O centenário de António Martinho do Rosário, que se está a assinalar, coincide com os 40 anos da morte de Bernardo Santareno, o pseudónimo com que o médico, natural de Santarém, se deu a conhecer fora dos consultórios onde trabalhou.

Com esse nome, começou por assinar três livros de poesia em edição de autor: A Morte na Raiz (1954), Romances do Mar (1955) e Os Olhos da Víbora (1957), a anunciarem algumas das temáticas e das tensões preferenciais da sua obra dramática. Muito embora o lirismo não seja uma faceta a desprezar na sua obra, foi, no entanto, como homem de teatro que Bernardo Santareno se impôs.

A paixão pelo teatro manifesta-se, desde cedo; no seu tempo de adolescente, Bernardo Santareno encenava pequenas peças de teatro, estreando no “palco” os familiares e a vizinhança. Não são raras as vezes que encena estas peças na aldeia de Espinheiro, localidade pertencente ao concelho de Alcanena, onde radica a raiz familiar paterna.

“O primeiro contacto com ele foi no Espinheiro: ele foi lá visitar os avós. Nas férias ele e as primas, iam lá para casa dos avós. A minha casa era ao lado. E via-os a fazer umas coisas ‘esquisitas’, a falar uns com os outros. Afinal, estavam a representar peças de teatro. Eu nem sabia o que era isso na altura”, conta Joaquim Martinho da Silva, decano dos advogados de Santarém e primo do autor.

Na sua óptica, “é preciso fazer mais por Bernardo Santareno”, referiu, afirmando que é necessário fazer ainda “um enorme trabalho para dar a conhecer personalidade multifacetada deste homem”, que morreu aos 59 anos em Carnaxide, sendo actualmente considerado um dos maiores dramaturgos portugueses do século XX.

“Existe um espólio composto por milhares de cartas onde ele se mostrava verdadeiramente e que estão actualmente dispersas”, disse Joaquim Martinho da Silva.

Entre registos realistas, de tonalidade mais naturalista ou com traços épicos, a sua escrita foi “essencialmente de denúncia, atenta à realidade do país e visando uma consciência social, o que lhe valeu a proibição de algumas das suas peças e a perseguição pelo regime salazarista”, afirmou.
A sua obra é “uma das grandes obras de todo o nosso teatro. Quem quiser reduzir a história do teatro português a quatro ou cinco nomes, necessariamente terá de incluir o nome do Bernardo”, disse o advogado.

Apesar da infância atribulada pelas convicções políticas de seu pai — Joaquim Martinho do Rosário, um republicano, grande oposicionista do regime e visceralmente anticlerical –, desde muito cedo, manifestou uma grande inclinação para o teatro — por volta dos doze anos escrevia embriões de peças que representava junto com seus primos. Por toda a vida, Santareno viu-se dividido entre a revolucionária figura paterna e a doce figura materna — uma mulher simples e de formação católica –, num conflito permanente entre o masculino e o feminino, entre o anticlerical e a religião.

Bernardo Santareno é, indiscutivelmente, o autor que de forma mais profunda marcou o teatro português da segunda metade do século XX. Nas suas peças, o dramaturgo articula a voz trágica de forma veemente e sofrida ao mesmo tempo que revela uma compaixão pelos excluídos, vítimas de arreigados preconceitos sociais e de fanatismos vários.
A forte componente psicológica no desenho das personagens e a localização da acção em pequenas comunidades fechadas (rurais, piscatórias ou citadinas) são elementos usados no que parece ser a sua procura sistemática de psicanalisar a alma lusa.

Bernardo Santareno nasceu em Santarém a 19 de Novembro de 1920, onde concluiu a instrução primária. Partiu para Coimbra de onde saiu licenciado em medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1950, onde fez também a especialização em psiquiatria, mas foi a escrita que lhe deu maior relevo, tendo iniciado o seu percurso literário associado ao teatro com a publicação de várias peças nas décadas de 50, 60 e 70, como são os casos do “Bailarino”, “A Promessa”, “O Crime da Aldeia Velha”, “António Marinheiro”, “O Judeu” ou “A Traição do Padre Martinho”.

Como médico embarcou nos navios pesqueiros para a pesca do bacalhau nos mares da Groenlândia. Embarcou também no navio-médico “Gil Eanes”. Esta passagem pelas embarcações marcou a sua escrita e a sua produção literária visto ter sido a bordo de algumas embarcações que escreveu parte de muitas das suas obras. O mar, a pesca e os pescadores são referências na sua obra: Bernardo Santareno é ainda hoje reconhecido como um dos maiores dramaturgos portugueses de todos os tempos, morreu e 1980 em Lisboa depois de lutar contra o regime salazarista e depois de deixar um legado cultural ímpar.

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