Teresa Lopes Moreira – Investigadora e Amiga de Joaquim Veríssimo Serrão

Joaquim Veríssimo Serrão nasceu em Santarém, a 8 de Julho de 1925, sendo filho do comerciante de mercearias, Joaquim Pereira Vicente Serrão (1904-1990) e de Adriana dos Santos Veríssimo Serrão (1903-1940), neto paterno de Joaquim Vicente e Gertrudes Pereira, bisneto de Margarida de Jesus, José Pereira e Damásia Maria.

Em Maio de 1940, Joaquim Veríssimo Serrão de 12 anos e a sua irmã Maria Margarida perderam a sua jovem mãe, na idade de 37 anos, o que o marcou profundamente, abalando os seus estudos liceais. A crise familiar agudizou-se quando, a 26 de Dezembro de 1942, o pai casou em segundas núpcias com Aida de Jesus Carneiro, na cidade de Lisboa.

Em 1943, concluiu os seus estudos no Liceu de Santarém tendo ingressado na Faculdade de Direito, da Universidade de Coimbra, para, no ano seguinte, ter optado pelo curso de Ciências Histórico-Filosóficas, tornando-se discípulo dedicado de grandes mestres como Damião Peres, Joaquim de Carvalho, Francisco Rebelo Gonçalves, Mário Brandão e Manuel Lopes de Almeida.

Joaquim Veríssimo Serrão

Quando Joaquim Veríssimo Serrão chegou a Coimbra, adivinhava-se o fim da II Guerra Mundial e a consequente derrota das ditaduras, assim como a organização do Movimento de Unidade Democrática (MUD). O meio universitário encontrava-se em ebulição devido a Francisco Salgado Zenha (1923-1993) ter sido o primeiro aluno eleito presidente da direcção da Associação Académica de Coimbra, a 13 de Dezembro de 1944. A eleição de um estudante de Direito ligado ao partido Comunista, desde 1940 alterou os padrões pelos quais se regia a Academia coimbrã, pois “desde os anos 30, que o regime vigente procurou submeter organicamente os estudantes e as suas estruturas organizativas à Universidade e ao governo, através da suspensão da presença de estudantes na Assembleia Geral da Universidade e no Senado Universitário, pela nomeação de Comissões Administrativas da confiança do poder, para gerir os destinos da Associação Académica.

Aproveitando uma questão jurídica, quanto à nomeação de Arménio Cardo, uma vez que este havia sido nomeado para presidente da Associação Académica, no ano lectivo 44/45, quando já não era estudante, pois já concluíra o seu curso, Zenha é eleito em Assembleia Magna convocada pelo Conselho de Veteranos, rompendo com o ciclo das Comissões Administrativas e marcando um momento de ruptura da Associação Académica com a Universidade e com o governo” (Paulo Marques da Silva, “A PIDE e os seus informadores. O Caso de Inácio”, 2019, p. 99).
Após tomar posse a 13 de Janeiro de 1945, perante o reitor Maximino Correia, Salgado Zenha passou a reivindicar eleições livres para a Associação Académica e que os alunos estivessem representados no Senado e na Assembleia Geral da Universidade. Perante a agitação vivida no mundo estudantil e a distribuição de panfletos comunistas, essencialmente no meio universitário de Coimbra, a PIDE apertou a vigilância, especialmente através do seu informador António Reis Júnior (1899-1974), usando a identidade de Inácio. Através dos relatórios desse informador percebe-se que os principais suspeitos da distribuição do “folheto dos estudantes” eram Salgado Zenha e os seus amigos Joaquim Namorado, João José Cochofel, Carlos Rodrigues, Mário Rodrigues e Rui Feijó.

A direcção da Associação Académica foi convidada pelo reitor a participar numa manifestação de agradecimento a Salazar por este ter preservado a neutralidade de Portugal durante a II Guerra Mundial. Zenha convocou uma assembleia magna para consultar a Academia sobre o convite, apesar da oposição que “os estudantes nacionalistas” lhe moviam. A maioria dos participantes da assembleia opôs-se à participação dos seus dirigentes na referida manifestação. Perante o sucedido, a direcção de Zenha foi demitida a 29 de Maio de 1945 e foi imposta uma Comissão Administrativa.

Entretanto a vida académica coimbrã prosseguia apesar da bipolarização entre estudantes oposicionistas e situacionistas, encontrando-se os primeiros bastante descontentes com as posições do reitor Maximino Correia. A fricção acelerou com a apreensão do livro “Relatório”, de autoria de Salgado Zenha. Em finais de 1945, este passou a ser responsável pela organização da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas, em Coimbra.

Neste período, a convite de Virgílio Arruda, Joaquim Veríssimo Serrão iniciou a sua colaboração com o jornal “Correio do Ribatejo”. O primeiro artigo intitulado “A História Mestra da Vida” foi escrito em Coimbra, no mês de Fevereiro, e publicado na edição de 9 de Março de 1946. Nesse ano, a 30 de Novembro, ainda publicou o artigo “O sentimento de angústia na obra de Guilherme de Azevedo”, o primeiro de uma panóplia de textos sobre o poeta escalabitano.

“Ensaio Histórico sobre o Significado e Valor da Tomada de Santarém aos Mouros em 1147”, foi o seu primeiro estudo histórico, publicado em Abril de 1947, composto e impresso na Tipografia Silva, de Santarém, financiado pelo pai Joaquim Vicente Serrão e inserido nas festividades do oitavo centenário da tomada de Santarém aos mouros. O conterrâneo Francisco Rebelo Gonçalves prefaciou a obra reconhecendo ao autor juventude e entusiasmo e profetizou que “se Joaquim Serrão prosseguir, como é de esperar e desejar, nos estudos históricos portugueses, para os quais lhe não faltam inteligência, capacidade de trabalhar e boa formação universitária, poderá um dia orgulhar-se de ter começado pela própria terra natal” (p. 8).

Em 1947, Salgado Zenha voltou a envolver-se na necessidade de se realizaram eleições livres para a Associação Académica e expulsar a direcção de índole nacionalista. Para tal contavam com a colaboração de alguns professores como Paulo Quintela, Joaquim de Carvalho, Sílvio Lima e Lúcio de Almeida. Nesse âmbito, decorreu uma assembleia-geral extraordinária, no salão nobre da Faculdade de Letras, a 7 de Fevereiro. As eleições decorreram a 28 de Fevereiro, obtendo a vitória a lista afecta aos estudante opositores do regime, elegendo Augusto Amorim Afonso, Manuel Camões, Vasco Queirós, Luís de Albuquerque e Aniceto António Martins. A 11 de Março, as eleições foram impugnadas por decisão ministerial pois Luís de Albuquerque tinha que escolher entre a Associação ou o seu lugar de assistente universitário de Álgebra e Cálculo, pelo qual optou. Os outros eleitos rejeitaram a inclusão na lista do estudante nacionalista Augusto Pinto das Neves e propunham novas eleições. A 9 de Abril, Salgado Zenha foi preso, o que levou a ser decretado o luto académico, apesar da oposição dos estudantes nacionalistas. A 3 de Maio, um grupo de estudantes deslocou-se a Lisboa, para se encontrar com o ministro da Educação, para que este intercedesse pela libertação do colega. A agitação estudantil alastrou-se à Faculdade de Medicina de Lisboa.

Entre Fevereiro e Março de 1948, foram discutidos e aprovados os novos estatutos da Associação Académica de Coimbra. Antes do acto eleitoral surgiu um panfleto assinado por vários estudantes a apelar ao voto nestes novos Estatutos para estabelecer a legalidade da instituição. Joaquim Veríssimo Serrão foi um dos estudantes signatários do documento juntamente com Augusto Amorim Franco, Virgílio Simões Moreira, Eduardo Sousa Santos, Vasco António Ramos Eloy, José Joaquim Brito Ribeiro Vasco, Maria Alzira Cabral Agatão Lança, Orlando Alves Pereira de Carvalho, Deodato Nuno Azevedo Coutinho, Maria Elisa Monteiro Pina de Morais, Maria Augusta Lobo Barros Mimoso, Manuel João Tenreiro Carneiro, Joaquim de Sousa e Castro, Fernando Rui Corte Real Amaral, Adelino Augusto Miranda de Andrade, Nuno Peçanha Teixeira Neves, Ana Maria Biscaia, Maria José Carvalheira, José Monteiro Correia Alves, João Maria dos Reis Pereira, Luís Simões Dias Cardoso do Vale, José Gomes Palmeiro da Costa, Henrique Nunes da Silva, Manuel Nobre de Melo Pinheiro, José Magalhães Simões Freire, Manuel Ruivo Martins e Francisco Teixeira Queirós Taveira.

Para o informador da PIDE, Inácio, todos estes estudantes eram comunistas, excepto Eduardo Sousa Santos, Orlando Alves Pereira de Carvalho e Fernando Rui Corte Real Amaral apelidados de MUD Juvenil, católico progressista e germanófilo, respectivamente. Não deixa de ser uma adjectivação exagerada no caso de Joaquim Veríssimo Serrão, mas permite-nos perceber que o jovem estudante universitário não se tinha acomodado ao regime e, no calor da juventude, estava disposto a lutar por aquilo em que acreditava. Num outro relatório enviado à PIDE, Inácio “traçava um perfil de Joaquim Veríssimo Serrão que fazia parte de um grupo (…) que provocava desordem dentro da Academia e procurava perturbar o ambiente, por qualquer pretexto, convocando depois reuniões na Associação Académica, sempre sob as ordens de Salgado Zenha” (Idem, p. 121). Para Inácio, quando Salgado Zenha foi preso Veríssimo Serrão tomou “grande e aberto partido a seu favor”, destacando-se o seu trabalho de propaganda no meio universitário, “sendo muito notória a sua acção avançada” (Idem).

Em 1948, Joaquim Veríssimo Serrão concluiu a sua licenciatura com a média de dezasseis valores, sendo o aluno melhor classificado do seu curso. A sua tese de licenciatura abordava o “Sentido da História – Breve Introdução a um Problema”. Nesse ano, editou A “Mundividência na Poesia de Guilherme de Azevedo” e proferiu conferências sobre o poeta no Club Literário Guilherme de Azevedo, em Santarém.

1 comment
  1. Tive a alegria de saber que um dos professores da Universidade de Coimbra que na década de 40 do século XX que apoiaram as reivindicações dos estudantes mais progressistas foram entre outros o meu avô paterno Lúcio de Almeida que é citado em conjunto com Paulo Quintela, Joaquim de Carvalho e Sílvio Lima.

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