No âmbito do Festival Celestino Graça – A Festa das Artes e das Tradições Populares do Mundo, que terminou no domingo, dia 7 de Setembro, em Santarém, teve lugar a edição Zero do Festival do Petisco Ribatejano, ideia concebida em boa hora pelo cozinheiro escalabitano César Piedade.

Esta circunstância e o facto de nos aproximarmos a passos largos de mais uma edição do Festival Nacional de Gastronomia, suscita-nos alguma reflexão sobre o tema, na esteira do que aqui temos escrito ao longo dos anos.

Quando se idealizou o Festival Nacional de Gastronomia, já lá vão mais de quarenta anos, ponderou-se a representação das diversas Regiões de Turismo existentes no nosso país, as quais tinham o seu respectivo dia na programação do evento, através da participação de um bom restaurante da região e da animação de âmbito regional. Complementarmente aos opíparos banquetes servidos no Salão da Casa do Campino, abertos ao público em geral, mas mais vocacionados para o protocolo político, corporativo e mediático, ainda pugnavam pela presença de uma tasquinha, onde era possível degustar as iguarias gastronómicas da região, e da representação de algum artesão.

Nessa época assentavam arraiais em Santarém prestigiados jornalistas que faziam a cobertura diária do certame e todos os canais televisivos faziam abundantes reportagens a partir de Santarém. A nossa cidade e o turismo nacional estavam quase duas semanas na crista da onda mediática!

Para os responsáveis pela promoção turística das diversas Regiões estar presente no Festival Nacional de Gastronomia era um excelente investimento, pois o valor despendido com esta representação era bem compensado pelo retorno mediático e pela notoriedade que, assim, estas regiões atingiam. Porém, não há mal que não acabe, nem bem que sempre dure…

A reforma administrativa do Turismo nacional vem ocorrendo desde 2008, mas foi, sobretudo, em 2013 que a Lei 33/2013, de 16 de Maio, estabeleceu o regime jurídico das áreas regionais de turismo de Portugal continental, a sua delimitação e características, bem como o regime jurídico da organização e funcionamento das entidades regionais de turismo (ERT).

Para efeitos de organização do planeamento turístico para Portugal continental foram consideradas cinco áreas regionais de turismo, as quais incluem toda a região abrangida por cada uma das respectivas cinco unidades que constituem o nível II da Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS II), e em cada uma das Áreas Regionais de Turismo definidas foi criada uma Entidade Regional de Turismo, que funciona como entidade gestora, à qual cabe exercer as competências definidas na legislação então produzida e aquelas que estão definidas nos estatutos ou regulamentos internos e, ainda, as que resultam de contrato ou protocolo a celebrar com o Turismo de Portugal, I. P., ou com outras entidades públicas competentes em razão da matéria.

A extinta Região de Turismo do Ribatejo foi integrada inicialmente na Entidade Regional de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo, onde pontificavam compreensivelmente Lisboa e os concelhos da Área Metropolitana; mais tarde foi transferida para a Entidade Regional de Turismo do Alentejo, onde ainda permanece como um apêndice, por muito que os actuais gestores digam o contrário. Em todo este processo cabe referir uma lamentável inoperância por parte dos autarcas ribatejanos, que sempre contemporizaram com a situação de subalternidade como fomos tratados.

Todas estas alterações administrativas na área do turismo tiveram natural reflexo na organização do Festival Nacional de Gastronomia, que, assim, perdeu relevância como fórum especializado no sector turístico e foi perdendo, igualmente, notoriedade pública, expressa na redução significativa do número de visitantes em cada ano. 

Teria sido possível evitar uma perda de importância tão notória se a Câmara Municipal de Santarém apostasse na afirmação de um novo formato, mais consentâneo com a nova conjuntura, no entanto, algum desinteresse político ou alguma inépcia por parte dos responsáveis pela realização deste evento, ditaram o seu progressivo apagamento, o que se lamenta.

Oxalá que haja capacidade e empenho para reverter a projecção do Festival, o certame mais importante que se realiza em Santarém depois da Feira do Ribatejo / Feira Nacional de Agricultura, o que exigirá uma profunda reflexão sobre o âmbito e a escala do próprio evento.

Muito boa gente associa esta realização, e este tema, apenas à comezaina, como sendo uma manifestação mais dirigida aos bons garfos do que aos apreciadores da cultura tradicional. Em boa verdade, não poderemos discordar plenamente, porque um bom gastrónomo deverá ser também um bom comensal, não do tipo de quem come de tudo, mas de quem aprecia comer e, sobretudo, saber comer.

A gastronomia de uma qualquer região está directamente relacionada com o padrão sociocultural da respectiva comunidade e depende, em grande medida, daquilo que a natureza proporciona. Antigamente não era fácil adquirir bens e condimentos para uma cozinha de subsistência, pois, era um tempo muito pobre e, por isso, se deitava mão àquilo que a generosa natureza oferecia.

Ora, deste modo, a gastronomia ou, se quisermos, a culinária tradicional de cada região, é uma componente importantíssima da respectiva cultura popular, e, foi, assim, que há alguns anos a Gastronomia foi elevada a património nacional, estando cometida à organização do Festival a manutenção deste prestigiante estatuto, pois uma das principais responsabilidades recai exactamente na salvaguarda da Gastronomia nacional.

Neste domínio muito me apraz registar a publicação da Carta Gastronómica do Concelho de Santarém, da autoria de Armando Fernandes e Helena Salvador, com profundo empenho editorial da Confraria da Gastronomia do Ribatejo e de muitos autarcas escalabitanos que promoveram uma intensa recolha junto de muitos habitantes do Concelho, que generosamente partilharam os seus segredos na confecção de tão apreciadas iguarias, algumas das quais tão singelas e pobres, mas verdadeiramente deliciosas.

Perspectiva-se a criação de uma nova NUTS II do Ribatejo e Oeste, que compreenderá a Comunidade Intermunicipal (CIM) do Médio Tejo (Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Sardoal, Sertã, Tomar, Torres Novas, Vila de Rei e Vila Nova da Barquinha), a CIM da Lezíria do Tejo (Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de Magos e Santarém) e a CIM do Oeste (Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras).

Esta nova “região”, constituída por cerca de quarenta municípios, terá uma escala suficiente para aspirar à realização de um excelente Festival de Gastronomia, que faça jus ao estatuto antes alcançado. Apostamos nisso?

Ludgero Mendes

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