Na passada quinta-feira, dia 14 de Setembro, faleceu aos 100 anos de idade, na cidade de Santarém, onde vivia desde 1950, Fernando Diniz Ferreira, prestigiado fotógrafo que marcou o seu tempo na arte da imagem.

Os mais velhos lembrarão para sempre o “Senhor Diniz da Novarte”, como era referenciado localmente este homem dinâmico, comunicativo e muito afável, perfeitamente identificado com as expectativas e angústias de Santarém e do Ribatejo, apesar de ser um homem do Norte, natural da Invicta Cidade do Porto.

Foi ainda na sua cidade natal que, aos 16 anos de idade, Diniz Ferreira tirou a primeira fotografia em “fotocolor”, e desde então nunca mais deixou de retratar o quotidiano. As pessoas e as suas circunstâncias… Inicialmente Diniz Ferreira colaborou em vários projectos de desenho e de pintura de cenários, e tornar-se-ia amador de cinema – filmava, revelava e fazia montagens, desenhava legendas e motivos decorativos – e com esta experiência fez uma breve incursão na publicidade, criando em conjunto com mais três amigos a empresa “EPAS”.

Segundo revelou ao Correio do Ribatejo numa entrevista concedida em 2008, a propósito do lançamento do livro “A Feira a Preto e Branco”, foi o talento para o desenho que lhe abriu as portas para a fotografia: “quando era miúdo desenhava bem e até fazia caricatura”, afirmou nessa oportunidade.

O inspirado fotógrafo viria mais tarde a trabalhar num laboratório, a revelar os negativos, passando, assim, a dominar todo o processo fotográfico, que para si não tinha segredos. Depois de uma breve passagem pelo Barreiro, o genial fotógrafo estabeleceu-se em Santarém, constituindo a Novarte, estúdio e laboratório de fotografia para amadores e profissionais, situada em frente ao Teatro Sá da Bandeira, onde trabalhou até 1998, e, entretanto, fundou o GAF – Grupo de Amadores de Fotografia, que durante alguns anos participou em concursos nacionais e internacionais.

Num tempo em que não existiam programas informáticos de edição de imagem, o retoque nas fotografias era feito a carvão pela mão de Diniz Ferreira, uma novidade que fazia com que muitos procurassem os seus serviços. Sem sobranceria revelava o seu processo de trabalho artístico – “Comecei a esbater as rugas dos rostos, a retocar narizes e a corrigir olhares”, para além de ter introduzido em Santarém uma nova forma de iluminação para os retratos em estúdio: “arranjei um projector de cinema, que simulava o sol, e então, a luz ambiente acabava por iluminar as sombras que ficavam mais suavizadas”.

O uso recorrente da câmara ao nível do solo proporcionava enquadramentos únicos. O predomínio da dinâmica, a captação da velocidade das corridas, o movimento de cavalos e de campinos são notáveis. Fixou campinos garbosos, de postura altiva e épica como cavaleiros de outras eras, bem como surpreendeu o afecto dum tratador que beijava a sua égua, goleganenses ilustres do universo tauromáquico, como foram os casos de Manuel dos Santos, António e José Agostinho dos Santos, Carlos Cachado e outros.

Este espírito criativo invulgar foi-se revelando em vários outros aspectos, nomeadamente na produção de imagens e de suportes artísticos para representações de Santarém e do Ribatejo em eventos promocionais, como era o caso da Feira de Turismo em Lisboa. No entanto, seria na Feira do Ribatejo – onde, a convite de Celestino Graça, começou a fotografar desde a sua primeira edição – que Diniz Ferreira atingiu a sua maior projecção, tendo sido, inclusivamente, o autor das fotografias de boa parte dos cartazes da Feira durante as primeiras vinte e uma edições.

Nas fotografias com campinos ou com grupos de folclore Diniz Ferreira evidenciou a sua magistral competência, pois captar imagens em movimento com a expressão que marcou as suas fotografias com os limitados recursos técnicos então disponíveis, é um portento. “Cada vez que tirava uma fotografia, o coração batia mais forte. Nessa altura, a fotografia que fizesse tinha de ficar boa. Era um imperativo. Havia a necessidade de disparar no tempo certo”, explicava a quem tinha o privilégio do seu convívio.

O que não faria hoje Diniz Ferreira com as poderosas câmaras digitais com focagem automática e que captam dezenas de imagens por segundo?

Em estúdio ou em reportagem o seu olhar, atento e sensível, perscrutava a alma dos retratados com virtude inata, delineava a cada instante as posturas, enquadramentos, escolha de ângulos, luz e contrastes de escolha criteriosa.

Muito para além de um profissional de rotinas, Diniz Ferreira foi sempre um irrequieto inovador e criativo, exigente com a sua arte.

Bem poderemos dizer que esta técnica, servida por uma excepcional inspiração artística, construiu um profissional de eleição, uma verdadeira referência na arte da fotografia, cujos trabalhos imortalizaram os eventos retratados, entre os quais figura em plano de evidência o Festival Nacional de Gastronomia.

Com o cartaz do Cavalo em Pé – fotografando o campino Galrinho, da Casa José da Silva Lico – o SNI concorreu a um Concurso Internacional de Cartazes Publicitários, ficando classificado num honroso 3.° lugar.

Em 2008, Diniz Ferreira lançou, em co-autoria com José Niza, que redigiu os textos, o livro “A Feira a Preto e Branco”, uma selecção de duzentas imagens que evocam a Feira do Ribatejo na época em que esta se realizava no Campo Infante da Câmara. A ideia de publicar este livro partiu de sua filha, Eng.ª Isabel Araújo Ferreira, e o objectivo foi amplamente conseguido, fazendo justiça ao seu trabalho e à dedicação à fotografia ao longo de mais de meio século de intensa actividade.

Na cerimónia de apresentação do livro, José Niza afirmou que “o Diniz [Ferreira] só não foi maior que o Eduardo Gajeiro porque toda a vida trabalhou em Santarém, pois, se tivesse ficado por Lisboa, era certamente reconhecido como um dos maiores fotógrafos que o nosso país já conheceu”.

Diniz Ferreira foi autor dos cartazes do Festival da Flor, do Festival de Cinema Agrícola e Temática Rural, de várias capas de discos, fotos originais e temáticas para pavilhões e de vários stands em feiras, colaborando na sua montagem e decoração e, ainda, autor individual de diversas exposições em Santarém, e outros locais, ao longo do seu vastíssimo percurso profissional.

Fernando Diniz Ferreira foi, indubitavelmente, um artista multifacetado, sensível e de bom gosto, Homem das Artes Visuais, do desenho cenográfico ao cinema e à fotografia, a sua arte maior.

Lembro com muita saudade a sua dedicação aos Grupos Infantil e Académico de Santarém que, inclusivamente, chegou a acompanhar no estrangeiro, nomeadamente a Inglaterra, onde estes Grupos escalabitanos se apresentaram para a televisão de Cardiff.

À Família enlutada, especialmente a sua filha, Eng.ª Isabel Araújo Ferreira, apresento a expressão das mais sentidas condolências.

Ludgero Mendes

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