O Ministério Público pediu hoje prisão para o dono de uma empresa de Almeirim que contratava imigrantes para a agricultura, com a procuradora a declarar-se “chocada” com referências a diferenças culturais para explicar as condições em que viviam as vítimas.

Nas alegações finais do processo que corre no Tribunal de Santarém, em que três cidadãos de nacionalidade indiana e a sociedade gerida por um deles são acusados de 22 crimes de tráfico de pessoas e um crime de auxílio à imigração ilegal, a procuradora do Ministério Público (MP) pediu a condenação de todos os arguidos, admitindo apenas para o responsável pela empresa uma pena de prisão efetiva, por ser ele o “mentor” e o “principal beneficiário”.

Para as defesas dos arguidos, que pediram absolvição, o pedido do MP de prisão efetiva para apenas um dos arguidos demonstra que a acusação se revelou “fraca” e “mal feita” perante a prova produzida em julgamento.

Os mandatários dos arguidos começaram por colocar em dúvida a tradução feita aos depoimentos prestados pelas 22 vítimas em fase de inquérito, considerando que pode “inquinar a prova”, não tendo o coletivo de juízes reconhecido a existência de qualquer irregularidade, nomeadamente por ela não ter sido invocada na altura.

Nas suas alegações, as defesas procuraram demonstrar que as 22 testemunhas, cujas declarações em fase de inquérito sustentam a acusação, não foram alvo de promessas de aliciamento, tendo sido os próprios a procurar a sociedade, e que sabiam que iam ser pagos à hora, embora, como refere a acusação, os contratos de trabalho assinados indicassem que iriam auferir o salário mínimo nacional.

Justificaram, ainda, os dias sem trabalho (pelos quais não eram pagos) com a sazonalidade do trabalho agrícola, o que levou a procuradora a questionar por que razão tinha a empresa 400 trabalhadores se não lhes conseguia assegurar trabalho.

Para a mandatária do principal arguido, não faz sentido falar de tráfico de pessoas por incumprimento de um contrato de trabalho, frisando que os trabalhadores tinham os documentos na sua posse, tinham liberdade de movimento e de deixar a empresa e as residências quando entendessem, entre outros elementos tipificadores deste crime que, no seu entender, não se mostraram cumpridos.

As defesas afirmaram que, mais do que trabalho, estas pessoas “vinham à procura de legalização, porque em Portugal seria mais fácil”, tanto que não se importavam de pagar os valores pedidos para conseguirem os contratos de trabalho e as inscrições nas Finanças e na Segurança Social (superiores a mil euros).

Os defensores procuraram ainda convencer o tribunal de que as condições em que viviam, em casas que juntavam várias famílias, com colchões no chão, sem armários e com deficientes condições de higiene, resultam de “hábitos culturais” e de “diferenças entre castas”, o que gerou reações da procuradora do MP e da advogada de uma das vítimas que se constituiu como assistente.

Para a procuradora, trata-se de “direitos humanos básicos”, salientando que na Índia existe uma elite minoritária que não vive nas condições de pobreza descritas como “culturais”, tendo a advogada da assistente sublinhado que esta situação não se pode considerar “normal”.

Além dos três principais arguidos singulares, todos em prisão preventiva desde julho de 2020, um quarto cidadão indiano é acusado de um crime de auxílio à emigração ilegal, tendo hoje a sua advogada procurado mostrar que a acusação se baseia em depoimentos contraditórios de um casal, pedindo, igualmente, a sua absolvição.

O processo teve origem em buscas realizadas no início de julho de 2020 à sociedade e a um minimercado do principal arguido, bem como em 12 alojamentos em Almeirim e Alpiarça, onde se encontravam cerca de 160 pessoas.

Foram apreendidas sete viaturas de transporte e duas de uso dos arguidos e um total de 306.445 euros que se encontravam depositados nas contas bancárias da empresa e do principal arguido, valor que o MP pede que seja declarado perdido a favor do Estado por ter resultado dos crimes praticados.

O advogado da sociedade disse hoje ao Tribunal que a cessação da atividade da empresa deixou 400 pessoas sem trabalho e que o bloqueio das contas impediu que fossem pagos os impostos devidos, o que originou uma ação do Estado, que corre noutra instância.

Por outro lado, questionou se o Estado não deveria estar igualmente em Tribunal ao publicar legislação que proíbe dar trabalho a quem entra ilegalmente no país, mas depois permite que, perante a apresentação de 12 meses de descontos para a Segurança Social, seja concedida autorização de residência.

O crime de tráfico de pessoas é passível de uma pena de prisão de três a 10 anos e o de auxilio à imigração ilegal de um a cinco.

A leitura do acórdão ficou marcada para 12 de outubro.

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