Na passada segunda-feira, dia 23 de Dezembro, faleceu vítima de doença prolongada o sempre lembrado bandarilheiro José Dias “Tinoca”, que foi um dos mais competentes da sua geração, tendo-se destacado na saudosa “Quadrilha Maravilha”, que serviu às ordens do categorizado matador Manuel dos Santos.
Para além de ter sido um toureiro de eleição, José Tinoca, como era habitualmente tratado, era um Homem íntegro, trabalhador, generoso que para sempre lembraremos como um Bom Amigo. Tivemos o privilégio de partilhar excelentes momentos consigo, tanto em circunstâncias taurinas como no seu quotidiano dedicado à agricultura.
José Tinoca foi um Homem de grande carácter, amigo do seu amigo e sempre preocupado com o bem-estar de todos. Foi um Homem bom! Nascido num ambiente rural, Tinoca cedo se dedicou ao trabalho na agricultura, após uma passagem por uma oficina de sapateiro, enquanto despertava para a tauromaquia, movido pelo ambiente taurino da sua aldeia natal, Reguengo de Alviela, que lhe haveria de estimular o gosto pelo toureio, começando a aprender esta arte com Francisco Gonçalves, de Azinhaga do Ribatejo. Este foi o Mestre que o iniciou nos primeiros passos, mas a dificuldade de frequentar tentaderos constituía o maior óbice à satisfação da sua paixão pelo toureio.
Sabendo da existência da Escola de Toureio da Golegã – onde tinham aprendido, entre outros, Manuel dos Santos e seu primo António dos Santos, que alcançaram o sonho de ser matadores de toiros – pediu a Manuel Barbosa, um amigo do Pombalinho, que o apresentasse a Mestre Patrício Cecílio. Foi assim que José Tinoca começou a treinar na Golegã, para onde se deslocava de bicicleta, percorrendo cerca de trinta quilómetros, na ida e no regresso, alimentando sempre o sonho de singrar no toureio.
Por sugestão de Mestre Patrício Cecílio optou por tirar a alternativa de bandarilheiro (Algés, 15 de Maio de 1955), seguindo, assim, as pisadas de Manuel dos Santos. Teve a sorte, que o seu mérito veio a justificar, de tourear com muita assiduidade, nomeadamente na quadrilha de José Júlio, que integrou durante cinco temporadas, e coadjuvando os matadores espanhóis que actuavam nas praças de toiros da região, o que lhe permitiu valorizar-se muito do ponto de vista técnico.
Na temporada de 1960 José Tinoca foi convidado por Manuel dos Santos para integrar a sua quadrilha, juntando-se-lhe em Fevereiro desse ano no México. Debutou em Acapulco e durante quatro meses e meio percorreu praticamente toda a geografia taurina azteca ao serviço de Manuel dos Santos, famoso matador de toiros que era idolatrado pela afición deste grande país que tanto vibrava com os seus frequentes triunfos. Em Agosto e Setembro desse ano Manuel dos Santos cumpriu diversos contratos em Portugal, onde igualmente triunfou, após o que regressou ao México, levando consigo José Tinoca, que, entretanto, se tornara muito mais competente na sua função, sobretudo com os ensinamentos que o consagrado matador lhe transmitia.
Nos anos seguintes prosseguiu campanha no México, na Colômbia, na Venezuela e na Guatemala, onde prosseguiu a senda dos grandes triunfos, o que permitiu uma maior projecção do grande matador português. Numa destas corridas, em Ciudad Juárez, José Tinoca foi colhido num corajoso quite a corpo limpo salvando Manuel dos Santos de uma cornada fatal, gesto que definiu com eloquência o espírito de sacrifício e a abnegação deste grande bandarilheiro e homem superior na protecção ao matador a cujas ordens actuava. A imprensa mexicana deu amplo e justo destaque a este gesto tão digno e excepcional, testemunhando também a gratidão do matador pelo seu peão de confiança.
Regressados da América, José Tinoca coadjuvou Manuel dos Santos até à sua definitiva retirada, actuando em Portugal, em Moçambique, nos Açores, em Macau e na Indonésia.
Neste tempo os bandarilheiros que coadjuvavam Manuel dos Santos eram dos mais qualificados, técnica e artisticamente, que estavam no activo o que levou a que ficassem conhecidos como “Quadrilha Maravilha” – José Tinoca, Manuel Barreto e Manuel Cipriano “Badajoz”. Para todo o sempre lembramos estes três grandes toureiros que tanto dignificaram a sua classe profissional e engrandeceram a arte tauromáquica no mundo.
Após o infausto falecimento de Manuel dos Santos (18/02/1973), vítima de trágico acidente de viação, José Tinoca prosseguiu a sua actividade de bandarilheiro às ordens de Ricardo Chibanga, jovem diestro moçambicano que cedo integrou a Escola de Toureio da Golegã, onde José Tinoca e Manuel Barreto tanto colaboraram na sua formação. Ao serviço de Ricardo Chibanga, já como matador de toiros, José Tinoca actuou nas principais praças portuguesas e de Espanha, França e Moçambique, cumprindo sempre as suas funções com a maior dignidade, valor e competência.
José Tinoca, que durante alguns anos colaborou com Manuel dos Santos quando este inolvidável empresário geriu os destinos do Campo Pequeno, e também esteve muito próximo de Celestino Graça na organização das corridas de toiros da Praça de Santarém, mais tarde integrou a Comissão Organizadora das Corridas de Toiros da Monumental “Celestino Graça”, onde colocou tão generosamente os seus conhecimentos ao serviço da Festa Brava e da solidariedade social.
No período após o 25 de Abril, quando muitas ganadarias portuguesas foram ocupadas no âmbito da Reforma Agrária, a acção de José Tinoca foi determinante para salvar do abate indigno largas centenas de toiros de lide, conseguindo dialogar com as Cooperativas no sentido de autorizarem a lide dos toiros, alugando a bravura, como então se dizia.
Quando o toureio a pé em Portugal começou a perder alguma da sua projecção, José Tinoca passou a integrar algumas quadrilhas de cavaleiros, embora nunca deixasse de actuar ao serviço dos toureiros espanhóis ou mexicanos que actuavam no nosso país, nomeadamente em Santarém, como foram os casos de António Ordoñez, “Chicuelo II”, Miguel Báez “Litri” (pai e filho), Paco Camino e seu filho Rafi Camino, Francisco Rivera “Paquirri”, Diego Puerta, Paco Ojeda, Luís Francisco Esplá, Andrés Vásquez, Pedro Moya “Niño de la Capea”, Ruiz Miguel, José Mari Manzanares, entre outros.
Na última fase da sua trajectória profissional cumpre destacar a dedicação de José Tinoca ao cavaleiro Rui Salvador, cuja quadrilha integrou durante diversas temporadas, sempre em plano de senhorio, transmitindo-lhe os elevados conhecimentos e a experiência que detinha e dispensando-lhe um respeito e uma admiração inabaláveis.
Após a despedida de bandarilheiro profissional, assinalada em Santarém, no memorável dia 11 de Outubro de 1992, ao lado do seu amigo e companheiro de tantas jornadas Manuel Badajoz, José Tinoca ainda exerceu durante alguns anos as funções de Director de Corrida, de que se desincumbiu sempre com elevada competência e muita ponderação. Enquanto a saúde o permitiu, José Tinoca continuou a sua actividade agrícola, onde também evidenciou sempre bastos conhecimentos e dinamismo.
Agora, de forma tão inesperada chegou ao fim da sua honrada vida, deixando mais pobres os seus muitos amigos, que sempre tiveram por si um respeito e uma amizade sem limites.
Apresentamos à Família enlutada, em especial aos seus três filhos e netos, a expressão das mais sentidas condolências. Que descanse em Paz!