Custódio Castelo é hoje uma das maiores referências vivas da guitarra portuguesa, reconhecido pelo virtuosismo técnico e pelo talento único na renovação do fado. Nascido em Almeirim em 1966, o músico elevou a guitarra portuguesa a novos patamares, fundindo tradição com inovação e abrindo o instrumento a novas sonoridades, desde o jazz à música erudita. Com um percurso marcado por colaborações memoráveis e uma carreira internacional de sucesso, tornou-se uma figura fundamental na divulgação e valorização da música portuguesa contemporânea.
Custódio Azevedo Fidalgo do Castelo nasceu a 23 de Dezembro de 1966, em Almeirim, numa família humilde ligada ao trabalho agrícola. Desde cedo revelou uma curiosidade notável pelos instrumentos musicais, improvisando, aos sete anos, uma guitarra rudimentar a partir de uma lata de óleo, uma tábua e fios de pesca do seu pai. Este engenho artesanal não só demonstrava a sua criatividade como antecipava a paixão que viria a marcar toda a sua vida.
O contacto inicial com a guitarra portuguesa deu-se por influência das gravações de Amália Rodrigues, que escutava com fascínio. A descoberta deste som peculiar revelou-se um ponto de viragem decisivo no seu percurso musical. Foi através da aprendizagem informal com Lionel Mendrico, barbeiro em Almeirim e guitarrista autodidacta, que Custódio Castelo começou a explorar o instrumento, sendo depois orientado por Raimundo Seixas. O jovem músico absorvia com rapidez as técnicas e repertórios tradicionais, demonstrando desde cedo um talento raro que impressionava os seus mestres.
Aos treze anos, Custódio Castelo começou a tocar guitarra acústica e eléctrica, experimentando outros géneros musicais e integrando bandas de rock. Contudo, a atracção pela guitarra portuguesa revelou-se mais forte. Determinado a evoluir, ia regularmente a Lisboa, ainda adolescente, para ouvir tocar os mestres nas casas de fado, memorizando as melodias para depois as reproduzir em casa. O rigor e a dedicação com que se aplicava ao instrumento acabariam por defini-lo como um músico singular.
Ainda jovem, Custódio Castelo aventurou-se numa abordagem não ortodoxa: electrificou uma guitarra portuguesa, instalando-lhe um piezo e explorando novas possibilidades sonoras. Esta inovação, nascida da vontade de adaptar o instrumento a outros géneros musicais, marcaria uma das suas principais características como artista – a procura constante de inovação e de caminhos próprios.
A aprendizagem formal foi essencialmente prática e desenvolveu-se através do contacto com grandes nomes do fado. Acompanhou figuras como Manuel de Almeida, Maria da Fé, Cidália Moreira, Fernando Maurício e Vicente da Câmara. Este período formativo revelou-se crucial para a consolidação da sua técnica e estilo, permitindo-lhe absorver as nuances interpretativas que caracterizam o fado genuíno.
Apesar de reconhecer a importância dos mestres que o orientaram, Custódio Castelo é frequentemente referido como um “virtuoso autodidacta”. Esta expressão traduz a sua capacidade de integrar ensinamentos recebidos e transformá-los em algo novo e pessoal. A combinação de um respeito profundo pela tradição com uma abordagem inovadora tornou-se a sua principal marca distintiva.
O início oficial da sua carreira discográfica deu-se em 1986, quando foi convidado por Jorge Fernando para gravar no álbum “Enamorado”. Esta colaboração viria a consolidar-se numa parceria duradoura que se prolonga até hoje. Jorge Fernando, também produtor de Amália Rodrigues e Mariza, foi uma figura determinante na vida artística de Custódio Castelo, contribuindo para a sua afirmação como instrumentista de referência.
Nos anos seguintes, o seu nome começou a ser associado aos grandes intérpretes do fado contemporâneo. Acompanhou músicos como Nuno da Câmara Pereira, gravando com ele o disco “Só à Noitinha” (1995) com a Orquestra Sinfónica da Lituânia. Este projecto ilustra a capacidade de Custódio Castelo para transpor a guitarra portuguesa para contextos musicais distintos, integrando-a em arranjos orquestrais complexos.
A década de 1990 foi igualmente marcada por colaborações com nomes consagrados como Camané e Mísia. Participou nos álbuns “Na Linha da Vida” (1998) e “Garras dos Sentidos” (1998), tendo integrado as digressões internacionais que se seguiram. Esta projecção internacional seria reforçada com a sua associação a Cristina Branco, com quem realizou sete álbuns, entre os quais se destacam “Murmúrios” (1998) e “Post-scriptum” (1999). Estes trabalhos valeram-lhe distinções internacionais como o prémio Choc de L’Année du Monde de la Musique na categoria de World Music, consolidando o seu nome além-fronteiras.
O reconhecimento oficial chegou em 2010, com a atribuição do Prémio Amália Rodrigues na categoria de melhor instrumentista de fado. Esta distinção, considerada uma das mais prestigiadas no meio musical português, confirmou o seu papel decisivo na renovação e valorização da guitarra portuguesa.
Custódio Castelo não é apenas um músico virtuoso. É também um pensador profundo sobre o seu próprio instrumento e um criador inquieto que procura sempre novos caminhos. Na conversa que tivemos, o guitarrista revisitou momentos marcantes do seu percurso, traçando pontes entre o passado e o presente, entre a tradição e a inovação.
A paixão pela guitarra portuguesa surgiu cedo, de forma quase instintiva, quando ainda era criança. Recorda-se de ter construído o seu primeiro instrumento com uma lata de óleo, uma tábua e fios de pesca. “Foi assim que foram os primeiros sons do Custódio Castelo”, diz, entre sorrisos. Mas o verdadeiro despertar aconteceu quando ouviu pela primeira vez gravações de Amália Rodrigues. “A guitarra portuguesa era um som que me fascinava. E percebi que queria aprender a tocar aquilo, nem que fosse sozinho.”
A inquietação artística levou-o a experimentar novos caminhos. Adolescente, aventurou-se a electrificar uma guitarra portuguesa, integrando-a em projectos de rock e outras sonoridades. “Eu tinha uma cabeleira enorme e tocava com a guitarra portuguesa ligada a amplificadores. Era uma espécie de rebeldia musical.” Mas rapidamente percebeu que a guitarra tinha uma identidade própria, que precisava de ser respeitada e compreendida. Esse entendimento levaria anos a consolidar.
Custódio Castelo fala com emoção dos seus anos de formação e dos desafios que enfrentou. “Eu ia para Lisboa, de comboio, para ouvir os mestres nas casas de fado. Ficava à porta, a escutar. Não levava instrumento, mas memorizava tudo o que ouvia e depois, quando chegava a casa, tentava reproduzir.” Esse esforço de memorização e prática exaustiva contribuiu para a construção de um estilo próprio, caracterizado por uma técnica precisa e uma expressividade rara.
O encontro com Jorge Fernando foi determinante. “Foi ele quem me chamou para gravar no estúdio da Valentim de Carvalho. E, a partir daí, tudo começou a acontecer.” A colaboração com Fernando Maia, Gilberto Silva e outros grandes músicos ajudou a consolidar o seu nome no meio artístico. Mas foi através de Cristina Branco que a sua arte encontrou um reconhecimento internacional. “Aqueles álbuns que gravámos juntos foram fundamentais. Abriram-me portas em países que nem imaginava. E isso é muito gratificante.”
Custódio Castelo é o fundador da primeira licenciatura e do mestrado em guitarra portuguesa em Portugal, criados na ESART – Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco. Este percurso académico, iniciado e desenvolvido por si, representa um marco histórico na valorização e reconhecimento da guitarra portuguesa como instrumento académico e de concerto. Para Custódio Castelo, o ensino é um prolongamento natural da sua arte, uma forma de perpetuar o conhecimento e de garantir que as gerações futuras possam explorar e inovar neste legado musical.
A guitarra portuguesa é, para Custódio Castelo, “o instrumento que tem a voz de um povo e o nome de um país”. É um meio de expressão que carrega em si uma carga emocional única. “Ela chora, ela ri. Há momentos em que a guitarra portuguesa parece ter vida própria. É uma coisa mágica.”
O seu percurso não se limitou ao fado. Custódio Castelo procurou sempre experimentar novas sonoridades, levando o seu instrumento para terrenos pouco explorados. “O jazz, a música erudita, tudo isso me interessa. Porque eu não quero que a guitarra portuguesa fique presa a um único género. Acho que ela tem muito mais para dar.”
A humildade com que fala do seu trabalho contrasta com o reconhecimento internacional que tem alcançado. “Eu sou apenas alguém que tenta fazer o melhor que pode. Nunca me esqueço de onde vim e do que me levou a pegar neste instrumento. A gratidão é o que me move.”
Hoje, Custódio Castelo continua a dividir o seu tempo entre os palcos e a sala de aula, mantendo uma actividade constante enquanto compositor e intérprete. “Tocar é a minha forma de comunicar. É assim que eu sei falar ao mundo.”