Custa-me abordar um tema já tão repisado pela comunicação social, mas não resisto a voltar aos acontecimentos e circunstâncias que rodearam o tratamento de 4 milhões de euros no chamado caso das gémeas luso-brasileiras.
O ruído mediático à volta do ocorrido fez com que Portugal inteiro ficasse com a sensação, senão mesmo “convencido”, de que o Presidente da República saiu “fragilizado” porque terá mesmo tido responsabilidades na “cunha” supostamente metida ao mais alto nível para que aquelas gémeas passassem à frente de outros pacientes residentes em Portugal.
Mas vejamos.
Primeiro ponto: o Presidente da República não é responsável pelos atos ou iniciativas do seu filho – um cidadão português com mais de 50 anos que vive no Brasil e é, nomeadamente, Presidente da Câmara Portuguesa de Comércio em São Paulo.
Segundo ponto: O Professor Marcelo Rebelo de Sousa limitou-se a despachar o expediente recebido (e-mail) para o seu Chefe da Casa Civil, a fim de que o mesmo recebesse um tratamento igual a toda e qualquer exposição, queixa ou requerimento que entram nos serviços da Presidência.
Não fez, aliás, mais do que a sua obrigação, já que mandam as regras – nomeadamente o disposto no n.º 1 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, na sua atual redação – que tem de haver sempre uma resposta a toda e qualquer pretensão apresentada nos serviços públicos.
Trata-se aliás duma decorrência das normas de modernização administrativa, tão em voga.
Entretanto, o assunto foi corretamente encaminhado para o Governo, órgão de soberania competente na matéria, porquanto exerce o poder executivo no topo da Administração Pública.
Também aqui, a Casa Civil do Presidente da República agiu conforme o quadro legal aplicável, quanto mais não fosse por analogia com o que é regulado nos Tribunais e na Administração Pública portuguesa.
Vd. a título meramente exemplificativo os artigos 41.º do Código do Procedimento administrativo (Apresentação de requerimento a órgão incompetente), 12.º do DL n.º 135/99, de 22 de abril (Encaminhamento de utentes e correspondência) e 14.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de janeiro (Petição a Tribunal incompetente).
Terceiro ponto: contrariando as habituais faltas de explicação por parte de muitos governantes e responsáveis, o Presidente resolveu apresentar com todo o detalhe a sua parca intervenção num processo relativamente ao qual não tem qualquer competência decisória.
Curiosamente, o assunto até foi encaminhado com uma espécie de parecer negativo por parte dos serviços da presidência quanto à viabilidade de o assunto ser tratado com sucesso, ou seja, de as gémeas terem efetivo direito ao tratamento em questão.
E ainda assim, o Presidente foi criticado.
O ruído mediático tem destas coisas: por mais que se explique algo de tão evidente com detalhe, os factos, ainda assim, acabam por esbarrar nos juízos de valor e perceções enviesadas.
Nota da Redacção:
O texto do nosso colunista Dr. Pedro Carvalho, publicado na edição impressa de 12 de Janeiro de 2024, não é de sua autoria. Um erro de paginação colocou nessa coluna, que o mesmo assina quinzenalmente, o texto de outro colunista deste Jornal – Ricardo Segurado – pelo que apresentamos a ambos e aos nossos leitores um pedido de desculpa. O texto acima é o correcto e o que deveria ter sido impresso na edição de 12 de Janeiro.