Os arguidos do processo de Tancos que prestaram hoje declarações complementares no Tribunal de Santarém negaram a existência de qualquer acordo com o principal suspeito do assalto aos paióis do Exército.
A audiência do julgamento, iniciado em 2 de Novembro de 2020, foi retomada hoje na sequência da alteração não substancial de factos comunicada pelo Tribunal Judicial de Santarém no passado dia 6 de Outubro, tendo sido ouvidos, durante a manhã, Vasco Brazão, Bruno Ataíde, José Gonçalves, Pinto da Costa, Lage de Carvalho e Taciano Correia.
O ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar (PJM), Vasco Brazão, assegurou que João Paulino, principal suspeito do assalto aos paióis de Tancos em 28 de Junho de 2017, foi sempre tratado como um informador e que foi informado de que poderia ser chamado a depor nessa qualidade.
“Seria impensável fazer qualquer acordo”, disse, lamentando que a investigação deste processo não tenha analisado a sua personalidade, conduta que exemplificou com o seu papel na investigação do processo dos comandos.
Também Bruno Ataíde, do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé, negou a existência de qualquer acordo para garantir a impunidade de João Paulino, salientando que, nos contactos que mantiveram, este nunca assumiu qualquer envolvimento no assalto, nunca deu informações precisas sobre a localização do armamento nem fez qualquer referência a que as armas se destinavam a venda.
“Apresentava-se sempre como próximo de alguém envolvido”, disse, salientando que João Paulino sabia que a PJM era informada do teor dos encontros e seria a essa polícia que teria de colocar a questão da eventual garantia de impunidade.
Bruno Ataíde afirmou que contactou João Paulino, de quem era amigo pessoal, depois de lhe ser solicitado superiormente que obtivesse informações sobre Paulo Lemos “Fechaduras”, pessoa que disse acreditar que estaria a ser investigada pela PJM.
A possibilidade de Paulino estar envolvido não foi descartada, disse, afirmando que essa hipótese foi várias vezes abordada com a PJM.
Bruno Ataíde afirmou ter acreditado, na altura, que o caso estava a ser investigado “a níveis superiores”, envolvendo várias forças policiais e o próprio Serviço de Informação e Segurança.
Segundo afirmou, só soube que estava a ser investigado pela Polícia Judiciária muito próximo do momento da sua detenção, salientando que nunca ninguém, da própria estrutura da GNR, o questionou sobre o processo de Tancos.
Pinto da Costa, major da PJM, sublinhou que se limitou a obedecer a ordens, afirmando mesmo que foi “um mero taxista”, transportando os elementos da GNR envolvidos na investigação, do Algarve para Pombal, onde se realizavam os encontros com João Paulino.
Sobre a investigação a Paulo Lemos, afirmou ter recebido ordens para não fazer mais diligências porque a investigação estaria a ser feita pela Polícia Judiciária.
A audiência prossegue à tarde com o início das alegações complementares.
No julgamento, com 23 arguidos, estão em causa crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, receptação e detenção de arma proibida.
Além do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, estão também em julgamento o antigo director da Polícia Judiciária Militar (PJM) Luís Vieira e o ex-porta-voz desta instituição militar Vasco Brazão, além de elementos da GNR de Loulé.
Alguns arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais, enquanto outros, entre os quais Azeredo Lopes, que se demitiu do cargo ministerial no seguimento do processo, e os dois elementos da PJM da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.
O furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de Junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material sido feita na região da Chamusca, Santarém, em Outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
Em alegações finais, o Ministério Público pediu a absolvição de 11 dos 23 arguidos, incluindo de Azeredo Lopes, considerando que a conduta do ex-governante se pautou apenas por uma “omissão do ponto de vista ético”, ao não diligenciar no sentido de ser levantado um processo disciplinar aos elementos da Polícia PJM.
Já a pena mais grave – entre os nove e os dez anos de prisão – foi pedida para João Paulino, autor confesso do furto.