Uma investigação conduzida pelo historiador de arte Vítor Serrão e pelo investigador Mário Rui Silvestre trouxe à luz um poema inédito de Luís de Camões e evidências que sugerem a sua ligação à cidade de Santarém. Estas revelações, apresentadas no livro “Camões: Altos Cumes, Scabelicastro e Correlatos”, desafiam as percepções tradicionais sobre a vida e obra do poeta, oferecendo uma nova perspectiva sobre o seu percurso e influências.

No passado sábado, 7 de Dezembro, a Sala de Leitura Bernardo Santareno, em Santarém, foi palco da apresentação do livro “Camões: Altos Cumes, Scabelicastro e Correlatos”, da autoria do historiador de arte Vítor Serrão e do investigador Mário Rui Silvestre, com edição das Edições Cosmos. Este evento integrou as comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, promovidas pelo Município de Santarém, e contou com a presença do vereador da Cultura, Nuno Domingos, e do editor José Duarte Garrido.

A obra, considerada uma das mais significativas no estudo camoniano dos últimos anos, oferece novas perspectivas sobre a vida e obra de Camões, apresentando dez contributos inovadores. Destaca-se a tese de que o poeta terá nascido em Santarém, terra natal de sua mãe, Ana de Sá Macedo, hipótese sustentada por evidências documentais e pelas suas ligações a famílias nobres locais, como os Coutinho e os Saldanha.

Durante a apresentação, Vítor Serrão enfatizou a importância das descobertas realizadas em arquivos nacionais e regionais, que aprofundam a ligação de Camões ao Ribatejo. Entre os achados mais notáveis, encontra-se um poema inédito do poeta, um mote jocoso com glosas, que revela o seu lado mais irreverente e humorístico. Segundo o autor, “esta descoberta é um contributo único para a bibliografia camoniana, mostrando um Camões integrado na comunidade literária da época”.

O autor destacou também a existência de uma “corte na aldeia” em Vaqueiros (Santarém), onde Camões conviveu com figuras influentes como D. Gastão Coutinho e D. Manuel de Portugal. Este último, poeta e antonianista, fundou o convento franciscano de Vale Figueira, local de encontro de literatos e nobres, mencionado na obra. O autor sublinhou que a relação de Camões com o Ribatejo é crucial para compreender a sua formação literária e o impacto do ambiente cultural local na sua obra.

No plano estético, a obra defende que Camões deve ser interpretado à luz do Maneirismo, corrente que reflecte as ambiguidades e tensões de uma época marcada pela censura e incerteza. Esta perspectiva é, segundo Serrão, “a chave para entender o verdadeiro alcance artístico e literário de Camões”.

Nuno Domingos, vereador da Cultura, elogiou o contributo do livro para o património cultural de Santarém, afirmando que a obra “reforça o papel da cidade como um centro de excelência cultural no Renascimento”. Por sua vez, José Duarte Garrido, das Edições Cosmos, enalteceu o trabalho de investigação dos autores e destacou a relevância do livro no ano em que se assinalam os 500 anos do nascimento de Camões.

Adicionalmente, foi salientado que o livro não só revela a dimensão literária e cultural de Camões, mas também aborda aspectos menos conhecidos, como as suas relações com círculos marginais vigiados pela Inquisição e o impacto da censura na produção intelectual do poeta. Estas revelações proporcionam uma compreensão mais profunda das condições sociais e políticas que moldaram a sua vida e obra.

Outro ponto relevante mencionado durante a apresentação foi o “estado da questão” sobre a iconografia de Camões. De acordo com os autores, a investigação trouxe à luz dados importantes sobre a verdadeira efígie do poeta, incluindo a sua relação com o pintor Fernão Gomes, que produziu um retracto considerado uma das mais autênticas representações de Camões.

O evento concluiu com um convite ao público para aprofundar o conhecimento sobre Camões através da leitura da obra, que, nas palavras de Vítor Serrão, “constitui um contributo honesto e construtivo para reavaliar a figura e a obra do maior poeta da língua portuguesa”. 

Numa entrevista recente ao Correio do Ribatejo, a propósito desta obra, Vítor Serrão explicou que a elaboração deste livro foi motivada por uma série de crónicas de Mário Rui Silvestre, onde se defende a tese de que Camões teria nascido em Santarém. Estas crónicas suscitaram interesse e levaram à colaboração entre os autores. O livro desenvolve-se em três frentes principais: explorar a tese do nascimento de Camões em Santarém, analisar o ambiente artístico e literário da época e reinterpretar a obra de Camões à luz do Maneirismo, afastando-se da visão tradicional que o associa ao Renascimento tardio.

O processo de investigação envolveu o acesso a arquivos pouco explorados, como o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o Arquivo Distrital e a Biblioteca Braamcamp Freire em Santarém, entre outros. Nesses arquivos, foram descobertos documentos inéditos que permitiram reconstituir relações do tempo de Camões e novos dados sobre figuras importantes com quem se relacionou, como a família Coutinho.

Uma das grandes novidades do livro é a descoberta de um poema inédito de Camões, de carácter picaresco, escrito num contexto de boémia antes de 1553, que revela o lado mais irreverente do poeta.

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