O que nos ensinaram os mais antigos é que “os toiros querem é Sol e moscas”!

Talvez que este rifão taurino já tenha tido melhores dias, porque no presente o que os aficionados mais privilegiam é um bom lugar de sombra e sem a perturbação das moscas… Já que às vezes há umas “melgas” que não conseguimos evitar…

Mas, não haja dúvidas que o calendário taurino mais tradicional se estende pelas estações de primavera, verão e outono, tendo o seu início em Domingo de Páscoa e o seu termo no Dia de Todos os Santos, o que já há algumas temporadas não se verifica no nosso país, posto que o primeiro espectáculo de cada ano taurino tem sido o Festival de Mourão, no dia 1 de Fevereiro.

Mas, estas alterações até nem trazem mal nenhum ao mundo, pois as tradições nascem, ou melhor dizendo, inventam-se, cultuam- se e vão evoluindo, muitas vezes até à sua extinção. Todos nós temos esta percepção da vida, embora muitas vezes tentemos à tripa forra tapar o Sol com a peneira e manter tradições que já não têm aceitação, ou que vão perdendo o seu fulgor.

Um exemplo. O calendário taurino de Santarém era pautado por duas grandes feiras de ano – a do Milagre, em Abril, e a da Piedade, em Outubro. Um pouco mais tarde criou-se a Feira do Ribatejo e logo surgiu mais uma feira taurina, que ganhou foro de tradição.

Sinal dos tempos e da falta de visão estratégica dos políticos escalabitanos, as feiras do Milagre e da Piedade, tão importantes e tão concorridas que eram, extinguiram-se, vivendo hoje apenas na memória saudosa dos mais velhos, em cujo grupo já me incluo.

Permanece ainda a Feira do Ribatejo, embora actualmente seja uma sombra do que já foi, pois nos seus tempos áureos, com Celestino Graça à frente do leme, realizavam- se cinco ou seis espectáculos, quando na actualidade apenas se realizem dois, desperdiçando-se até os domingos de Feira.

É grave? Não! Graves são as situações que possam decorrer de uma situação de doença de algum de nós ou dos nossos familiares, ou uma situação de desemprego de longa duração, que possa pôr em causa a nossa normal subsistência. Agora nisto dos toiros, mais corrida menos corrida bate tudo certo. Até um dia… Sim, até um dia, porque como manifestação tradicional que é também cumprirá os seus ciclos, entre os quais um dia acontecerá o da sua extinção.

Este tipo de reflexão não colhe muitos favores junto dos aficionados mais fanáticos que deixam turvar a sua lucidez com a intensidade da sua paixão e do seu gosto, porém, nem sempre fazem por evitar que esse possa ser o seu fatal destino. Isto já lá não vai apenas com palavreado, é preciso obra, acção e convicção!

Tudo isto a propósito da corrida do passado domingo em Coruche, numa das suas datas tradicionais, a Feira de S. Miguel, data que outrora tinha uma relevância especial para o mundo rural, que hoje não existe nas mesmas circunstâncias. Nesse tempo era quando os lavradores faziam contas com os criados justos à sua casa, ou contratavam outros para o ano seguinte. Por isso, depois das vindimas e antes da apanha da azeitona havia algum alívio nos trabalhos e também algum dinheirito para comprar o que mais fazia falta em casa. Naturalmente, a festa também era sempre aguardada com grande expectativa, pelo que as toiradas tinham tanta adesão na época.

Depois da mecanização da agricultura e com a drástica redução dos trabalhadores rurais – agora substituídos, embora em muito menor quantidade por migrantes asiáticos – essa vivência extinguiu-se e com ela os hábitos e costumes que lhes estavam associados.

Pois, a corrida deste ano não logrou meter mais de ¼ da lotação do tauródromo da capital do Sorraia, o que poderá nem ter dado para pagar as despesas, embora esse seja um assunto que apenas deva preocupar o empresário e os profissionais que intervêm no espectáculo e na organização. São contas doutro rosário, embora todos gostemos que os empresários não percam dinheiro, pois negócio que não dê retorno ao investidor tem o destino traçado.

O cartel até reunia algum interesse, sobretudo a nível local, pois os três marialvas têm uma relação afectiva muito forte à região do Sorraia, onde vivem. Manuel Telles Bastos, Francisco Palha e António Ribeiro Telles (Filho) mereciam maior presença de público. Do seu público! A prestigiada ganadaria local de Dr. António Silva “competia” com a ganadaria de Canas Vigouroux, o que, por si só, também deveria atrair público aficionado ao “toiro”. E a nível dos rapazes das jaquetas de ramagens, a sadia concorrência entre os Forcados Amadores locais e os conceituadíssimos Amadores de Vila Franca de Xira também deveria levar mais gente à praça… Mas, tal não aconteceu, o que vivamente se lamenta.

Em tarde muito agradável, com temperatura amena, estavam reunidas as condições para uma corrida de boa memória, porém, tal não aconteceu.

Manuel Telles Bastos, o mais clássico dos marialvas da Torrinha, andou em muito bom plano, bregando como mandam as regras, preparando cada sorte a preceito e colocando as bandarilhas nos terrenos dos seus oponentes, como cumpre aos melhores, rematando em seguida para logo preparar a sorte seguinte. É assim que deve ser. Sem alaridos nem espaventos, mas com classe e com senhorio. Uma lição!

Francisco Palha é todo um toureiro de compromisso e de superação, nunca se satisfazendo com o que de bem vai fazendo. Pôs toda a carne no assador logo na primeira sorte de gaiola e depois teve engenho e arte para lidar correctamente um toiro mais reservado. No segundo do seu lote, toiro cumpridor e com recorrido, Francisco Palha abriu o compêndio e rubricou uma actuação de elevada qualidade, onde caldeou arte e emoção, técnica e empenho. Muito bem.

António Ribeiro Telles (Filho), o mais jovem dos três primos em praça, não deixou os seus créditos por mãos alheias e fez jus à tauromaquia da Torrinha. Frente a toiros diferentes no seu comportamento, o mais jovem dos Telles em praça soube ajustar cada lide, eleger os melhores terrenos e andamentos mais adequados e colocou a ferragem em sortes muito meritórias, que o respeitável aplaudiu com entusiasmo.

As pegas estavam cometidas a dois valorosos Grupos de Forcados que solveram os respectivos compromissos com muita dignidade. Pelos Amadores de Vila Franca foram solistas Rodrigo Andrade, que consumou a sua sorte ao terceiro intento, André Câncio, que se fechou com galhardia ao seu segundo intento, dobrando Vasco Carvalho, anteriormente desfeiteado, e o Cabo Vasco Pereira, que concretizou uma valorosa pega à primeira tentativa. Os Amadores de Coruche lograram pegar todos os seus toiros ao primeiro intento, com coesas e eficazes ajudas, tendo sido solistas João Formigo, João Mesquita e Frederico Pinto. Boas intervenções dos peões-de-brega e atenta direcção de Manuel Gama, assessorado pelo médico-veterinário Dr. José Luís Cruz.

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