Numa única semana tivemos diversos exemplos dos lados negros do futebol.
Desde logo, e desde há meses, mais uma quantidade de primeiras páginas em diversos jornais relativas a alegadas práticas ilegais por parte do Sport Lisboa e Benfica.

Não bastavam os erros de gestão desportiva desde a época da desistência pela luta pelo penta, em 2017-2018, que trouxeram o Clube para uma navegação em águas agitadas, em autêntico clima de desespero, qual nau sem rumo no mar alto, e as repercussões que essa decisão teve em todo o universo Benfiquista, diariamente aquela organização tem de lidar com suspeitas atrás de suspeitas. Não há Clube que aguente, nem Instituição sem liderança que possa alcançar o sucesso. Decorridas pouco mais de 72 horas depois do Clássico, talvez para desviar as atenções, a alegada tentativa de corrupção a Bruno Paixão, qual prato requentado, veio novamente à tona tal como um “fait divers” que se serve frio.

Igualmente e no campo desportivo, assistiram-se a episódios de violência e anti desportivismo, no final do clássico Porto – Sporting, de enorme gravidade e que deveriam fazer todo o edifício do futebol profissional refletir seriamente sobre os caminhos que se encontra a percorrer e que se encontram a destruir, destruindo toda a indústria deste desporto.

Estranha-se que até à hora em que escrevo este artigo, no dia 21 de fevereiro, nem a Liga nem a Federação reagiram a esses acontecimentos, para além das tradicionais multas e aberturas de processos disciplinares. Serviços mínimos, portanto.

A par disto, ainda tivemos cenas lamentáveis num jogo da 2ª divisão do distrital de juniores da Associação de Futebol de Santarém, que são mais uma página negra no futebol de formação. Mais uma.

Ao pensar em todos estes 3 factos, tão negativos para o futebol e exemplificativos de maus exemplos, que se avolumam época atrás de época, lembrei-me do Atlético Clube Avenida da Santarém (ACAS).

Já poucos se lembrarão, tal a forma tão repentina como surgiu e como viria a desaparecer.

Era um luxo, como costumávamos dizer.

Tinha a sua sede na Avenida dos Combatentes, em Santarém. Estávamos em plena década de 80.

Os treinos eram ou no pelado da Ribeira de Santarém ou no pelado que existia por trás do Gimno Desportivo (onde hoje se encontra a Nave). O ACAS era o 3º clube de futebol de formação da Cidade e ninguém tinha vergonha disso. Aliás, até havia uma espécie de sentimentos mistos porque, sendo um Clube que não tinha grandes equipas, tinha bons jogadores, boa formação, bons treinadores e o luxo de ter 4 equipamentos distintos: amarelo, azul, branco e preto. A esse nível, como se costuma dizer: “era tudo à grande”!

Todos os jogadores tinham o seu equipamento de treino e de cores diversas. Um azul e um branco. Os treinos no pelado eram de enorme alegria. E tínhamos, no meu escalão, aquele que foi talvez o treinador que mais me marcou em toda a minha vida desportiva: o Mister Santos Costa! Sempre coadjuvado pelo seu Adjunto, Sr. Edmundo. O Mister era um líder. Dentro e fora de campo.

Era o homem que ensinava, explicava, corrigia, sempre com exigência e sempre interventivo.

Não sendo eu propriamente um mago da bola, longe disso, porque eu achava que a parte de correr no futebol era algo de errado e que eu não gostava nada, mas a minha relação de amizade e respeito pelo Mister era tal que, mesmo sem ser convocado, eu nunca faltava a um treino. Nunca.

E esforçava-me, dentro do meu jeito peculiar, como um peixe fora de água, percebendo bem o porquê de não ser convocado.

Um dia, o Mister resolveu convocar-me. Como devem imaginar, para um miúdo de 12 anos que faz quase toda uma época sem ser convocado, nesse dia senti-me o Mozer (achavam que eu, mal por mal, até poderia ser defesa central).

E nesse mesmo dia, em que resolveu convocar-me, o Mister teve uma conversa comigo que me marcou e que sempre que nos vemos a recordamos.

Foi direto e simples, ao seu estilo, dizendo no final do treino e antes de corrermos para ver os nomes que estavam afixados na porta bordeaux que dava para o “campo de treino”: “Tu estás convocado, tens de estar na escola agrícola pelas 9 horas, mas dou-te um conselho – dedica-te ao estudo. És bom miúdo, mas não tens o jeito do teu pai. Crias bom ambiente na equipa, mas a tua vida não vai ser isto. Tens é de estudar”.
Ainda hoje lhe agradeço as suas palavras. E cada vez que o abraço revivo aquele momento.

Com alegria, amizade e respeito.
Porque um treinador, um presidente, um líder, tem de ser verdadeiro com os seus.
Mesmo que essa verdade possa por vezes ser dura.

São Treinadores como o Mister Santos Costa e tantos outros aqueles que felizmente há neste distrito, pedagogos e não arruaceiros, que o futebol precisa. Que passam valores e sabedoria.

Podem muito bem nunca terem sido campeões nas suas divisões, mas nos ensinamentos que foram transmitindo de geração em geração, e para todos aqueles que ajudaram a formar, foram Campeões na dedicação, no empenho e do conhecimento que foram transmitindo.

E enquanto puderem existir “Santos Costas” a presidir a Clubes de Futebol ou a Treinar Atletas, ou como Massagistas ou Dirigentes, haverá sempre a esperança para que esse desporto possa ser um espaço de pureza, verdade, lealdade e desportivismo.
Como sempre deveria ser.

Post Scriptum – No dia da anterior edição deste jornal, 18 de fevereiro, Santarém perdeu um dos seus cidadãos mais ilustres e mais marcantes da sua vida empresarial, associativa, cultural, política e social. O Sr. Comendador José Júlio Eloy era uma referência maior desta cidade, sempre preocupado com o presente e futuro de tudo aquilo em que estava envolvido, direta ou indiretamente, e deixa um enorme legado, que estou certo a sua família irá prosseguir e respeitar. Aos seus familiares, meus amigos, deixo um abraço de força e conforto para que possam prosseguir a obra que em vida o Sr. José Júlio se esforçou por construir.

Inato ou Adquirido – Ricardo Segurado

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