Os jornais da época chamaram-lhe “um crime horrendo” pois envolvia uma adolescente que foi violada e estrangulada, no lugar da Saúde, a 6 de Junho de 1899.

Maria Caetana tinha treze anos e vivia no Casal dos Frades situado “num cume de um outeiro que domina a estrada em construção do Lampaneiro a Vale de Estacas e enfrenta com a horta do Dr. Seixas” (CE, 10/6/1899, p. 2). Esta era filha do pedreiro Manuel Caetano Coelho e de Maria Joana e irmã do servente de pedreiro José Caetano, de dezasseis anos.

Na terça-feira, 6 de Junho de 1899, pelas dezasseis horas, soou o alarme, Maria Caetana tinha-se enforcado “utilizando-se de uma corda de linho com quatro metros que atou a um barrote da casa, na altura de três metros do pavimento térreo” (Idem). O pai da jovem foi avisado quando trabalhava em casa do Dr. Seixas que, por sua vez, se deslocou a Santarém para avisar a polícia.

O cabo Lima e os guardas 3, 10, 22 e 55, vestidos à paisana, iniciaram a investigação. Aos seus olhos, este suicídio podia ser crime baseado no facto de a família, especialmente a mãe da vítima, se recusar a “bulir no cadáver”. Outro aspecto estranho foi a posição do corpo que se encontrava de joelhos, com a cabeça apoiada numa cadeira, tendo a corda em volta do pescoço “que ainda se encontrava dependurada no barrote, verificando-se que a laçada se desmanchava facilmente ao menor puxão!” (Idem). A partir destas duas premissas iniciou-se o interrogatório à família que com ela residia e ao cunhado, o pedreiro Aureliano Caetano, assíduo frequentador da casa. Todos afirmaram que a Maria se tinha enforcado devido aos maus tratados infligidos pelo pai. A ela competia “o governo da casa por recomendação expressa do chefe de família que andava “malavindo” com sua mulher” (Idem).

Entretanto, à noite, o corpo foi removido numa carroça para o hospital de Santarém, onde, no dia seguinte, os médicos Pedroso e Joaquim Luís Martins procederam à autópsia. Esta revelou-se conclusiva quanto ao assassinato por estrangulamento e violação da Maria Caetana, pois “houve estupro tanto pela abertura vaginal como anal, dando-se neste grande rasgão, entre a parede anterior do recto e a posterior da vagina” (Idem).

Perante as provas, o pai, a mãe, o irmão e o cunhado da vítima foram novamente interrogados no comissariado da polícia, tendo-se concluído que o irmão José mantinha um relacionamento amoroso com a Maria. No entanto, os assassinos aparentavam ser a mãe Maria Joana e o cunhado Aureliano Caetano. Todos foram presos e mantidos incomunicáveis e por vezes “internados no segredo”.

Aureliano Caetano reagiu mal ao cárcere, recusando comer, chorando compulsivamente e acusando o sogro e pai da Maria da autoria do crime porque o tinha visto com uma corda na mão, nesse dia. Também confessou ter mantido uma relação amorosa com a sogra Maria Joana. A polícia fez duas buscas no Casal dos Frades, mas a única prova incriminatória que encontrou foi um sapato de Aureliano com um pingo de sangue. Por fim, Maria Joana mostrou-se pronta a testemunhar contra Aureliano, tendo sido acareados a 10 de Junho, pela desconfiança do envolvimento de ambos no crime.

Perante os ininterruptos interrogatórios policiais do comissário Alexandre Marques Sampaio, do chefe, do cabo Lima e do guarda 55, “de um rigor muito para louvar”, Aureliano Caetano confessou “que andando a cortar favas próximo da casa que também habitava no Casal dos Frades, contínua à do sogro, viu a cunhada que voltava da fonte, seguiu-a e, pretendendo cevar os seus brutais desejos, como a rapariga tentasse gritar, apertou-lhe as goelas com tanta fúria que a criança passados alguns minutos era cadáver. Depois transportou o corpo para o quarto em que o pai da vítima dormia, atou-lhe a corda ao pescoço, encostou-o à cadeira para dar a ilusão do enforcamento e correu a participar o caso à mulher e sogra que costuravam em casa dele” (CE, 17/6/1899, p. 2).

No início de Julho, já se encontravam pronunciados pelos crimes de violação e estrangulação, os réus Aureliano Caetano, José Caetano e Maria Joana, respectivamente cunhado, irmão e mãe da vítima. Esta última foi ilibada após o primeiro período na prisão, mas o poder judicial ordenou a sua recaptura.

Este crime tornou-se um caso de “meditação e de estudo”. O jornal lisboeta “Novidades” deixou algumas questões para reflexão: “agrada-lhes a família organizada em tais bases ou desorganizada por tais monstruosidades? Julgam possível uma sociedade, digna da finalidade humana, que se constitua sobre tais agrupamentos de machos e fêmeas?” (Idem, p. 3).

No final do século XIX, investigar um crime desta gravidade era muito difícil considerando os poucos conhecimentos científicos da polícia. Excepcionalmente, a vítima foi autopsiada, mas o local do crime não foi analisado, os depoimentos e até a confissão de Aureliano Caetano foram feitos sob coação policial. A promiscuidade em que esta família vivia era evidente e reveladora da pobreza e da miséria humana.

Teresa Lopes Moreira

Leia também...

Memórias da Cidade: “Polícia de Marvila à Ribeira”

“Se há localidades que têm uma acção policial deficiente, Santarém pertence a…

OPINIÃO: António Paula de Oliveira, “o hábil industrial”

António Paula de Oliveira nasceu na casa de família em S. Lázaro,…

Memórias da Cidade: Do Monte-pio de Nossa Senhora da Conceição ao Monte-pio Geral de Santarém

Do Monte-pio de Nossa Senhora da Conceição ao Monte-pio Geral de Santarém…

Presos políticos escalabitanos no Forte de Peniche

“As sociedades que não preservam a memória, não acautelam o futuro” António…