Quando se pensa na evolução do padrão de vida de uma qualquer comunidade somos levados a pensar na introdução de medidas ou de inventos muito complexos, que pudessem operar expressivas mudanças na vivência quotidiana dos membros dessa comunidade. Mudanças operadas a passos gigantes…
Mas, não, muitas vezes o salto evolutivo ocorreu através da introdução de pequenos nadas. Pequenos, aos nossos olhos de hoje, posto que, convenhamos, não hão-de ter sido, assim, tão simples nem tão pequenos no seu tempo. Quando se descobriu a roda o mundo nunca mais foi o mesmo, tantas foram as possibilidades de utilização deste tão importante invento, nomeadamente ao nível do transporte e das indústrias, ainda que artesanais.
A ideia de um transporte de duas rodas movidas pela força do homem, que se deslocava “montado” no próprio veículo, parece ter surgido já em desenhos de Leonardo da Vinci, embora o demorado processo de evolução tecnológica que originou a bicicleta, mais ou menos como a conhecemos em meados do século passado, se tenha arrastado até quase aos finais do século XIX. A bicicleta com duas rodas de diâmetro idêntico, com um quadro onde se aplicava um selim, dois pedais que puxavam uma corrente através de uma roda dentada e de um pinhão, e um sistema de travagem através do aperto de dois calços de cabedal, ou de borracha, no aro de cada roda, foi um invento já de alguma exigência técnica, pelo que a sua massificação tardou a acontecer, devido, sobretudo, ao custo que atingia um veículo assim.
Quando surgiram as primeiras bicicletas a pedais nas aldeias e vilas do nosso país, a mundividência desta gente alterou-se significativamente, na medida em que o recurso a um veículo deste tipo permitia ao seu utilizador deslocar-se uma distância cinco ou seis vezes superior à que poderia percorrer a pé ou em veículos de tracção animal.
Fosse por questões de trabalho ou de negócio, o biciclista poderia deslocar-se da sua terra quarenta ou cinquenta quilómetros num dia, distância que nunca alcançaria se se deslocasse a pé, para além de que estas bicicletas já podiam assegurar o transporte de alguns bens, ou mercadorias, através do suporte que se fixava sobre a roda traseira.
Quem não se lembra de ver os padeiros ou os peixeiros andarem de porta em porta para fazerem a venda do pão cozido na véspera e do peixe vindo dos portos mais próximos?
Anteriormente, uma pessoa nascida numa aldeia situada a algumas léguas de uma vila ou cidade importante passava quase toda a vida sem se afastar da terra que lhe servira de berço mais de meia dúzia de quilómetros. Ou ia à sede de concelho tratar de formalidades legais, relacionadas com o casamento e o registo dos filhos ou por alguma questão de partilhas, ou ia às feiras de ano, onde se mercadejava o que era preciso para a vida da família e se tentava aproveitar alguma diversão, que era coisa muito pouco frequente na vida da aldeia, e pouco mais. Sendo homem sempre poderia deslocar-se um pouco mais longe, até ao quartel militar para onde fosse, eventualmente, recrutado…Num tempo em que ainda não havia telefonia, quando os jornais não chegavam a estas aldeias isoladas no interior do país, as estradas não passavam de carreiros de cabras e os transportes eram, apenas, os de tracção animal, o mundo acabava, a bem dizer, onde findava a linha do horizonte. Onde o azul do céu tocava o chão, que consumia até à exaustão, as forças dos trabalhadores, compensados, apenas, por magras jornas.
Sinais dos tempos de evolução foram estas molas presas nas calças, como viria a ser, mais tarde, o capacete para quem já tinha uma motorizada, ou as chaves de um automóvel, muito mais recentemente. Chegar a uma taberna ou a um café, que então, começavam a substituir as antigas tabernas, e atirar ostensivamente a chave do automóvel para cima da mesa, de modo a que todos os presentes ouvissem, era sinal de um certo estatuto social.
Enfim, muitas vezes não valorizamos estas pequenas evoluções sociais, nem sempre relacionamos a causa e o efeito da introdução de simples instrumentos mais modernos, mas que foram muito importantes no seu tempo, lá isso foram.
Ludgero Mendes