“As sociedades que não preservam a memória, não acautelam o futuro”

António Borges Coelho

“Por teu livre
pensamento
Foram-te longe
encerrar
Tão longe que o
meu lamento Não te consegue alcançar.
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar”

David Mourão Ferreira

O rei D. Manuel I manifestou o desejo de edificar uma fortificação que cercasse Peniche, perante a importância económica do local devido ao seu porto marítimo. A obra iniciou-se no reinado de D. João III com a construção de um fortim, conhecido como baluarte do Redondo, entre 1557 e 1558, sob a responsabilidade do conde de Atouguia, D. Luís de Ataíde. Quando este partiu para a Índia, a fim de desempenhar o cargo de vice-rei (1567-1572), as obras foram interrompidas e só foram concluídas nos meados do século XVII. No período da Guerra da Restauração, a fortaleza foi ampliada permitindo a defesa da linha da costa contra possíveis ataques espanhóis.

O terramoto de 1755 provocou bastantes estragos na fortaleza. Durante a I Invasão Francesa, o forte foi ocupado pelas tropas do general Thomiéres, até 1808. No ano seguinte, foi entregue às tropas inglesas e beneficiou de obras por ordem de Beresford. Durante o conflito entre liberais e absolutistas, o forte teve um papel significativo quer como praça de armas quer como prisão dos apoiantes de D. Pedro. Em 1837, uma explosão no paiol provocou um incêndio e estragos consideráveis, acentuando a sua decadência militar na segunda metade do século XIX. Entre 1917 e 1918, no âmbito da I Guerra Mundial, estiveram aí encarcerados prisioneiros alemães e austríacos. Dez anos mais tarde, o espaço acolheu um sanatório para tuberculosos.

Entre 1934 e 1974, o forte de Peniche tornou-se numa das prisões políticas de alta segurança do Estado Novo. Numa primeira fase, os presos políticos encontravam-se nas antigas casernas e nas cavalariças militares, enquanto “o segredo” se localizava no baluarte Redondo. Numa segunda fase, após as obras de remodelação de 1953 e 1961, o regime de cárcere tornou-se mais rigoroso e repressivo, pretendendo seguir o regime prisional americano. Neste lugar batido pelo vento e pelo mar passaram cerca de 2500 presos, alguns mais do que uma vez, enfrentando torturas, humilhações, severos castigos, falta de cuidados médicos e alimentação de má qualidade, confeccionada sem cuidados de higiene. As visitas permitidas eram escassas e limitadas ao parlatório vigiado, onde os contactos físicos eram impossíveis e de onde muitos presos viram o crescimento dos seus filhos.

Os escalabitanos presos em Peniche
Entre 1934 e 1974 estiveram presos em Peniche 45 presos nascidos no concelho de Santarém. Desses, 5 nasceram em Pernes, 3 em Vale de Figueira, 2 em Alcanhões e 1 em Achete e outro na Moçarria. Muitos desses indivíduos tinham deixado de residir no concelho de Santarém: 3 viviam em Lisboa (Abel Carlos Miguel, Francisco da Costa Lopes, João da Costa), 3 no Cartaxo (José Carlos Teigas dos Santos, Luís Sebastião Frescata, Ventura Maria Nobre), 1 em Évora (Fernando Ferreira Garcia Múrias) e outro, Eduardo Rodrigues Areosa Feio, viu a sua residência ser fixada em Santiago do Cacém. No entanto, os processos não nos permitem perceber onde passaram a residir 23 desses presos. A maioria foi presa nos anos trinta, período de afirmação e grande repressão do Estado Novo, com 27 reclusões. Em 1937, foram presos 21 indivíduos. A década de 70 foi onde se verificou o menor número de presos nascidos no concelho de Santarém.

Eduardo Rodrigues Areosa Feio

O major de Artilharia Eduardo Areosa Feio nasceu em Alcanhões, a 13 de Dezembro de 1890, sendo filho do comerciante Eduardo Rodrigues Areosa Feio e da professora Caetana de Jesus Castro Feio. Este republicano combateu durante a I Guerra Mundial quer em Angola quer em França. Em 1929, foi preso no forte de Elvas por ser opositor à Ditadura Militar. Enquanto aguardava a promoção a tenente-coronel foi detido por ser oposicionista ao Estado Novo, durante a purga de 1934, sendo encarcerado em Peniche. Areosa Feio voltou a ser preso a 17 de Julho de 1938, tendo passado pelas Casas de Reclusão de Lisboa e do Porto e pelo Aljube, de onde foi libertado a 29 de Junho de 1939.

Germano António Pires

Germano António Pires nasceu em Santarém, a 28 de Setembro de 1909, sendo filho de António José Pires e de Joaquina Iria. Este era grumete fogueiro no navio da Marinha Portuguesa “Afonso de Albuquerque”, daí que residia “nos barcos”. Ele foi detido por insubordinação, a 8 de Setembro de 1936, sendo entregue pelas autoridades da Marinha. A 19 de Outubro de 1936, encontrava-se detido na Cadeia Penitenciária e, daí, partiu para Peniche, onde se manteve entre 16 de Junho e 23 de Agosto de 1937, quando foi enviado para Angra do Heroísmo. Quando foi libertado a 8 de Novembro de 1939, declarou que ia “residir para Chafariz de S. Pedro, em Santarém”.
Alexandre da Silva nasceu em 1908, era filho de José da Silva e de Maria da Conceição e residia na Romeira, onde exercia a profissão de comerciante. Este foi preso no presídio de Santarém, a 15 de Outubro de 1936, de onde foi enviado para Peniche, a 28 de Janeiro de 1937. A 2 de Abril foi enviado para o Aljube para regressar a Peniche, a 8 de abril, de onde partiu, a 23 de Agosto de 1937, para Angra do Heroísmo. Foi libertado a 24 de Setembro de 1938.

Adelino Marques de Andrade nasceu em 1894 e residia em Vale de Figueira, sendo filho de António Marques de Andrade e de Ana Maria. Este comerciante foi preso a 29 de Outubro de 1936 no presídio de Santarém, de onde foi enviado para a 1.ª Esquadra em Lisboa, a 12 de Janeiro de 1937. Cinco dias mais tarde, seguiu para Peniche, onde permaneceu até 8 de Fevereiro de 1937, momento em que foi transferido para o Aljube e, a 25 de Abril de 1938, para os hospitais de S. José e Estefânia, onde veio a falecer a 21 de Julho de 1938.

O trabalhador rural José Serafim dos Santos nasceu em Vale de Figueira, a 14 de Abril de 1908, sendo filho de José Serafim e de Adelina da Conceição. Este foi detido pela primeira vez a 29 de Outubro de 1936, juntamente com outros jornaleiros de Vale de Figueira, tendo cumprido pena em Peniche, entre 17 de Janeiro de 1937 e 22 de Maio de 1938. A sua segunda prisão ocorreu em 1947, acabando novamente a cumprir pena em Peniche, entre 13 de Janeiro de 1948 e 21 de Julho de 1949.

Manuel Carvalho Tavares Cardana

O marceneiro Manuel Carvalho Tavares Cardana nasceu na Moçarria, a 12 de Julho de 1886, sendo filho de Manuel Carvalho Tavares Cardana Ruivo e de Maria Joana. Este residente na Moçarria foi preso, a 11 de Maio de 1939, pela polícia de Santarém, sendo enviado para Caxias, a 25 de Maio e para o Aljube, a 23 de Outubro de 1939. Sete dias depois regressou a Caxias e, a 12 de Dezembro de 1939, entrou no Aljube. Três dias depois, estava novamente em Caxias e, entre 19 de Dezembro de 1939 e 10 de Agosto de 1940, foi encarcerado em Peniche. Novamente, passou pelas duas anteriores prisões políticas, até concluir a pena em Peniche, entre 24 de Novembro de 1940 e 2 de Abril de 1941. Manuel Cardana voltou a ser preso, a 3 de Maio de 1948, pela polícia de Santarém e enviado para Caxias de onde foi libertado a 14 de Maio de 1948 e, novamente pela mesma força policial escalabitana, a 2 de Fevereiro de 1949, permanecendo no Aljube até 7 de Abril desse ano.

Diamantino de Jesus Faustino

Diamantino de Jesus Faustino, conhecido no reviralho como “Celestino”, nasceu na freguesia de Marvila a 5 de Julho de 1914, sendo filho de Manuel de Matos Faustino e de Ana de Jesus Fernandes. Este sapateiro residia no largo de S. Julião, 6, em Santarém e foi preso para averiguações pela polícia dessa cidade, a 8 de Agosto de 1946. Daí, foi enviado, no dia seguinte, para o Aljube e, a 30 de Agosto 1946, para Caxias. A 16 de Outubro desse ano foi libertado para iniciar o cumprimento da pena, a 13 de Janeiro de 1948, em Peniche onde permaneceu até 17 de Setembro de 1949.

O advogado Humberto Pereira Diniz Lopes nasceu em Santarém, a 17 de Outubro de 1918, sendo filho de Humberto de Amorim Diniz Lopes e de Maria Judite Martins Pereira Diniz Lopes. Este foi preso pela primeira vez a 1 de Junho de 1946, sob a acusação de pertencer ao comité regional do “Médio Ribatejo” do Partido Comunista Português, usando o nome de “Júlio”. O advogado foi libertado do Aljube, a 14 de Outubro de 1946, após o pagamento de fiança de 30 mil escudos. Na sequência deste processo, foi condenado a 10 meses de prisão correccional, que cumpriu no forte de Peniche, entre 13 de Outubro de 1948 e 13 de Julho de 1949. Três anos depois, foi preso juntamente com os advogados Lino Lima e Carlos Cal Brandão por ter defendido melhores condições para os presos políticos. Em 1953, foi novamente preso e condenado a dois anos e meio de prisão ao ser acusado da prática de factos delituosos que teria cometido como membro do partido Comunista, dissimulado na comissão distrital de Santarém do Movimento Nacional Democrático. Na prisão de Caxias foi alvo de um processo-crime, em 1954, sendo acusado de fazer parte da organização prisional do partido Comunista. A 20 de Novembro de 1957, passou para a cadeia de Peniche onde cumpriu pena até 12 de Outubro de 1959. No entanto, a sua presença em Peniche manteve-se até 22 de Julho de 1963, quando foi libertado condicionalmente.

O operário fabril José Jaime Ferreira Fernandes, natural de Achete, cumpria o serviço militar na Escola Prática de Cavalaria de Santarém quando foi preso sobre a acusação de exercer actividades contra a segurança do Estado, em 1971. Antes de ser encarcerado em Peniche, entre 24 de Abril e 19 de Julho de 1972, passou pelo presídio militar de Santarém e por Caxias. Jaime Fernandes encontrava-se preso quando se deu a Revolução de 25 de Abril, sendo libertado de Caxias, a 27 de Abril de 1974.

Fontes: “Forte de Peniche. Memória, resistência e luta”, [Peniche], União de Resistentes Antifascistas Portugueses, 2019.
“Registo Geral de Presos”, PT/TT/PIDE/E/010

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