Inês Henriques foi responsável pela criação dos 50 km marcha para mulheres. Foi campeã mundial e europeia, obteve o recorde mundial. Mas falta ainda algo: fazer a prova nos Jogos Olímpicos, uma batalha que a atleta, natural de Rio Maior, tem travado nos Tribunais. A persistência com que enfrentou as instâncias internacionais da modalidade, para que a prova fosse incluída nas competições oficiais nos moldes exactos da versão masculina, é a mesma que demostra na pista e na vida. E é esta qualidade, a par da tenacidade que demonstra, que é, também, reconhecida pelo Correio do Ribatejo por ocasião dos seus 129 anos de publicação ininterrupta. A menina, nascida no Hospital Velho, em Santarém, e criada em Estanganhola, Rio Maior, fez-se mulher e o trabalho e dedicação à marcha atlética catapultaram-na para o estrelato. Aos 37 anos, Inês Henriques gravou a ouro o seu nome e o de Portugal na história, ao tornar-se a primeira mulher a vencer a primeira prova de 50 km marcha num mundial de atletismo, mas nunca esquece as suas raízes. Formada em Enfermagem pela Escola Superior de Saúde de Santarém, os objectivos para o futuro ainda não estão bem definidos, mas, uma coisa, Inês garante: “quanto decidir terminar a carreira será no Grande Prémio de Rio Maior”.

Foi uma estreia de sonho. Melhor era impossível. E estava guardado para o último dia dos Campeonatos do Mundo, em Agosto de 2017: Inês Henriques conquistava o ouro nos 50 km marcha, mas ainda houve uma cereja no topo do bolo. A atleta de Rio Maior conseguiu bater o recorde mundial, que já lhe pertencia desde Janeiro daquele ano, fixando a nova marca em 4.05.56.
Depois da confirmação da variante feminina dos 50 km marcha nos Mundiais apenas um mês antes, alinharam à partida apenas sete atletas: Inês Henriques, as chinesas Hang Yin e Shuqing Yang, a brasileira Nair da Rosa e as americanas Kathleen Burnett, Erin Talcott e Susan Randall. As suficientes para fazer história.

Nos últimos metros da prova, a atleta ainda teve tempo para agarrar numa bandeira portuguesa que estava na assistência, levá-la na mão até à meta e levantá-la bem alto depois de abraçar, em lágrimas, o seu treinador de sempre, Jorge Miguel.

“O que senti, no momento de cortar a meta, foi a recompensa de muitos anos de trabalho e dedicação e um enorme orgulho por conseguir demonstrar que, nós, mulheres, conseguimos fazer 50km de marcha com grande qualidade e, assim, mudar mentalidades”, declara.
Mas a história da atleta começa muito antes: em 1991, Inês tinha 12 anos e Susana Feitor tinha sido campeã do Mundo de juniores e havia um grupo grande de marchadores. Ela, e a irmã, decidiram experimentar a modalidade. Inês nunca mais parou.

“Nós fazíamos corrida, fazíamos marcha. Depois, comecei a ir às provas de marcha e a ter bons resultados. Tinha jeito e então lá me mantive na marcha até hoje”, recorda.

Entrou, logo em 1992, nas provas de marcha, foi campeã nacional de infantis, juvenis, juniores e, em 1996, marcou presença no Mundial de juniores quando ainda era juvenil de primeiro ano.

“Uma vez indo a um campeonato internacional, já não há volta a dar, era algo que eu queria fazer”, confessa a atleta que construiu, passo a passo, uma carreira sólida.

“Na minha família não existia qualquer história de atletas. Eu e a minha irmã (Sónia, mais velha 22 meses,) é que levamos o desporto para casa, e nem sempre eramos entendidas (risos).Os nossos pais não eram pessoas de acompanharem as nossas provas, mas nunca nos impediram de seguir os nossos sonhos e apoiaram sempre as nossas decisões, mas tínhamos de ser responsáveis. Tive sempre o apoio do meu treinador”, conta a atleta, confessando que, financeiramente, “nem sempre foi fácil, mas como sempre fui bastante poupada conseguia equilibrar em momentos complicados”.

Para chegar a este nível e às competições internacionais, Inês Henriques deixa a receita: “necessitamos de uma grande dedicação e trabalho durante muitos anos. Nem sempre conseguimos alcançar os objectivos, mas não podemos desistir”.

“É óbvio que tenho algum talento, porque senão não tinha chegado onde cheguei, mas o que valeu mais foi a persistência e o trabalho de 25 anos. De alguma forma, é para mostrar aos atletas mais novos que, mesmo não tendo um grande talento, se estiverem disponíveis para trabalhar, até pode demorar, mas é possível chegar lá acima”, acrescenta.

“Foi a minha opção de vida. Fui uma miúda que me dediquei logo muito e comecei a obter bons resultados. Em alguns momentos, o mais difícil é estar longe da família, que para mim é o meu porto de abrigo”, confessa Inês Henriques, a atleta formada em Enfermagem pela Escola Superior de Saúde de Santarém.

Confessa que nem sempre foi a melhor estudante por não ser fácil conciliar os estudos com o desporto de alta competição, mas a escola sempre a apoiou e incentivou nos momentos mais difíceis.

“Sempre quis fazer mais e melhor e os professores ajudaram-me sempre. Nunca vou esquecer isso”, revela.

A atleta ingressou no curso de Enfermagem em 2003. Entretanto, foi-se revezando entre os estudos e o desporto até concluir o curso em finais de 2013.

“Todas as minhas opções foram tomadas em função de conseguir conciliar a minha carreira desportiva. Sou enfermeira, porque podia tirar a licenciatura em Santarém e permanecer a viver em Rio Maior para conseguir continuar a treinar”, confessa.

“Mas como acho que não vou conseguir viver sem o desporto, já tirei quiromassagem, e o curso de massagem terapêutica desportiva, e, às vezes, já dou algum apoio aqui ao Complexo Desportivo de Rio Maior”, revela.
“O desporto é o trabalho de uma vida, que percorri sempre focada no meu sonho. Sinto-me verdadeiramente recompensada por todos os anos de dedicação e foco”, revela.

A luta pelos direitos das mulheres
Fora das pistas, Inês Henriques continua a luta nos tribunais pela introdução dos 50 quilómetros de marcha femininos nos Jogos Olímpicos de Tóquio: “Vou continuar a lutar pela introdução dos 50km mas, se não conseguir, quero qualificar-me nos 20km de marcha, para estar nos meus quartos Jogos Olímpicos”, assegura a atleta.

Apesar do adiamento dos Jogos, e face à decisão de Fevereiro último do Tribunal Arbitral do Desporto (TAS), a atleta não espera facilidades: “Tendo em conta o que se passou, sei que o Comité Olímpico Internacional (COI) não nos vai facilitar a vida”.

Em 04 de Fevereiro, o recurso enviado ao TAS por um grupo de atletas, entre as quais a portuguesa, foi rejeitado, com aquele tribunal a considerar não ter jurisdição para julgar o caso, deitando por terra as aspirações de se aplicar a decisão junto da World Athletics (antiga IAAF) e do COI.

O reagendamento de Tóquio2020 para o período entre 23 de Julho e 08 de Agosto de 2021 vai permitir, além da possível ‘batalha’ pela introdução da distância maior no programa de atletismo feminino dos Jogos, uma preparação mais atempada da marchadora.

Inês Henriques é um exemplo de superação e vai ficar para a História: não só pelos títulos e recordes, mas também por ser o rosto das atletas femininas que travaram uma guerra com a Associação Internacional de Atletismo para terem os mesmos direitos dos atletas masculinos.

Os objectivos para o futuro ainda não estão bem definidos, mas uma coisa Inês garante: “quanto decidir terminar a carreira será no Grande Prémio de Rio Maior e, posteriormente, gostava de continuar a trabalhar ligada com o desporto”.

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