismo, logo desde o início da visita, com relevo para a mais antiga associação, a Sociedade Recreativa Operária 2 de Fevereiro de 1929, além do Grupo Desportivo os Águias, fundado na década de 1930, depois continuado pela Associação Juventude e Desporto e pelo Atlético Futebol Clube do Vale de Santarém, recentemente extinto. Neste domínio, ainda foram referidos e localizados, no espaço urbano, as associações da Sociedade dos Camponeses e o Clube do Leão, da mesma década da Sociedade Recreativa Operária, colectividades que tiveram o seu tempo de existir.

Ao longo deste percurso, destaque para outras três instituições: a União Columbófila, que já não tem actividade, o Clube dos Caçadores e o Clube de Amadores de Pesca, e uma especial referência para o Grupo de Dadores Benévolos de Sangue, com actividade muito relevante, de grande mérito, desde a sua fundação, em 1973.

Foram feitas menções de grande relevo a diversas pessoas naturais do Vale de Santarém e outras que aqui vieram residir e que, pela sua notoriedade em actividades em prol da comunidade, ficaram para a história colectiva do Vale como referências, e cuja memória continua viva, como ficou evidente também pelas citações que alguns participantes delas fizeram ao longo da visita guiada.

Deste programa integrado, para dar a conhecer o Vale de Santarém, aos naturais e outros interessados, já realizámos duas sessões sobre “O Vale Geológico”, duas “Visitas Guiadas” e uma sessão sobre a “História da Paróquia”, estando em preparação as seguintes: “Roteiro cultural – um peddy paper”, e “À descoberta do Vale – uma prova mistério”, previstas para os dias 14 e 28 de Outubro, respectivamente.

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