Especial 130 anos do Jornal Correio do Ribatejo
O mundo mudou há um ano com a Covid-19. As imagens de doentes Covid pelo mundo multiplicam-se. Uns nos Cuidados Intensivos, outros em repouso. E foram, na maior parte das vezes, os profissionais de saúde que tentaram manter a esperança. Assim, neste Aniversário, o Correio do Ribatejo decidiu prestar a sua homenagem aos Homens e Mulheres da ‘Linha da Frente’ do Hospital de Santarém – desde os assistentes operacionais aos médicos – que trabalharam em condições extremas e se empenharam, todos, em salvar vidas.
Foi no HDS que, oficialmente, a 18 de Março de 2020, foi detectado o primeiro caso de infecção pela Covid-19 no concelho. Um ano volvido, o Hospital informava que estavam “apenas” 12 doentes com covid-19 internados, três dos quais nos cuidados intensivos, e não registava qualquer profissional infectado. O HDS dava ainda nota que, num universo de 1.700 profissionais, já estão vacinados contra a covid-19 1.302, salientando que a ausência de infecções pelo novo coronavírus resulta ainda da “implementação de todos os protocolos e cuidados no sentido de assegurar a segurança dos profissionais e doentes”. Mas, apesar deste cenário mais animador, numa altura em que se começa gradualmente a desconfinar, o HDS continua a apelar à comunidade que continue a manter todos os cuidados e recomendações da DGS.
Em 2020, o HDS registou 9912 atendimentos em Urgência Covid: uma média de 1100 atendimentos mensais nesse ano e 2021 não trouxe um abrandamento de casos. Viveram-se tempos difíceis nos serviços mobilizados para combater este inimigo invisível.
Luís Siopa, director do Serviço de Medicina Interna, confessa que o último ano foi “muito complicado”, uma vez que obrigou os profissionais “a uma grande dedicação, esforço e empenho”.
“Tivemos que sofrer modificações estruturais no serviço, remodelar equipas e tudo isso obrigou a um grande esforço. Destaco aqui a grande capacidade de resiliência de todos”, transmitiu.
Maria Luísa Van Schneider, assistente graduada de medicina interna, é o rosto desta capacidade de resiliência: no pico da ‘segunda vaga’ esteve a trabalhar dois meses nas Urgências, 24 horas, de três em três dias.
“Foi uma altura complicada, com mais de 150 doentes internados. Muita decisão complexa e muitos óbitos”, revela ao Correio do Ribatejo, deixando o desejo que os próximos tempos sejam de acalmia. “Não sei se física e mentalmente estamos preparados para uma terceira vaga”, constata a médica.
A exposição dos profissionais de saúde a “exigências sem precedentes”, como a mortalidade elevada, o racionamento de equipamentos de protecção individual, a pressão, o medo de contágio e dilemas éticos, foram alguns dos pontos comuns que nos foram relatados. Caso de Conceição Gonçalves, assistente operacional nos Cuidados Intensivos Covid no Hospital de Santarém. Assistiu à chegada em catadupa de doentes e viveu “dias complicados”. Mas, também, testemunhou a saída do primeiro doente Covid ventilado dos intensivos, “um dia de grande alegria”, conforme recordou, apontando “uma equipa coesa que tudo fez para ajudar a salvar vidas”.
Para Ana Filipa Mesquita, assistente operacional no Serviço de Urgência Covid, o mês de Janeiro foi “extenuante”. Segundo contou, o mais difícil neste período foi o “deixar a família, o ter medo do que podia levar para casa”. Em muitos casos, ela e as suas colegas foram as últimas a despedirem-se de algumas pessoas que pereceram devido à doença: “momentos muito difíceis de integrar. É preciso ter muita força”.
“Tivemos várias fases ao longo do ano e passámos, sobretudo, por vários processos de adaptação. Temos que tentar servir o utente o melhor possível… se quisermos usar essa linguagem bélica, digamos que estamos a passar por várias batalhas, mas a guerra ainda não está ganha”, refere, por seu turno, o enfermeiro João Nunes, com uma larga experiência em doente crítico e emergente e cuidados intensivos que testemunhou de perto este autêntico “tsunami” de covid-19.
O mesmo sucedeu com Mafalda Santos, médica intensivista, para quem o último ano foi de “trabalho intenso, de constante reorganização de espaços e circuitos”.
“Começámos com seis camas para doentes ventilados e estendemos para 17. Até hoje, recebemos cerca de uma centena de doentes que necessitaram de ventilação. Foram momentos difíceis para toda a equipa que tem passado muitas horas longe dos seus familiares”, relata a clínica.
Para o enfermeiro Miguel, toda esta circunstância gerada pela Covid-19 tem sido um autêntico “desafio”. “Tratou-se de uma situação que foi nova para todos e que exigiu muito de todos nós. Conseguimos levar as coisas a bom-porto porque estivemos sempre muito unidos e coesos, sempre tratando os doentes com a máxima humanização”, assegurou.
Também a assistente operacional Regina Silva recorda um último ano difícil: “Não estávamos preparados para uma situação destas. Tivemos de nos adaptar e de nos unir para ajudar os doentes e trata-los o melhor possível”.
Uma preocupação expressa, também por Paula Chaves, enfermeira há 26 anos nos Cuidados Intensivos: “Não tive medo por mim, mas de ir para casa, de contactar com a minha família. Fizemos os possíveis e os impossíveis, mas conseguimos, com esforço, cuidar dos doentes. Não somos heróis, fazemos aquilo que temos de fazer”.
Um espírito de missão que Susana Narciso, outra assistente operacional, corrobora: “tudo fizemos para que as coisas corressem bem. Houve uma grande entreajuda e isso facilitou o nosso trabalho. Sempre demos o nosso melhor”.
Ana Oliveira, assistente hospitalar de medicina interna está também, desde o início, envolvida na luta contra a pandemia. Foi das primeiras médicas a integrar a enfermaria para tratamento de doentes graves de Covid-19 no HDS.
“Ao longo do ano foram mudando os desafios. O conhecimento aumentou, estávamos mais confortáveis com a doença, conseguimos prever melhor seu agravamento, mas continuamos sem saber como tratá-la de forma eficaz”, refere a clínica, para quem o “maior desafio” veio com a terceira vaga, o facto de o hospital estar “inundado de doentes”.
“A angústia que isso causa também revolta porque, após um ano, parece que não aprendemos. A população parecia não ter aprendido muito com isso e, de repente, estávamos num estado de graça em que nada nos ia tocar. E isso rapidamente se percebeu que não era assim”, recordou, lembrando ainda a angústia de saber que “se calhar não vamos chegar a todos os doentes a tempo”.
“Queria muito que isto não se repetisse. Gostava que todos percebessem a gravidade da situação que ainda está a ser vivida. Não vamos sair tão depressa disto enquanto não tivermos a vacinação de todos. E, mesmo assim, vamos ver como será. É imperativo que se mude e que as pessoas percebam que a realidade não irá ser igual à anterior. Há muita esperança que a vacinação seja, em parte, a resolução do problema, mas as vacinas não o vão resolver totalmente. As pessoas precisam de continuar a ter cuidados e continuar a pensar que não será tão cedo que vamos voltar ao normal”, alerta.
Portugal deu início a um novo passo no processo de desconfinamento, e é nesta altura que o Hospital de Santarém deixa o alerta para que ninguém descure as recomendações da DGS, considerando ser fundamental “ter consciência de que a pandemia não está ainda ultrapassada e apenas com o esforço de todos será possível regressar à normalidade”.
“A nossa missão é, e sempre será, prestar cuidados de saúde de qualidade, acessíveis em tempo oportuno, num quadro de desenvolvimento económico e financeiro sustentável”, escreve Ana Infante, presidente do Conselho de Administração do HDS, acrescentando: “Cumprir tal missão está nas nossas mãos e no empenho que todos teremos diariamente de colocar no que fazemos, não desperdiçando a credibilidade que nos é transmitida pelos nossos utentes quando questionados quanto à qualidade da nossa prestação e dando respostas aos desafios que nos vão sendo colocados”.
“Estamos convictos que os valores positivos que sempre nos nortearam de bem-fazer em prol das populações que servimos e a determinação que nos caracteriza, permitirá continuar a colocar os doentes e utentes deste Hospital na primeira linha das nossas prioridades de acção”, vinca ainda.