A cidade de Nagasaki, onde me encontro neste momento, é conhecida pelos nipónicos como a cidade cristã do Japão, não só porque repleta de igrejas, mas também porque a grande parte dos 3% de católicos da população japonesa – na sua maioria xintoísta e budista (93%) – aí reside.
Na memória destes japoneses cristãos perdura ainda hoje, porque sempre relembrado desde Novembro de 1608, a coragem de André Pessoa, comandante do navio “Nossa Senhora da Graça”, que vendo a sua nau encalhada, meio destruída e perseguida injustamente por milhares de japoneses, e prevendo o seu fim e dos seus homens nas lâminas das suas “katanas”, com o consentimento deles, qual colectivo suicídio, desce ao paiol munido de uma tocha e após uma breve prece, dirige-se aos barris de pólvora e faz explodir a embarcação.
Este gesto foi considerado um acto de grande bravura e nobreza, passando o afundamento do “Nossa Senhora da Graça” a integrar o folclore de Nagasaki, num festival tradicional o “Nagasaki Kunchi” (texto completo no Correio do Ribatejo de 01/04/2023).
Vamos à crónica de hoje, nada mais que um pequeno resumo do relato memória da “Embaixada ´Mártir”, do padre jesuíta Benjamim Videira Pires, pois por aqui há muito para ver.
“Decidido pelo Tratado de Saragoça, em 1529, entre Espanha e Portugal, que o Japão está na esfera de influência portuguesa, para lá se dirigiram comerciantes e sacerdotes jesuítas desempenhando importante papel entre 1543 e 1641, período chamado de “século kirishitan” (cristão).
Era Senhor de Nagasaki Omura Sumitada, o primeiro daimio a converter-se ao cristianismo, com o nome de D. Bartolomeu. Este cedeu aos jesuítas, em 1580, a aldeia piscatória de Nagasaki, por não ser plana mas sim irregular com várias colinas. Nestas vai nascer uma cidade, ficando os portugueses de eleger um regedor para a povoação, mas prestar sempre ao Daimio a maior das fidelidades. A feitoria de Nagasáqui vai crescer sem fortificações e regida por um “Código Civil” e um “Código Criminal” distintos da lei japonesa, porque adaptada da lei romana. Vai crescer à volta da igreja, da Sta. Casa da Misericórdia e da Câmara Municipal.
Em 1586, é invadida por forças de Shimazu Yoshihisa que finda a administração portuguesa, mas permite a estadia dos portugueses. A partir de 1614 sucedem-se os decretos de proibição da religião católica e a perseguição aos seus seguidores. Isto vai levar a que o comércio com o Japão tivesse um fim dramático com o encerramento dos portos, arruinando Macau.
Em 1640 na tentativa de reabrir o comércio, uma embaixada oficial de Macau, nada mais que um grupo que se estima de 30 pessoas a grande maioria comerciantes, desloca- se ao Japão. Porque ao tempo tudo levava meses e por vezes anos, muitos levaram as suas mulheres e filhos. Esta embaixada fracassou na sua missão e foram todos, homens, mulheres e crianças, torturados e depois crucificados. Ficou conhecida como a “embaixada mártir” (1).
[B. Pires (1). Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico].