O antigo presidente da Câmara de Santarém Francisco Moita Flores negou hoje alegadas ilegalidades no ajuste directo de obras durante o seu mandato e disse em tribunal estar a ser vítima de um processo de judicialização da política.
Moita Flores está acusado da prática de três crimes de prevaricação, juntamente com o antigo director do departamento urbanístico António Duarte, e ainda da prática de dois crimes de participação económica em negócio, num processo relacionado com a realização de obras em instalações da antiga Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém.
Ouvido hoje pelo Tribunal Judicial de Santarém, em interrogatório complementar, no âmbito do processo em que é acusado pelo Ministério Público (MP) de ter causado um prejuízo patrimonial ao município antes de ter renunciado ao mandato, em 31 de Outubro de 2013, Moita Flores considerou estar a ser vítima de “um processo daqueles que às vezes se fazem para judicializar a política” através de “um chorrilho de enviesamentos e falsas verdades”.
O antigo presidente da Câmara de Santarém foi eleito pelo PSD em 2005 e reeleito em 2009.
O processo refere-se às obras realizadas pela sociedade de construções A. Machado & Filhos (declarada insolvente em 2014), sem qualquer procedimento contratual e por ajuste directo, quando os valores em causa obrigariam a abertura de concurso, bem como à acção administrativa que o município perdeu em Tribunal, obrigando ao pagamento de perto de dois milhões de euros à empresa, por não ter apresentado contestação.
Hoje, em tribunal, Moita Flores afirmou que a adjudicação de obras sem os respectivos procedimentos administrativos eram, à época, “prática habitual” e justificou não ter contestado a acção administrativa por “não ter tido conhecimento da mesma” antes do final do prazo de contestação, dado encontrar-se na altura “com o mandato suspenso por 90 dias” para permitir que o seu ‘número dois’, o actual presidente da autarquia, “se tornasse conhecido”, com o intuito de, nas eleições seguintes, encabeçar a lista do PSD àquela autarquia.
Ricardo Gonçalves, que acabaria por ser eleito, também pelo PSD e suceder a Moita Flores na liderança da autarquia, foi o autor da participação ao Tribunal de Contas (TdC) dos factos que resultaram na acusação, tendo por base o que o arguido considera ter sido “uma armadilha” para o prejudicar.
“Ele é que devia estar a ser acusado por gestão danosa”, disse Moita Flores na audiência.
De acordo com a acusação, em causa estão obras para a criação de um Serviço de Atendimento à Gripe (SAG), determinadas em 2009 durante o surto de Gripe A.
Moita Flores justificou ainda a entrega da obra por ajuste directo e o seu início imediato devido à urgência da intervenção, numa altura em que a Direção-Geral da Saúde estimava que viessem a registar-se na região cerca de “40 mil casos” de infecção.
“Para evitar alarmismo social” a obra foi mantida com carácter reservado, depois de ter sido fixado um valor base de 333.050 euros, valor não sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TdC) e cabimentado, segundo a acusação, já depois do início da intervenção.
O surto gripal acabou por se revelar menos grave que o esperado e o autarca mandou suspender a obra do SAG. Porém, a intervenção terá sido alargada a outros pisos do edifício, com o propósito instalar na antiga EPC a Fundação da Liberdade, o Museu Salgueiro Maia e parte dos serviços da Câmara.
A discordância entre os valores que a construtora pretendia cobrar por estas obras e os valores que a autarquia entendia serem devidos deu origem ao processo administrativo movido pela empresa.
Moita Flores acusou também o actual presidente do município de não ter deliberadamente contestado o processo administrativo movido pela empresa para o prejudicar.
Em causa no processo está ainda a cessão pela empresa à banca de créditos da Câmara de Santarém num valor global de 500.000 euros, sem conhecimento prévio dos serviços de contabilidade e tesouraria do município e em violação da lei, segundo a acusação.
Moita Flores, que começou por negar ter assinado qualquer cessão de créditos, foi na audiência confrontado com documentos onde reconheceu constar a sua assinatura, tendo também reconhecido outros semelhantes, assinados pelo actual presidente.
O antigo director do departamento urbanístico António Duarte, também arguido no processo, foi igualmente ouvido, complementando as declarações que já havia prestado em 2019 e reafirmando não ter tido “intervenção nos contratos verbais” que a empresa alega terem sido feitos.
O arquitecto esclareceu ter estado ligado “apenas” ao acompanhamento da obra destinada a criar um Serviço de Atendimento à Gripe (SAG), negando qualquer intervenção ou conhecimento sobre as obras realizadas nos edifícios 7, 8 e 20.
O Tribunal agendou para o dia 14, às 10:00, o início do debate instrutório, sessão a que António Duarte foi dispensado de comparecer, em resultado de um requerimento do seu advogado, mas que contará com a presença de Francisco Moita Flores.