É numa quinta nos arredores de Santarém que existe uma das escassas respostas no distrito de Santarém para pessoas com doença mental que, depois do tratamento hospitalar, precisam de ajuda para recuperar.
A unidade socio-ocupacional criada em 2005 – num espaço cedido gratuitamente por um grupo de profissionais da área da saúde e por familiares de doentes que se constituíram numa associação, a FARPA – Associação Familiares e Amigos do Doente Psicótico – é manifestamente insuficiente para as necessidades. Com capacidade para acolher 10 pessoas, conseguir responder a todas as solicitações seria o concretizar de um sonho. Recentemente, o Município de Santarém assinou o protocolo com a Associação para a cedência de instalações na Av. António Maria Batista, o que irá potenciar o alargamento das respostas.
Num estudo recente realizado pelas Plataformas Supraconcelhias da Lezíria e do Médio Tejo, cuja equipa a Farpa integrou, concluiu-se que as duas sub-regiões, com uma população de perto de meio milhão de habitantes, apresentam um número crescente de casos diagnosticados de doença mental e uma enorme falta de serviços que evitem os reinternamentos e permitam a reabilitação.
Henrique Batista Lopes, director técnico da instituição, destaca a grande “generosidade” da comunidade, não só pela cedência gratuita do espaço, como pelas parcerias que têm permitido multiplicar e alargar o âmbito das atividades proporcionadas e envolver a equipa e os doentes em acções de voluntariado em que “todos vestem a mesma camisola” e trabalham lado a lado.
Essa é parte de outra tarefa assumida pela Farpa, a de “partir a pedra enorme que é o estigma associado à doença psiquiátrica”, sublinhou.
E, nessa tarefa, os técnicos multiplicam-se em idas às escolas e a dar palestras na comunidade, recebem estagiários, lançam campanhas e concursos, realizam espectáculos, respondem positivamente a todos os convites, envolvendo doentes e famílias.
Qual é a missão e os objectivos principais da FARPA – Associação Familiares e Amigos do Doente Psicótico?
O principal objectivo é a recuperação psicossocial de pessoas com doença mental. Existem vários eixos, entre os quais promovera saúde, a reinserção na comunidade, e objectivos sociais da própria pessoa que passam por esta voltar a sentir-se bem consigo própria.
Há quanto tempo está ligado ao projecto e como tem sido esta experiência?
Em 2020, iniciei funções na Associação A FARPA enquanto Assistente Social e no projeto InclusivaMente, onde adquiri experiência no acompanhamento psicossocial de pessoas portadoras de perturbações psiquiátricas, bem como a actuação nas diferentes diligências e acções necessárias
para o êxito de cada projecto individual de recuperação, sempre em articulação com os mais diversos parceiros na comunidade
Já este ano, assumi o cargo de director técnico da A FARPA, ficando encarregue da gestão de recursos humanos da instituição e da gestão organizacional da mesma.
Tem sido um desafio: nunca tinha trabalhado na área da saúde mental e ainda há muita coisa a ser trabalhada, principalmente ao nível dos apoios. Aqui, temos muito a fazer ainda, existem poucas respostas. Em Santarém, em termos de respostas para pessoas com doença mental, existe a Inserir, do HDS, mas durante muitos anos a FARPA foi a única resposta do distrito.
Qual a capacidade actual desta unidade?
O Fórum Sócio Ocupacional tem 10 vagas comparticipadas pela Segurança Social. Na eventualidade de sabermos de alguém que necessita da nossa ajuda, podemos atribuir vagas supranumerárias que não são comparticipadas pela SS, mas não podemos exceder muito porque as nossas instalações têm limitações.
Qual é a dinâmica do Fórum Sócio Ocupacional?
Funciona de segunda a sexta, das 9h as 16h30, com uma equipa multidisciplinar composta por um assistente social, psicóloga e animadora socio cultural. Focamo-nos nos denominados PIR (Processos individual de reabilitação), sempre em articulação estreita com o utente, a equipa técnica e as famílias.
Temos as nossas actividades e, tal como o nome indica é um Fórum Sócio Ocupacional e tem as actividades que promovem a reabilitação da pessoa. Temos várias com parceiros no exterior, actividades físicas, de estimulação cognitiva e artísticas. Temos a nossa dinâmica de avaliação semestral, para saber se o processo está a funcionar ou não.
Existe um protocolo firmado com o Município para novas instalações que serão, certamente, uma mais-valia para a instituição…
Sim, sem dúvida. Não só para a associação, mas para a cidade em si e para a região, que carece deste tipo de estruturas.
Neste momento, quais são os principais desafios que a FARPA enfrenta?
Diria que mudar de instalações é prioritário. A proximidade à cidade iria dar a liberdade de garantir mais parcerias, ter mais visibilidade, de podermos alargar o nosso trabalho a mais pessoas.
Temos que, obviamente, agradecer aos donos da quinta por nos terem cedido o espaço, sem eles não existiria a FARPA. Mas as instalações começam a tornar-se exíguas…
Não nos permitem inovar como seria necessário nem evoluir enquanto instituição. Não somos proprietários do espaço, e, por isso, estamos limitados em termos de dimensões e de localização.
A FARPA desenvolve vários programas para a sensibilização da saúde mental. Quais destacaria?
Faz agora um ano que criámos aquela que é, para mim, a melhor campanha de luta contra o estigma, que foi a nossa experiência sensorial, que designamos “Vi(r) ver a doença mental”. Tal como o nome indica é experienciar aquilo que é uma doença mental. É uma doença que não é vista a olho nu. As pessoas não têm noção do que é… só quem vive é que sabe. Vamos na rua e conseguimos ver que alguém está mal disposto, mas não conseguimos ver que uma pessoa é portadora de uma doença mental.
E nada melhor do que mostrar realmente as pessoas como é viver com esta doença. Os visitantes do espaço são convidados a ouvir o conteúdo de alucinações auditivas, ou do que se pensa que são, e ao mesmo tempo a que cumpram tarefas, para teremnoção de “como é que se consegue funcionar” quando estão outras coisas a acontecer na cabeça.
Essa é uma aposta ganha, que vai voltar a estar activa no W Shopping de 10 a 13 de Outubro, nas comemorações do dia mundial da saúde mental, em colaboração com o Município de Santarém e a Reinserir.
Destaco também o projecto “Inclusivamente”, que se focou na criação de uma resposta social inclusiva ao doente psicótico e por inerência aos seus cuidadores. Combater o isolamento de um grupo estigmatizado pela sociedade e pela comunidade é o desígnio deste Projeto, que de forma integrada e numa ação também ela de prevenção, contribui para o bem-estar do estado de saúde destes doentes, o que possui um impacto social incomensurável.
O “Inclusivamente” foi, sem sombra de dúvidas, um dos grandes marcos da instituição. Foi o primeiro grande projecto aprovado pela instituição e conseguimos levar aquilo que fazemos com 10 pessoas, diariamente, a 151 em oito concelhos do distrito.
Foram 1854 intervenções realizadas, três anos de projecto: foi algo que permitiu à FARPA crescer e permitiu ajudar muitas pessoas.
Nestes três anos de projecto que realidade é que contactaram? A saúde mental é realmente uma problemática muito presente?
Sim, sem qualquer dúvida. A pandemia trouxe, até para as faixas etárias mais novas, uma nova preocupação de falar sobre saúde mental. O que é positivo. O “Inclusivamente” aparece em plena pandemia, e foi ao encontro não só das pessoas com doença mental, mas também das que estavam em sofrimento psicológico, o que poderia espoletar uma doença mental.
Quais os projectos futuros da FARPA?
A curto prazo, o principal é a mudança de instalações. A longo prazo, queremos crescer enquanto instituição, agarrar nos projectos, alargar a equipa técnica, as nossas comparticipações da Segurança Social e poder acolher mais pessoas.
Por semana, recebemos cerca de três pedidos de ajuda, e não conseguimos responder a todos, infelizmente, porque não há capacidade para abranger tantas pessoas nas nossas instalações. Com a experiência ganha no “Inclusivamente” podemo-nos “mandar de caras” para outros projectos.
Queremos alargar também a resposta do Fórum que já está em funcionamento desde 2005.
Na sua experiência acha que a problemática da saúde mental ainda é estigmatizada?
Não sinto que seja estigmatizado o facto de se ter a doença, mas sim a terapêutica. O tomar o comprimido, o ir ao psiquiatra, isso, sinto que sim.
Uma pessoa pode assumir que tem problemas de ansiedade, ou que teve uma depressão, eventualmente, até uma bipolaridade ou outro tipo de patologia, mas ainda é um pouco estigmatizado o tratamento. Ir ao psiquiatra, ser acompanhado em consultas de psicologia, tomar comprimidos diariamente.
Se nos dirigirmos às urgências do Hospital de Santarém com uma dor de barriga e tivermos que tomar um complemento gástrico durante duas semanas não há qualquer tipo de problema, se formos sair com amigos e não pudermos beber por causa disso não é malvisto. Mas se dissermos que andamos com sintomas depressivos e precisamos de tomar um antidepressivo durante um mês, ainda há um certo estigma associado.
O cérebro é um órgão igual a outros: épreciso desmistificar que os problemas de saúde mental são problemas mais graves que outros. Têm que ser levados a sério, obviamente, mas não podemos continuar a estigmatizar.
Como é que a associação está integrada na comunidade?
Eu sou de cá [Santarém]. Nascido e criado. Eu penso que a associação é bem vista na cidade, no entanto, o facto de estarmos ‘atrás’ do CNEMA um pouco afastados do centro da cidade acaba por fazer com que as pessoas não se lembrem diariamente de nós. Não nos podemos também comparar com outras instituições que têm mais do que um veículo, nos somos pequenos, temos uma carrinha, e estamos fora do centro da cidade. Mas, no geral, somos respeitados e vistos como um parceiro válido.
Filipe Mendes