O novo romance de Evelina Gaspar, O Destino Português de Sam, parte da vida do pintor australiano que há quase quatro décadas se fixou no Médio Tejo e se deixou marcar pela cultura local e pelo mito sebastianista. Vencedora do Prémio Literário do Médio Tejo com Na Massa do Sangue e do Prémio Nacional de Literatura Lions de Portugal com Os Dentes do Tejo, a escritora regressa com uma obra que cruza geografias distantes, entre a Austrália e Portugal, mas que encontra no coração ribatejano o fio condutor para a sua ficção.

“O Destino Português de Sam” inspira-se na vida do pintor Sam Abercromby, que vive no Médio Tejo há quase 40 anos. Em que momento percebeu que a sua história tinha de passar para a literatura? 

Quando conheci o Sam, senti imediatamente que havia ali uma grande história, sentimento que se foi confirmando a cada nova conversa que fomos tendo. Há, sem dúvida, uma aura de maravilhoso mistério que paira desde cedo sobre os seus passos. O próprio contexto familiar anuncia já uma vida singular, uma vez que ele vai nascer num meio bastante conservador e fruto de um amor que condena os pais à vergonha e à desonra pública.  

Optou por uma biografia romanceada em vez de uma biografia tradicional. Que liberdades criativas lhe permitiu essa escolha?

Realmente, o romance permite a liberdade criativa que tanto prezo e que se traduz na possibilidade de fazer leituras e estabelecer sentidos sobre o fio dos acontecimentos que marcam o percurso de Sam. Há todo um trabalho literário a partir dos factos que passa também por propor ao leitor uma certa interpretação acerca do destino do protagonista que cabe a cada um aceitar ou rejeitar.

O romance cruza geografias distantes – Austrália, Portugal, Médio Tejo. Que papel desempenha a região na construção deste enredo? 

A grande inspiração de Sam, o muito português D. Sebastião, é uma figura histórica nacional, mas o castelo e o lar que ele vê anunciados em sonhos, na Austrália ainda, situam-se ambos em dois concelhos da nossa região. Todo o seu trabalho nas últimas quatro décadas se ancora na realidade do Médio Tejo, por onde tem realizado inúmeras exposições e desenvolvido parcerias artísticas e culturais com pintores e outros artistas locais. Podemos talvez dizer que o australiano Sam Abercromby se tornou português pela sua grande ligação ao nosso mito sebastianista, mas o lugar onde isso aconteceu foi na nossa região.   

Este é o seu terceiro livro, depois de obras distinguidas com prémios literários. Que aprendizagens trouxe das experiências anteriores para esta nova obra? 

Trouxe algo muito importante, e que é a aprendizagem do risco. Ou seja, aprendi a confiar no meu processo criativo e a arriscar escrever sobre o que provoca desconcerto, fugindo do consenso e do conforto. Creio que, tanto em “Na Massa do Sangue” como em “Os Dentes do Tejo”, existe esse atrevimento de contar histórias de forma desconcertante e que arrancam ao leitor gargalhadas e lágrimas em páginas desencontradas.

Já confessou que está a ganhar coragem para iniciar o quarto romance. Pode levantar um pouco o véu sobre o que poderá vir a seguir?

Não posso, é muito cedo ainda para poder adiantar seja o que for. Eu própria não faço ideia do que virá a seguir.

Um título para o livro da sua vida? 

“O Jogo da Cabra Cega”.

Viagem de eleição? 

A que farei no futuro.

Música que a acompanha? 

“Ain’t Got No, I Got Life”, de Nina Simone.

Quais os seus hobbies preferidos? 

Não posso viver, nem um só dia, sem ler.

Se pudesse alterar um facto da História, qual escolheria? 

A eleição de Trump a 5 de Novembro de 2024, porque a sua presença na Casa Branca é uma nuvem tóxica que ameaça a democracia em todo o mundo, incluindo em Portugal.

Se um dia tivesse de entrar num filme, que género preferiria? 

A comédia dramática, porque sou ridícula e profunda, em dias alternados.

O que mais aprecia nas pessoas? 

A bondade pode ser verdadeiramente revolucionária. 

O que mais detesta nelas? 

A inveja mesquinha. Se é para se ter inveja que se tenha, mas de alguém que seja um grande ser humano. 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Leia também...

“Onde andam os medicamentos dos Portugueses?”

Cada vez é mais comum não se conseguir dispensar à primeira as…

Afonso Carvalho explora novos caminhos com CASANOVA

Afonso Carvalho, conhecido pela sua ligação aos The Happy Mess, surpreende com…

“Se não quisermos mudar, somos as melhores pessoas para mentir a nós próprios”

Rúben António Silva Marques nasceu em Louriceira, Alcanena em 1994. Formou-se em…

“Não vamos deixar ninguém sem socorro”

A Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Santarém (BVS) foi fundada em…