António Pinto Correia, presidente da Mesa da Assembleia Sub-Regional da Ordem dos Médicos, relata, nesta entrevista, a “enorme pressão por que estão a passar as estruturas de saúde e os médicos”, considerando ser “preocupante” o facto de o nosso país ser, neste momento, um dos que a nível mundial têm um maior número de casos de Covid-19 e de mortes por cem mil habitantes. O médico, com a especialidade de Otorrinolaringologia, nascido em Angola, de onde saiu com 23 anos chegou a Santarém em Janeiro de 1977 e foi nesta cidade que iniciou e tem feito toda a sua vida profissional.

Como médico que leitura faz desta pandemia de Covid 19?
É um desafio e uma ameaça enorme ao nosso modo de vida e que como o nome indica atinge todo o nosso planeta. Podemos coloca-la ao nível de uma guerra pela ameaça à vida e ao modelo de sociedade em que temos vivido.
Vejo com muita preocupação esta segunda vaga com o crescimento diário de casos e principalmente com o aumento do número de internamentos que poderá pôr em ruptura o SNS.
O número de camas para internamento e sobretudo para cuidados intensivos tem seguramente um limite de crescimento e há que, a todo o custo, comprimir o número de novos casos.
É muito preocupante que o nosso país seja neste momento um dos que, a nível mundial, têm um maior número de casos e de mortes por cem mil habitantes.
A criação, fabrico e administração de vacinas em menos de um ano é um feito da ciência admirável, só possível pela cooperação de cientistas de todo o mundo e que veio trazer-nos esperança em dias melhores.
Só algum preconceito ideológico tem feito com que a Sra. Ministra da Saúde e este governo fale só em Serviço Nacional de Saúde e não em Sistema Nacional de Saúde que inclui o sector social e os privados.

Confinar sem fechar as escolas é uma medida aceitável?
Parece-me que seria mais razoável encerrar o ensino secundário e universitário nesta primeira fase mantendo os ATL abertos. Existe grande probabilidade da necessidade de um confinamento rigoroso a curto prazo se quisermos ganhar tempo e salvar mais vidas.

Como avalia a resposta que o Governo tem dado à pandemia?
Na chamada primeira onda fizemos, e bem, um verdadeiro confinamento face ao desconhecimento e impreparação do Sistema Nacional de Saúde.
No Verão foi transmitida a imagem de que tudo estava controlado e que se podia ir retomando a vida normal. Em Setembro percebeu-se rapidamente que iriamos ter um Inverno muito complicado, mas o Governo não actuou, antes pelo contrário, aliviou no natal, ao contrário de outros países. As consequências são as que estamos todos a ver.
Não posso concordar também com o folclore mediático feito à volta das primeiras administrações das vacinas.
Finalmente, perante o grande aumento de casos, levou muito tempo, (e aqui o tempo são vidas) – mais de uma semana, entre comunicar que provavelmente iria decretar novo confinamento e a sua efectivação. Com tantas excepções vai ser pouco eficaz. Mais uma vez, o Governo vai ter de andar a correr atrás do prejuízo.
De certeza que, em estado de emergência, seria possível ouvindo na mesma os técnicos, e a Assembleia da República, actuar em 24/48 horas.

Actualmente, é presidente da Mesa da Assembleia Sub-Regional da Ordem dos Médicos. Quais são as principais preocupações que têm chegado à ordem?
A enorme pressão por que estão a passar as estruturas de saúde e os médicos (e também os outros profissionais de saúde), levantam questões de equidade no acesso e tratamento dos doentes não Covid e que será uma das causas do grande aumento da taxa de mortalidade no país.
Infelizmente morrem demasiados doentes com Covid mas também morrem demasiados doentes não Covid por falta de assistência em tempo clinicamente aceitável.
Preocupam muito as condições de trabalho nomeadamente a pressão constante e a sobrecarga.

Foi durante alguns anos presidente da Assembleia Municipal de Santarém. De onde lhe vem esta disposição para a intervenção cívica?
Talvez por ter sensibilidade social e um sentido grande de justiça que resultou da minha educação. Sendo médico a contactar diariamente com pessoas que sempre partilham não só as maleitas, mas também os problemas e as dificuldades da vida, estimulou muito a necessidade de contribuir como cidadão.
Participar e contribuir para a melhoria da qualidade de vida da comunidade que integramos deve ser uma obrigação, mas também um direito de todos.

Pondera, um dia, regressar à vida política activa?
Embora tenha sido uma experiência humana fantástica, em que conheci muita gente boa, dedicada e competente, não está no meu horizonte regressar.

No centenário de Bernardo Santareno, chegou a ser aventada a possibilidade de atribuir o nome do médico ao Hospital de Santarém. Concorda? Ou o nome do professor doutor José Manuel Pinto Correia, médico especialista em gastroenterologia, nascido em Tremês, seria mais adequado?
Os dois nomes referidos merecem-me o maior respeito e consideração. Lembro ainda o Dr. António Correia de Lima ilustre médico cirurgião que foi director do hospital de Santarém no início da construção do SNS e Director Geral dos Hospitais. foi o grande impulsionador da construção e instalação do novo hospital de Santarém. Acontece que o HDS é dos poucos que não foi agregado em Centro Hospitalar e fica a meu ver muito bem sendo “apenas” Hospital Distrital de Santarém.

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