Na Microsoft Portugal desde 2012, Vânia Neto, Gestora de Marketing de Educação da Microsoft, para a Europa Ocidental, coordenou o Programa Parceiros na Educação (Microsoft Partners in Learning) que promoveu, entre outras iniciativas, o Programa de Formação Líderes Inovadores, uma iniciativa conjunta da Microsoft e do Ministério da Educação e Ciência e que tem como objectivo essencial preparar os Directores das Escolas para os novos desafios da Educação no século XXI, e o Programa Professores Inovadores, um projecto mundial que destaca os professores que utilizam a tecnologia para transformar o ensino e as suas salas de aula. Numa altura em que o país está em isolamento social, e os estabelecimentos de ensino mudaram-se para dentro de casa, Vânia Neto não tem dúvidas que a tecnologia “é o melhor meio para manter alguma normalidade nas nossas vidas”

Com o país em quarentena e as escolas fechadas, qual é a resposta que a tecnologia pode dar em termos educativos e de uma continuidade da aprendizagem aos alunos?
A tecnologia é o melhor meio para manter alguma normalidade nas nossas vidas, em geral, e na aprendizagem dos alunos, em particular. A tecnologia permite aproximar quem está distante e tornar simples operações que, normalmente, podiam ser mais complexas ou demoradas. Sem a Internet, os computadores, tablets ou smartphones e todas as plataformas a que temos acesso, esta crise seria ainda mais difícil para todos. Há muito que as escolas usam tecnologia, porém, nem todas utilizam ainda tecnologia que permite a colaboração à distância entre professores e alunos. Felizmente, muitas escolas e professores já o faziam e, para esses, esta transição para o digital é mais fácil. Para os outros, será a necessidade que os fará mudar rapidamente para um novo modelo de ensino e aprendizagem não presencial.
A tecnologia existe, e funciona, é só preciso que a usem. A aprendizagem dos alunos não precisa de ser interrompida. No caso da Microsoft, há anos que disponibilizamos a plataforma Office 365 gratuitamente às instituições de ensino (infelizmente muitas escolas ainda não têm qualquer sistema de email institucional e muitos professores não usam qualquer plataforma digital, nem as gratuitas!). Deste serviço faz parte, entre outras ferramentas, a plataforma Teams que permite às escolas disponibilizar aos professores e alunos um ambiente colaborativo: com chat, videoconferência, testes online, partilha de documentos, etc. Cada Turma é uma Equipa e podem trabalhar como se estivessem em sala de aula, com momentos em presença e tarefas de trabalho autónomo. Num ambiente seguro com integral respeito pela segurança e privacidade. São muitas as escolas que já usavam e para essas é mais rápida a transição.

A Direcção-geral da Educação (DGE), em colaboração com a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP), disponibilizou uma plataforma online com um conjunto de recursos para apoiar as escolas na utilização de metodologias de ensino a distância. O país tem capacidade de implementar ensino à distância em larga escala?
Em teoria, o país tem capacidade, se considerarmos que mais de 80% dos portugueses têm internet em casa (78% dos quais com banda larga – dados de 2019), e que já em 2017, 71,5% dos portugueses tinham computador em casa, já para não falar que mais de 98% dos portugueses têm telemóvel a larga maioria smartphones. Sabemos que há ainda alguns problemas a resolver, como por exemplo, alunos de estratos sociais mais desfavorecidos que não têm acesso a tecnologia em casa e esses casos merecem tratamento especial.
Em qualquer caso, ter acesso à tecnologia, é uma coisa, implementar um sistema de ensino à distância em larga escala, é outra completamente diferente. Implica que os professores dominem essa tecnologia para o ensino. A verdade é que o Ministério da Educação não estava preparado para esta escala, em tão pouco tempo. Nem o português, nem praticamente nenhum. Esta situação não tem precedentes, e ninguém estava totalmente preparado. Todavia, como em tudo na vida, a capacidade de resposta depende sempre do contexto. O Ministério da Educação optou por não escolher uma plataforma e disponibilizá-la às escolas, como aconteceu, por exemplo, na Região de Madrid. Em Portugal, cada escola (e muitas vezes cada professor, quando a liderança das escolas não resolve) pode escolher a plataforma que considerar mais adequada. Por isso, a DGE não disponibilizou uma plataforma, antes um site de apoio às escolas, que agrega todo o ecossistema de ferramentas e recursos à sua disposição. Cada escola pode escolher livremente e tem de fazer o seu caminho, neste novo desafio de ensino remoto, em poucos dias ou semanas.
Na realidade, este vírus fez mais pela transição digital das escolas, do que qualquer plano que o Governo pudesse ter pensado. “A necessidade aguça o engenho”, lá diz o ditado.

Ubbu, Dreamshaper, grupo LeYa ou a Porto Editora disponibilizam plataformas de ensino pela internet mas, em termos da formação de docentes, estão preparados para utilizar estas ferramentas? E os alunos? Estão também eles preparados ou motivados para este tipo de ensino?
Para os alunos será muito mais fácil do que para a maioria dos professores. Porém, saber que, por exemplo, alguns professores mais experientes na utilização da tecnologia, criaram um grupo de ajuda no Facebook e, em apenas uma semana, já são quase 20 mil participantes, é demonstrativo da capacidade de trabalho e adaptação dos professores.
As ferramentas e recursos disponíveis são praticamente ilimitados e é de louvar a atitude da indústria e das principais editoras de disponibilizar gratuitamente as suas plataformas digitais de conteúdos. Nesta altura de emergência nacional, toda a ajuda que possa ser dada aos alunos, aos professores e às famílias é positiva. Para os alunos, será uma altura de descoberta das potencialidades da tecnologia para aprender, muitos deles apenas a usavam até aqui para jogar ou aceder às redes sociais. Para a maioria dos professores, vai ser uma curva de aprendizagem acentuada. A grande maioria dos professores estão motivados e isso é positivo. Sabemos que há sempre uma parte que será “avessa à mudança”, mas a necessidade vai fazer até os mais cépticos e tradicionalistas perceber as potencialidades da tecnologia. Vão perceber que a tecnologia vai facilitar-lhes o trabalho, permitir ser mais eficientes e também aproximá-los dos alunos, até pôr a participar aqueles que no ensino tradicional presencial, nunca participaram, pois é um ambiente ao qual estão habituados.
A tecnologia é que vai permitir que alunos e professores mantenham alguma normalidade nas suas vidas, neste período de suspensão das actividades lectivas não presenciais. Como muitas vezes já foi referido, os alunos não estão de férias. Nem os professores. Aliás, muitos professores, têm trabalhado afincadamente, muitas horas, para pôr a trabalhar, num curto espaço de tempo, uma plataforma de colaboração para ensino à distância.
Um bom exemplo no nosso concelho, é o caso de Agrupamento de Escolas Alexandre Herculano, que conheço melhor, pois é o que a minha filha frequenta. Logo na segunda-feira em que as aulas foram suspensas, os professores enviaram trabalhos aos alunos por email, e esta semana mesmo, começaram as aulas à distância, via Microsoft Teams, para todos os ciclos de ensino (cerca de 1500 alunos). É de louvar o trabalho da directora, a Prof.ª Margarida Franca, e de todos os professores envolvidos, pois são um bom exemplo de que as escolas públicas também estão preparadas, basta haver vontade!

Como fazer com aqueles que não têm acesso a equipamentos informáticos ou sequer Internet?
Esse é o problema que urge resolver. Já basta que muitos destes alunos sejam socialmente desfavorecidos, ficarem ainda mais excluídos do ensino à distância nesta fase, pode ser dramático. Há já vários movimentos a promover a doação de equipamentos às escolas, para distribuição aos alunos que não têm computador ou tablet em casa. Noutros casos, alguns municípios estão também a antecipar investimentos em computadores portáteis, para empréstimo aos alunos mais desfavorecidos. Todos juntos haveremos de mitigar as desigualdades neste contexto e permitir que o maior número de alunos possa ser incluído no ensino à distância, através da tecnologia.

Esta diversidade de ferramentas e de plataformas que existem não poderá ser demasiado dispersiva? Não deveria existir uma harmonização em termos destes recursos? E o investimento do Estado neste tipo de ensino, equipamentos e desenvolvimento de software, tem sido o suficiente?
Tal como em muitas outras áreas, o investimento do Estado em matéria de tecnologia nas Escolas tem sido manifestamente insuficiente. O último grande investimento em computadores para as escolas em Portugal é de 2009, portanto há mais de 10 anos. Desde essa altura, não houve qualquer investimento do Ministério da Educação em hardware, nem em atualização de software. Cada escola teve de resolver individualmente os seus problemas. Umas desenvolvendo projectos com o apoio de empresas e recurso a candidatura a prémios de inovação, ou com o apoio dos Municípios, que são as entidades públicas que mais têm investido em tecnologia nas escolas, nos últimos anos. O facto de não existir uma política centralizada, como aconteceu no Plano Tecnológico da Educação, os recursos das escolas são actualmente bastante assimétricos e dependem muito mais das lideranças dos Agrupamentos e dos Municípios, do que do Ministério da Educação, que nada tem feito nesta matéria (provavelmente aguardando a descentralização total para as autarquias). Esta situação tem gerado imensas desigualdades na Educação. Dependendo dos Agrupamentos os alunos podem ter acesso à tecnologia mais actual, espaços inovadores de aprendizagem, computadores, programação, etc. ou pura e simplesmente estarem ainda ao nível de 2009.

O governo apresentou oficialmente o Plano de Acção para a Transição Digital no passado dia 05 deste mês. Entre as diversas medidas apresentadas está a de formar 3.000 pessoas no prazo de um ano em Tecnologias da Informação e Comunicação. Ainda vamos a tempo de apanhar o barco da revolução tecnológica que hoje se vive?
Tive oportunidade de estar na apresentação do Plano de Acção para a Transição Digital e gostei bastante do que vi e ouvi. Um plano abrangente, que pretende não deixar ninguém para trás e acelerar o crescimento de Portugal, através da capacitação digital das pessoas, da transformação digital das empresas e da digitalização do Estado. É reconhecida a pertinência de todas as medidas apresentadas, que não é de estranhar face à experiência e qualidade do Secretário de Estado responsável pela pasta. Todavia, a realidade de Estado de Emergência que infelizmente vivemos, acelerou ainda mais a necessidade de implementação deste plano. Em especial, com os serviços públicos e as empresas a serem “obrigados” a uma aceleração exponencialmente para o digital, a adoptarem o teletrabalho, a actualização de procedimentos, por via digital, etc.
A verdade é que este vírus veio também acelerar exponencialmente esta Transição Digital e será ainda mais importante continuarmos o esforço colectivo de formação e requalificação de quadros para estarem preparados para a nova era que surgirá depois desta pandemia.
Não sabemos ainda qual será o impacto social e económico desta pandemia, nas nossas vidas e no Mundo, mas sabemos que nunca mais nada será igual. A administração pública vai perceber que a maioria dos procedimentos em papel ou presencialmente não fazem sentido, e podem simplificar bastante a vida às pessoas. As empresas vão perceber que só as que estavam preparadas para transformar os seus modelos de negócio para o digital vão conseguir crescer e manter alguma actividade; e que o teletrabalho é um modelo adequado a muitas profissões, que permite uma maior conciliação entre a vida pessoal e o trabalho. Por isso, dominar a tecnologia e ter cada vez mais pessoas aptas a usá-la e criar valor é determinante para o crescimento económico futuro.
Até há bem pouco tempo um dos temas mais debatidos era a ameaça da Tecnologia e da Inteligência Artificial aos empregos tal como os conhecemos e a importância das competências digitais, só ninguém antecipava que esta pandemia viria para nos mostrar a verdadeira relevância da tecnologia.
Tal como já partilhei nas redes sociais, afinal não é a tecnologia que vai destruir empregos. É a tecnologia que vai permitir manter muitos empregos… e alguma normalidade nas nossas vidas!

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