A peça “O Punho, com que a Escola de Mulheres concretizou a homenagem a Bernardo Santareno e a necessidade de “honrar o pedido e a vontade da encenadora Fernanda Lapa”, regressa em Novembro ao palco da companhia, em Lisboa.

Estreada na sala de teatro do Clube Estefânia, em 19 de Novembro de 2020, coincidindo com o centenário de nascimento de Bernardo Santareno, “O Punho” pôs em palco a versão cénica concebida por Fernanda Lapa, para a peça homónima do dramaturgo que fora “grande amigo” da actriz, encenadora, directora e fundadora da companhia, disseram na altura da estreia os directores artísticos da Escola de Mulheres, Marta Lapa e Ruy Malheiro. Fernanda Lapa morreu a 06 de Agosto do ano passado, aos 77 anos.

Após digressão, “O Punho”, que este ano já foi apresentado no Seixal e em Mértola, regressa à sala de teatro do Clube Estefânia de 15 a 21 de Novembro, anunciou hoje a Escola de Mulheres.

Fernanda Lapa ultimara a versão cénica da obra, a derradeira do dramaturgo, durante o primeiro confinamento de resposta à covid-19. E tinha por vontade que estreasse no dia do centenário do nascimento do autor de “O judeu”, 19 de Novembro.

Para a companhia, era uma necessidade “honrar o pedido e a vontade expressa” da mulher que a fundara, há 25 anos, explicaram, na altura, os directores artísticos.

“Com toda a dificuldade que este texto traz e com a proposta cénica que depois veio, acabou por ser uma necessidade” levar a peça a palco, sublinhou Marta Lapa, que também assumiu a direcção artística da companhia, após a morte da mãe.

“Mais do que um acto de coragem” ou “uma dupla homenagem”, era “absolutamente necessário fazer isto. Ponto.”, disse Marta Lapa. “Portanto, estamos a fazer o que tinha de ser feito, e com alegria, com vontade, com…”, acrescentou a também actriz, cedendo então a um prolongado suspiro.

“O Punho” é uma criação conjunta de toda a equipa que intervém na peça, e é posta em palco como “a última encenação que a Fernanda queria muito ter feito”, acrescentou Marta Lapa, quando da estreia.

Integrada nas comemorações nacionais do centenário de nascimento de Bernardo Santareno, que Fernanda Lapa organizava e dirigia, “O Punho” “era, finalmente, a sua homenagem ao Santareno, cujas comemorações de centenário de nascimento foram organizadas e iniciadas por ela”, o que levou a que “a peça fosse posta em palco mediante os desejos expressos de Fernanda Lapa ainda em vida”, referiu.

No palco, “O Punho” é uma peça que se fixa numa zona não naturalista, com figurinos mais estilizados, e na qual a equipa seguiu as pistas deixadas pela actriz e encenadora, que conhecera o psiquiatra António Martinho do Rosário, nome próprio do dramaturgo, quando, na adolescência, com 15/16 anos, depois de ter realizado “uns testes psicotécnicos que deram uns ‘resultados esquisitos’”, foi aconselhada a consultar o médico, contou à Lusa a filha da encenadora.

Estava dado o mote para a “amizade e cumplicidade enorme” que se foi sedimentando, cada vez mais ao longo dos tempos, entre a actriz e “o ser humano incrível” que era o médico e dramaturgo, como Fernanda Lapa contara, em Março de 2020, por ocasião do Dia Mundial do Teatro, quando lhe coube ler a mensagem da Sociedade Portuguesa de Autores, a propósito da efeméride.

Amizade à qual a ideologia de esquerda e a militância antifascista de ambos não era alheia, já que Fernanda Lapa foi militante do PCP e, no pós 25 de Abril, António Martinho do Rosário militou activamente no Movimento Democrático Português – Comissão Democrática Eleitoral (MDP / CDE).

Sem ter sido professor de Fernanda Lapa, como habitualmente é referido, Bernardo Santareno – ou António Martinho do Rosário – foi também colega de Fernanda Lapa na Fundação Sain, uma organização de apoio e integração de cegos adultos, sobretudo de homens que perderam a visão durante a Guerra Colonial.

Fernanda Lapa exercia funções de assistente social, a sua formação académica inicial, e o dramaturgo a de médico psiquiatra.

“O Punho” é também uma peça “não panfletária”, que, segundo as palavras de Marta Lapa.

Embora acabe por falar de temas que estiveram na base da fundação e pautaram o trabalho da Escola de Mulheres e que cada vez continuam “mais actuais”, como questões sociais, políticas, de género, entre outras, “O Punho” é uma peça “não panfletária”, que “nunca foi o objecto de trabalho da Fernanda”, acrescentou Marta Lapa.

Maria do Sacramento (Margarida Cardeal), a criada, Dona Mafalda (Maria d’Aires), a patroa rica, R.Gastão (André Levy), marido de Dona Mafalda, Catarina (Marta Lapa), Guilherme (Hugo Nicholson), João Saramago (Vítor Alves da Silva), Zé Rovisca (André Leitão) e o Narrador (Ruy Malheiro) são as personagens do espectáculo, que tem música e direcção de coro de Janita Salomé.

Escrito por Bernardo Santareno no ano da sua morte (1980), o texto de “O Punho” viria a ser publicado postumamente, sete anos mais tarde, em 1987.

O motor central da acção da peça atravessa três anos, centrado na luta de classes desde o período anterior até à fase seguinte da reforma agrária, no Alentejo, ainda que a Guerra Colonial seja outro tema sempre presente.

A camponesa Maria do Sacramento e a latifundiária Mafalda são as personagens principais e, em simultâneo, protagonistas e antagonistas.

Numa sala em que a plateia se pode sentar de frente para o palco e em duas filas de cadeiras na lateral da sala, “O Punho” joga com a ambivalência do espaço, pondo as protagonistas fora de palco, sob um tecto onde caem espigas de trigo, enquanto um coro dramático – um coro trágico que vai sublinhando ou suscitando a acção segundo a tradição grega – canta em verso “Quem viu o Zé Sacramento (…) foi p’rá vida militar. (…) Voltou morto, partiu vivo”.

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