A 7 de Dezembro de 2017 recebíamos a notícia que menos gostaríamos que nos dessem – tinha morrido o João Moreira. Bem sabemos que a conta dos anos já ia avultada, no entanto o nosso Amigo João Moreira estava razoavelmente bem de saúde, com os achaques próprios da idade e as consequências de uma vida nem sempre fácil e poucas vezes confortável, mas nada faria prever um desfecho, assim, tão de surpresa.
Quase à traição! João Moreira mantinha um espírito pleno de jovialidade e de irreverência e uma cabeça perfeitamente lúcida, o que lhe permitia ir vencendo as vicissitudes com que por vezes se via confrontado e manter uma relação muito próxima com alguns dos seus muitos Amigos.
Tive o privilégio de o ter como uma espécie de “irmão mais velho”, amigo de todas as horas e de todas as circunstâncias, leal conselheiro e eloquente mestre, pelo que lhe co devendo eternamente o favor das suas lições e a gentileza da sua amizade. João Moreira – o “John Morera”, como carinhosamente o tratava, por força da sua imensa trajectória internacional – era, como bem o definiram os antigos Colegas do Liceu de Santarém, em azulejo colocado para a posteridade na casa que foi sua em Vila Nova de S. Pedro, “O Melhor dos Amigos”.
Quem quiser conhecer João Moreira encontra na sua vida e na sua obra um manancial infindo de temas e de situações que retratam a bondade do Homem e a excelência da obra. Hoje e aqui pretendo, essencialmente, falar do Homem do Folclore, que sem ter sido um folclorista prático ou um etnógrafo a tempo inteiro contribuiu de forma notável para a valorização da nossa cultura tradicional e popular, e, especialmente, para o engrandecimento dos festivais de folclore, nacionais e internacionais, área em que foi uma incontornável autoridade.
João Moreira iniciou-se nas andanças do folclore com o seu Amigo Celestino Graça, com quem colaborou de muito perto na organização do Festival Internacional de Folclore de Santarém, no âmbito da Feira do Ribatejo, nas diversas participações nas reuniões do CIOFF – Conseil International des Organizateurs de Festivals de Folklore et d’Arts Traditionelles e na própria actividade dos Grupos Infantil e Académico de Santarém, onde, aliás, chegou a tocar guitarra.
Por esta via passou a contactar amiúde com diversos Amigos folcloristas e músicos, como foram os casos de Augusto Souto Barreiros, Viriato Martins Ferreira, António Gavino, António Cláudio, Bertino Coelho Martins, Joaquim Santana, Margarida Ribeiro, José Maria Marques, Tomás Ribas e Sebastião Mateus Arenque, com quem foi aprendendo muito sobre a nossa cultura tradicional e, em contrapartida, partilhou muita da sua experiência internacional, quer ao nível das diferentes concepções de folclore, quer dos formatos de apresentação em palco e dos modelos de organização de festivais.
Culto, inteligente, atento e perspicaz, João Moreira foi-se embrenhando nesta temática, ao ponto de por sua conta e risco começar a fazer pesquisa etnográfica, sobretudo ao nível de Vila Nova de S. Pedro, terra pela qual sempre nutriu uma especial afeição, extensiva à sua população, ao ponto de ali querer ficar sepultado, na campa rasa onde igualmente repousa seu pai. Como resultado destas pesquisas, conscienciosamente elaboradas e com a minúcia do detalhe, o que era seu apanágio, João Moreira apresentou algumas apreciadas comunicações em diversas edições do Congresso de Folclore do Ribatejo, e, inclusivamente, já com 94 anos de idade, apresentou nas Jornadas sobre o Centenário da Grande Guerra, que decorreram em Montalvo, numa organização do Fórum Ribatejo, uma comunicação sobre “Gente de Vila Nova na Grande Guerra de 1914-1918”.
Em 1977 João Moreira foi convidado para recuperar o Festival Internacional de Folclore de Santarém, que já não se havia realizado no ano anterior, e implementou um conjunto de inovações na sua estrutura organizativa que muito beneficiaram este evento que alcançara imensa projecção a nível internacional, e que, habilmente João Moreira soube potenciar. Amigo de Henri Coursaget, carismático presidente do CIOFF, e de Jean Roche, primeiro representante do CIOFF na Unesco, João Moreira era frequente visita dos mais importantes festivais do mundo, nomeadamente ode Confolens, onde esteve presente em vinte cinco edições, e o de Gannat, onde era tratado como se fosse da casa. João Moreira teve a honra e a alegria de ter sido distinguido com o título de Membro Honorário do CIOFF, honra que até então apenas tinha sido conferida a Henri Coursaget, inesquecível fundador deste movimento mundial.
Com a morte de João Moreira, ocorrida em 7 de Dezembro de 2017, Santarém, o Folclore e o Mundo ficaram mais pobres, posto que este ilustre Cidadão do Mundo, partilhou a sua generosidade por todos quantos se cruzaram na sua vida e a todos sempre quis brindar com a jovialidade do seu trato, a excelência da sua cultura e o espírito de amizade, sem limites nem condições, que sempre soube cultivar.
João Moreira, Presente!
Ludgero Mendes