O ano de 2021 iniciou-se da pior maneira no que se refere à Cultura.

O primeiro dia do ano trouxe-nos uma notícia fulminante, triste e sombria: a morte de Carlos do Carmo.
Para quem, como eu, acompanhou a sua carreira ao longo da minha existência, o seu desaparecimento constitui uma enorme perda.

Carlos do Carmo não era apenas um fadista. Carlos do Carmo era o Fadista. O Cantor. A Voz.
Tudo por ele era cantado de forma simples, facilmente escutado, com uma dicção perfeita, em que a música e a letra se uniam de forma exemplar.

Carlos do Carmo cantava as músicas de Frank Sinatra, com uma paixão tal, que quase nos levava a acreditar que as canções, afinal, até poderiam ter sido escritas para ele.

No início da sua carreira soube quebrar com as tradições, inovando o Fado.

Não enveredou pela lógica dos tempos dos Fados marialva ou Fado trágico. Quis fazer a diferença, o que desde logo lhe valeram críticas pelo romper das tradições.

De Ary dos Santos a Fernando Tordo, de José Saramago a Joaquim Pessoa, de Manuel Alegre a Vasco Graça Moura, Carlos do Carmo desenvolveu uma carreira cantando letras de autores seus contemporâneos, elevando o fado para outro nível que só a Grande Amália Rodrigues o havia feito.

A sua voz e a vontade de fazer diferente, foi levando-o a cantar seguindo uma lógica mais comum, com acompanhamento de viola e guitarra, ou com piano e clarinete e, como aconteceu por diversas vezes, misturando os instrumentos tradicionais do fado com a musicalidade e harmonia de orquestras.

Homem culto e muito inteligente percebeu bem que tinha de preparar o futuro para novos fadistas e para a defesa do fado. Só assim a música que tanto gostava podia ter continuidade e garantias de futuro
Não estranhou por isso o seu papel no apoio e consolidação de carreiras de tantos novos artistas como foi o caso de Camané, Mariza, Carminho, ente outros.

Paralelamente, teve papel determinante na criação do Museu do Fado e foi o principal impulsionador da candidatura do Fado a Património Cultural e Imaterial da Humanidade, conforme viria a ser reconhecido pelo UNESCO, em novembro de 2011.

Teve a clarividência de anunciar a sua retirada dos palcos, em 2019, com dois magníficos espetáculos no Porto e em Lisboa. Quando ainda tinha uma voz imaculada e com toda a qualidade que lhe era reconhecida.
Fez do seu profissionalismo e respeito pelo público a sua forma de estar e foi interventivo na sociedade portuguesa sempre que achou que era importante fazê-lo.

No momento da entrega dos prémios Goya, em 2009 (Espanha), ou em 2014 quando recebeu o Grammy Latino (Estados Unidos da América) fez questão de partilhar os seus prémios com todos os portugueses, “as gentes da minha terra”.

Carlos do Carmo foi muito mais do que fadista, cantor ou artista. Carlos do Carmo, expoente máximo da Cultura Portuguesa, foi e continuará a ser o Sr. Fado. E por tudo isto lhe devemos um enorme Obrigado!

Ricardo Segurado – Jurista

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