No coração de Santarém pulsa uma obra que há cem anos transforma vidas e semeia esperança. A Fundação Luiza Andaluz, nascida do sonho e da determinação de uma mulher extraordinária, celebra um século de existência, mantendo viva a chama do amor ao próximo e do cuidado pelos mais vulneráveis.
“É uma casa muito, muito acarinhada pelo povo de Santarém. É uma casa que vive do amor, do carinho e da providência e do cuidado das pessoas”, afirma a Irmã Fernanda, tesoureira da direcção da Fundação Luiza Andaluz, resumindo em poucas palavras o que tem sido o segredo da longevidade e do impacto desta obra centenária. Uma obra que, como ela própria sublinha, “ininterruptamente, ao longo destes 100 anos, tem vindo a ser desenvolvida, mantida e adequada a cada tempo pela congregação que ela [Luiza Andaluz] fundou, as Servas de Nossa Senhora de Fátima”.
A Mentora e a Sua Visão: Luiza Andaluz
Para compreender a Fundação, é necessário conhecer a sua fundadora. Luiza Andaluz nasceu em Santarém, em 1877, numa família aristocrata. “O pai era governador da cidade de Santarém”, conta a Irmã Fernanda, explicando as origens privilegiadas desta mulher que dedicaria a sua vida aos mais necessitados. “Ela foi uma mulher educada em valores, educada no sentido da vida, no sentido do bem, no sentido da ajuda ao próximo e de um grande sentido de Deus. E isto não pode ser descurado porque ela era uma família cristã.”
Esta formação sólida em valores cristãos e humanistas seria determinante para o seu percurso de vida e para a obra que viria a fundar. Desde jovem, Luiza Andaluz mostrou-se sensível às necessidades dos mais vulneráveis, especialmente das crianças. Aos 14 anos, já trabalhava com crianças no Convento das Capuchas, demonstrando uma vocação precoce para o serviço social.
O contexto histórico em que viveu foi marcado por grandes transformações políticas e sociais em Portugal. A implantação da República, em 1910, trouxe consigo medidas anticlericais, incluindo a nacionalização de propriedades da Igreja. O Convento das Capuchas, que viria a ser a sede da Fundação, foi um dos edifícios tomados pelos republicanos.
O Nascimento da Congregação e da Fundação
Em 1923, em pleno período republicano, Luiza Andaluz deu um passo decisivo na concretização da sua vocação. “Em 1923, estando nós nesta plena Convolução da República, ela se organiza com umas senhoras e funda a Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima na sua própria casa”, relata a Irmã Fernanda.
No ano seguinte, em 1924, deu-se outro marco fundamental: a aquisição do Convento das Capuchas, que se tornaria a sede da Fundação. “Em 1924, consegue adquirir, por 60 contos, este convento no qual implanta aqui a Fundação Luíza Andaluz, na altura, Asilo Creche Nossa Senhora dos Inocentes, uma casa para acolhimento de crianças desfavorecidas, pobres, órfãos”, explica a Irmã Fernanda.
Um Século de Serviço
Ao longo dos seus cem anos de existência, a Fundação Luiza Andaluz manteve-se fiel à sua missão original de acolher e cuidar de crianças em situação de vulnerabilidade, mas soube adaptar-se às mudanças sociais e às novas necessidades.
Uma das transformações mais significativas diz respeito ao perfil das crianças acolhidas. Como explica a Irmã Fernanda, “se no princípio tratávamos de pobreza, de orfandade, de carência, neste momento tratamos de situações de risco e de perigo das próprias crianças. São públicos distintos, apesar de serem crianças, mas as razões que eles trouxeram aqui são distintas, por isso também o tipo de intervenção é bastante diferente.”
Outra mudança importante refere-se à equipa que cuida das crianças. “A grande mudança é que não são só as irmãs que estão a cuidar destas crianças, mas sim um grande grupo de profissionais que tem a seu cargo a educação desta grande família”, refere a Irmã Fernanda.
Actualmente, a Fundação oferece acolhimento residencial para meninas de 8 a 18 anos, com um foco em ensinar regras, promover o estudo e abordar carências de valores, não apenas económicas. O objectivo é fornecer ferramentas para a vida, com projectos individuais que visam a reintegração familiar ou uma vida autónoma.
A Providência como Sustento
Um dos aspectos mais marcantes da história da Fundação Luiza Andaluz é a forma como tem conseguido sobreviver e desenvolver-se, apesar das dificuldades financeiras. Como relata a Irmã Fernanda, citando a própria Luiza Andaluz, “esta casa nunca teve dinheiro, mas também nunca lhe faltou.”
Esta confiança na Providência, manifestada através da generosidade das pessoas, tem sido uma constante ao longo dos cem anos da instituição. “Ela, uma mulher de fé, uma mulher de coração centrada em Deus e muito atento às pessoas, nunca deixou de fazer o que tinha que fazer, mesmo não tendo. Porque se sentia que isto era o que devia de ser feito”, explica a Irmã Fernanda.
Esta atitude de confiança e perseverança continua a inspirar a actual direcção da Fundação. “Daí que continuamos a viver da providência, do cuidado, da ajuda de todos, continuamos a receber quase de forma milagrosa.”
O Papel da Comunicação Social: Uma Parceria Histórica
A relação da Fundação Luiza Andaluz com a comunicação social, e em particular com o Correio do Ribatejo, tem raízes históricas. Um episódio marcante desta relação é relatado pela Irmã Fernanda: “Luíza relatava que um dos tectos dos claustros, no corredor das celas, caiu e se mobilizou logo aí o Correio de Ribatejo para fazer este anúncio de angariação de fundos para que as obras se realizassem.”
Esta colaboração foi especialmente importante nos primeiros anos após a aquisição do convento, que se encontrava em mau estado de conservação. A própria Luiza Andaluz reconhecia a importância da comunicação social para a divulgação da sua obra e para a mobilização de apoios. “Ela tem muito respeito pelos jornais, e pela rádio, porque ela era uma mulher que estava informada”.
O Centro de Conhecimento Luiza Andaluz: Um Novo Capítulo
Um dos desenvolvimentos mais recentes na história da Fundação é a criação do Centro de Conhecimento Luiza Andaluz, inaugurado em 2024. Esta iniciativa representa uma expansão da visão original de Luiza Andaluz, adaptada aos desafios e oportunidades do século XXI.
Como explica a Irmã Fernanda, “Luíza Andaluz é uma mulher empreendedora, uma mulher de vistas largas, uma mulher que, por ser tão tomada nesta relação com Deus, que a leva a um Deus que está próximo da humanidade, que ama, ela encontra formas de estar presente nas diversas realidades.”
O Centro de Conhecimento surge como uma resposta a esta visão abrangente e inclusiva. “Este centro de conhecimento Luíza Andaluz é criar espaços que as pessoas, de diversos quadrantes, de diversas áreas, se possam juntar, possam partilhar, possam estar, possam conviver e que, daí, também se vá aproximando da razão mais funda da nossa existência.”
Este centro opera em três polos, incluindo o Convento das Capuchas, dedicado à educação, e explora a vida e os escritos de Luiza Andaluz, conectando espiritualidade e transformação social. Além disso, promove actividades culturais, como exposições de presépios, contribuindo para o enriquecimento cultural da comunidade.
Sonhos e Desafios para o Futuro
Ao completar cem anos de existência, a Fundação Luiza Andaluz enfrenta novos desafios, mas mantém viva a esperança e a capacidade de sonhar com um futuro melhor para as crianças que acolhe.
Como reconhece a Irmã Fernanda, “continuamos a sonhar. De vez em quando a esperança se esvai, porque as exigências são tão grandes”.
Mas a confiança no valor e na importância do trabalho desenvolvido é a fonte de esperança que alimenta os sonhos para o futuro. “Temos esperança porque acreditamos no projecto que desenvolvemos nesta casa. Acreditamos na raiz de amor que temos, no olhar de cada criança, de cada pessoa.”
Um desafio importante é o desenvolvimento de respostas adequadas às necessidades específicas das crianças acolhidas, que apresentam frequentemente problemas emocionais e psicológicos complexos. “Temos esperança de que vamos conseguir, no tempo presente, uma resposta adequada a realidades que são tão sofridas, concretamente os distúrbios na infância e os distúrbios psíquicos, afectivos, emocionais.”
O sonho último da Fundação continua a ser o mesmo que inspirou Luiza Andaluz há cem anos: contribuir para um mundo melhor, mais justo e mais humano. “E o nosso sonho, neste momento, é continuar a criar formas de sarar feridas e poder contribuir para que estas crianças sejam crianças e adultos felizes. E que possam continuar a contribuir para um mundo de paz.”
Ao celebrar o seu centenário, a Fundação Luiza Andaluz reafirma assim o seu compromisso com os valores que a inspiraram desde o início: o amor ao próximo, a atenção aos mais vulneráveis e a confiança na capacidade humana de construir um mundo melhor. Um legado que, cem anos depois, continua vivo e actuante, transformando vidas e semeando esperança no coração de Santarém.