A escritora escalabitana-carioca Calí Boreaz, lança amanhã, sábado, dia 22, pelas 14h30, o seu primeiro livro de poesia. O evento acontece no recém-inaugurado ‘La Boheme’, no coração do centro histórico. Editado sob a chancela da editora brasileira Urutau, o livro, “outono azul a sul” está a ser lançado simultaneamente em Portugal e no Brasil. A este propósito, o Correio do Ribatejo falou com a autora, natural de Santarém e que mora há alguns anos no Rio de Janeiro.

Em que altura da sua vida descobriu a vocação para a escrita?

Aprendi as letras antes de entrar na escola — conta a minha mãe que eu andava tão ansiosa por saber escrever que teve de me ensinar. Assim que me apoderei das letras e, depois, das palavras, comecei a usá-las para além do seu uso funcional. Ouvia a minha mãe dizer, a vida toda, que eu ia ser escritora. Mas eu não queria ser escritora, porque, para mim, eu já era. Ser escritor é escrever, simplesmente, não depende de mais ninguém. Eu queria ser actriz, e tornei-me actriz. Teatro depende essencialmente do outro — do que faz junto e do que assiste, ali, no momento presente, e ambos alteram a própria arte que se produz. Literatura não, é absolutamente solitária. O outro que lê é um ser invisível, posterior, possivelmente até inexistente, e não altera (não deve alterar) em nada o que se escreve. Teatro foi minha busca do outro em mim para o outro, literatura minha busca por mim no outro para mim mesma. Por isso também achei que essas personas — a actriz e a escritora — tinham nomes distintos, porque partem de lugares opostos, embora no fundo se fundam numa tentativa de compreensão da humanidade.

O que inspira a sua obra?

Em primeiro lugar, a minha própria vida. Os desassossegos que me atravessam ou me demoram. Escrevo basicamente para saber o que ainda não sei.

Acontece-me descobrir coisas escrevendo que não descubro apenas pensando, muito menos falando. Depois, inspiram-me fotografias, não necessariamente tiradas numa máquina fotográfica, as fotografias que vou fazendo mentalmente por aí.

Como nasceu o seu livro, ‘outono azul a sul’, agora publicado em Portugal e no Brasil? Qual é o seu processo criativo?

Os poemas foram nascendo da travessia norte-sul, Lisboa-Rio de Janeiro, ao longo dos últimos anos — contam um pouco dessa história, que passa por amores que movem espaço e tempo, o que neles, apesar disso, é frágil, o que neles é belo, triste ou, finalmente, clandestino. O livro como entidade e unidade nasceu de uma chamada para autores portugueses que vi, em 2018, da editora Urutau. Não pensava em publicar poesia, mas entendi que era uma boa ocasião para juntar tudo que estava disperso e dar-lhe um sentido circular, fechar um ciclo como se diz. O Outono azul a sul acabou sendo escolhido.

O meu processo criativo? Uns poemas são arte, outros, artesanato. A maioria, nocturnos. Uma sensação, uma saudade, uma cena, uma palavra que explode na minha frente — qualquer coisa pode iniciar o processo; o que vem depois, e porque vem, é imprevisível.

FOTO:  Carlos Peder

O que representa para si a escrita?

Assim como o teatro, escrever é o que mais me aproxima de uma reconciliação com a vida “real”, sua insuficiência e pequenez cotidianas. Libertação. Liberdade como condição é utopia, mas a arte vai libertando momentos.

Que livros é que a influenciaram como escritora?

Diria que uma mistura de A Cidade e as Serras, de Eça, com Tieta, de Jorge Amado, com os romances filosóficos de Kundera, com o universo de Allende, com a casticidade de um Saramago, com a poesia de uma Patti Smith, com a síntese de Pessoa ou Ferreira Gullar, e depois os contemporâneos todos que admiro, com quem a minha escrita conversa todos os dias.

Considera que um livro pode mudar uma vida?

Acho que pode mudar um momento. E de momento em momento…

Tem outros projectos em carteira que gostaria de dar à estampa?

Estou a escrever contos — ou, pelo menos, acho que são contos. Vamos ver.

E escrevi uma adaptação para teatro do romance Karen, de Ana Teresa Pereira, que vou encenar em 2019, já com o aval da autora.

Um título para o livro da sua vida?

Neste momento, ainda seria o título do meu livro: outono azul a sul.

Viagem?

Uma que me falta: um tour pela África de língua portuguesa.

Música imprescindível?

As vozes de Amália, Lula Pena, Lila Downs, Mercedes Sosa, Chavela Vargas, Bethânia. As vozes que me arrepiam a vida.

Quais os seus hobbies preferidos?

Ler na praia, ou na rede, conhecer músicas novas, ouvir as de sempre, tentar voltar a andar de patins.

Se pudesse alterar um facto da história qual escolheria?

A escravatura, a Inquisição, o nazismo – variações da mesma anti-música.

Se um dia tivesse de entrar num filme que género preferiria?

Suspense.

Acordo ortográfico. Sim ou não?

Não gosto nada de “pára” sem acento. Por outro lado, já não consigo escrever “actriz” ou “óptimo”. “Veem” sem acento consigo olhá-lo com certa curiosidade.Fui fazendo o meu próprio acordo luso–brasileiro da língua, que é meu material de trabalho, gosto desse fluir dentro da lusofonia — o meu livro [outono azul a sul] trata disso também. Não gosto de imposições. Sim ou não? Não.

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