Naquele ano de 1915, a sociedade A Voz do Operário era por certo a maior organização da classe trabalhadora em Portugal. E estava a crescer.

O seu jornal saía com uma tiragem semanal de 59 mil exemplares. Seguramente uma das mais elevadas, entre a imprensa portuguesa da época.

Mesmo contando os grandes diários de então, como O Século e o Diário de Notícias.

À frente da redação do jornal estava José Fernandes Alves. Um quadro destacado do antigo Partido Socialista Português. E ele dava um claro cunho marxista à linha editorial. Pois no seu primeiro número de 1915, A Voz do Operário publicou um artigo de João Arruda, o fundador do Correio do Ribatejo.

E fê-lo com grande destaque, na primeira página.

Um republicano “evolucionista”

Embora até tivesse um exemplar de O Capital de Marx, na sua biblioteca pessoal, João Arruda estava muito longe de ser um marxista.

Na altura, ele era militante do partido «Evolucionista», liderado por António José de Almeida. Um partido republicano mais moderado, que estava na oposição ao governo do chamado partido «Democrático», de Afonso Costa. O qual era mais radical no confronto com a Igreja Católica e na repressão do movimento sindical.

Se foi uma pessoa que pensou e agiu sobretudo num horizonte regionalista, João Arruda, tendo acumulado alguns meios de fortuna pessoal, investiu em viagens por alguns países europeus.

O artigo dele que A Voz do Operário publicou reflete essa vivência e conhecimento internacional.

1ª Guerra Mundial

É um texto em que João Arruda recorda uma visita que tinha feito à Bélgica, poucos anos antes. E no qual manifesta a sua admiração por esse pequeno país que agora estava sendo devastado pela 1ª Guerra Mundial. Como outros países europeus, a Bélgica também era uma potência imperialista.

Dominava o que é hoje o segundo maior país africano, a República Democrática do Congo (ex-Zaire). O rei belga Leopoldo II tinha sido ali responsável por uma exploração colonial particularmente sanguinária e genocida.

Mas no contexto europeu, a Bélgica era um pequeno país neutral. Teve o azar de ficar no caminho entre a França e a Alemanha. E foi apanhada na disputa geopolítica entre os dois blocos de grandes potências que lançaram a Europa na guerra.

Para atacar a França, as tropas do monarca alemão, o “kaiser” Guilherme II, invadiram a Bélgica…

Ora, entre os socialistas portugueses da época, e particularmente n’A Voz do Operário, havia uma grande admiração pelo movimento operário belga, nas suas várias vertentes: política, sindical, cooperativa, mutualista…

A Voz do Operário estava a construir a sua sede, inspirada precisamente por um exemplo belga: o grandioso edifício associativo da «Casa do Povo de Bruxelas».

Bélgica em paz…

Eis um pouco do que A Voz do Operário publicou de João Arruda: “Há quatro anos que transpusemos o pequeno país dos belgas. Havia então uma paz fecundíssima, porque uma grande exposição reunia em Bruxelas as manifestações da indústria internacional.

A nação vivia para as grandes lutas do Trabalho, prosperando ao sol glorioso da Civilização que sobredoira os seus grandiosos monumentos de Artes, os seus museus de pintura, as suas vastas oficinas, as suas fábricas rumorejantes, a sua vida intensiva e culta. Bem nos recorda…”

Bélgica em guerra…

“Hoje, a vida de Bruxelas sofreu uma profunda mutação, oprimida pela soldadesca do Kaiser! Milhares de homens de caserna pesam brutalmente sobre a risonha cidade, como uma deprimente grilheta.

Junto dos seus grandes monumentos – […] está suspenso o incêndio, a ruína, a morte. […] Porque um imperador assassino […] ordenou às bárbaras falanges que calcassem impiedosamente esse povo altivo que, tendo manifestado toda a sua pujança nas lutas do trabalho, […] se mostra igualmente homérico na defesa do seu património […].”

João Arruda, “Através da Bélgica – ontem e hoje”, A Voz do Operário, 03/01/1915, pág.1 [originalmente publicado em Correio da Extremadura, 28/11/1914, págs. 1-2].

LUÍS CARVALHO
INVESTIGADOR

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