Juiz Jubilado Antunes Gaspar afirmou, terça-feira à noite, 26 de Outubro, em Santarém, que o sistema de reinserção social do delinquente “está fragilizado e não funciona”. O magistrado considera que esse mau funcionamento acarreta um “grave prejuízo para as vítimas”, sendo estas o “alvo principal” de quem sai do sistema prisional.

“Hoje ouvimos: ‘saiu em precária e cometeu homicídio’. É fundamental que o sistema funcione e que acabe com a “sensação de fragilidade” sentida pelo cidadão.

O Juiz aponta a “recuperação do delinquente” como o objectivo fundamental para que “a sociedade possa ter confiança no sistema quando ele voltar à rua”.

Antunes Gaspar foi o convidado do Rotary Clube de Santarém no jantar/conferência que o clube promoveu, subordinado ao tema “A violência na Terceira Idade”.

“Um tema que nos cria desconforto”, assumiu desde logo no início das conversas. “O envelhecimento populacional está prestes a tornar-se numa das transformações sociais mais significativas do século XXI, com implicações transversais a todos os sectores da sociedade”, afirmou.

“A velhice tem sido pensada, quase sempre, como um processo degenerativo oposto a qualquer progresso, como se nessa etapa da vida deixasse de existir o potencial de desenvolvimento humano”, admitiu, constatando que “o estereótipo tradicional da velhice é o de pessoas doentes, incapazes, dependentes, dementes, rabugentas, impotentes, um problema e ónus para a sociedade”.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a velhice começa aos 65 anos. No entanto, considera, “não se deveria restringir, a noção de idoso a uma questão temporal ou cronológica pois é mais do que isso: estar velho, é estar dependente”, frisou.

Contudo, reflecte, “a idade não é um factor válido para a dependência na terceira idade, uma vez que encontramos dependência quer a nível físico, psicológico ou intelectual nas faixas anteriores à faixa etária da terceira idade, ou seja, a problemática da dependência na verdade pode ser provocada por um conjunto de factores, como a saúde”.

Portugal, assim como outros países da Europa, tem vindo a registar nas últimas décadas profundas transformações demográficas caracterizadas pelo aumento da longevidade e da população idosa e pela redução da natalidade e da população jovem.

Em 2015, as pessoas com 65 ou mais anos representavam 20,5% de toda a população residente em Portugal. Neste mesmo ano, a esperança de vida atingiu os 77,4 anos para homens e 83,2 anos para as mulheres (PORDATA, 2016). O índice de envelhecimento em Portugal passou de 27,5% em 1961 para 143,9% em 2015 (PORDATA, 2015), o que naturalmente “exerce um forte impacto na sociedade como um todo e exige adaptações e respostas em diversos níveis, nomeadamente por parte dos seus sistemas de suporte, como é o caso dos sistemas de saúde, segurança social, educação, justiça e transportes”, notou o conferencista.

“É surpreendente como se tem escrito tão pouco acerca dos direitos dos idosos no nosso país. Enquanto noutros países, o direito dos idosos faz parte dos planos de curso de algumas Faculdades de Direito, e é fácil encontrar livros e artigos sobre o tema, uma busca ainda que apressada acerca da matéria em Portugal apresenta resultados muito pouco satisfatórios, não existindo grande investigação sobre o assunto, grande reflexão acerca da forma como a idade influencia as soluções legais ou justifica formas específicas de resolução dos problemas em sede de aplicação do direito”, prosseguiu.

Antunes Gaspar defendeu também que a “elaboração de uma Convenção sobre direitos das pessoas idosas é o único caminho em face do falhanço das iniciativas que vêm sendo trilhadas desde os anos 90”.

Uma Convenção que em seu entender deverá “proibir todas as formas de discriminação contra idosos em todos os aspectos da vida”, considerou.

Antunes Gaspar referiu-se, ao longo da conferência, ao enquadramento jurídico existente relativo à pessoa idosa, à violência e crimes praticados contra idosos que considera estar “directamente relacionada com o enfraquecimento do estatuto social do idoso e com uma série de modificações sentidas ao nível da estrutura familiar e económica da sociedade moderna”.

“O fenómeno da violência contra as pessoas idosas é hoje ainda um assunto estritamente familiar diluindo-se na esfera doméstica como lugar de reserva e intimidade tornando-se por isso difícil o seu conhecimento e prova”, admitiu.

“A dificuldade das próprias vítimas em denunciarem os actos de violência de que são alvo pelos próprios familiares, faz com que as mesmas sintam culpa pelo laço de parentesco, silenciando e isolando-se levando assim a que o problema seja ocultado na esfera familiar”, acrescentou.

Referindo as diferentes formas de violência sobre os idosos – abuso físico, psicológico ou emocional, financeiro, económico ou material, abuso sexual, ou a negligência, “acto de omissão de auxílio do responsável pela pessoa idosa em providenciar as necessidades básicas necessárias à sua sobrevivência” – Antunes Gaspar referiu-se ainda ao papel das forças de segurança nas acções de sensibilização junto da população mais idosa, casos da GNR através dos “Censos Sénior” que em 2020 sinalizou 42.439 idosos que vivem sozinhos ou isolados, ou em situação de vulnerabilidade e também ao Programa Apoio 65 – Idosos em Segurança, da PSP, dedicado ao policiamento de proximidade.

Antunes Gaspar finalizou a conferência citando o escritor Carlos Drummond de Andrade: “Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”.

Seguiu-se um período de perguntas e respostas entre o Juiz Antunes Gaspar e os rotários presentes na conferência.

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