O Picareto de Mação foi o vencedor da final distrital de Santarém no concurso 7 Maravilhas da Cultura Popular, que concorreu à iniciativa na categoria de “artefactos”. Arlindo Consolado Marques, “Guardião do Tejo”, é o padrinho da candidatura.
A selecção do vencedor por distrito foi realizada através de votação do público, que terminou ontem no dia em que o programa da RTP1, onde foi dado a conhecer cada um dos patrimónios a concurso, em Ortiga, concelho de Mação.
Depois das fases finais de cada distrito serão conhecidos 20 dos 28 pré-finalistas. Haverá, no final de Agosto, dois programas em que será feita a repescagem de entre cinco a oito candidatos que ficaram em segundo lugar nas finais distritais.
O objectivo é ter 28 pré-finalistas de onde vão sair as 14 maravilhas que irão disputar a final nacional a 5 de Setembro. Será nesse momento que serão declaradas as 7 Maravilhas da Cultura Popular de Portugal.
O Picareto
No concelho de Mação foram construídos os últimos Picaretos anunciando-se o seu fim com o de quem lhes dedicou mais de 6 décadas de vida. A história dos Picaretos é mais antiga, são 300 anos de uso deste barco, ou bote, para a pesca e para o transporte de pessoas no Tejo.
Manuel Fontes, o último Calafate de Ortiga – Mação deixou-nos os seus últimos trabalhos, dos mais de 300 que fabricou, tendo começado com 22 anos a trabalhar com a obra preta: trabalho de madeira que mexe com resina e alcatrão.
Os Picaretos, por terem a forma de uma picareta agrícola, têm 6 metros de comprimento e são um barco de aresta, com fundo chato podendo navegar com um palmo e água. São, assim, muito bem construídos em cerca de 20 dias com recurso a cerca de 100 tábuas, de 4 pinheiros. Depois de construída a estrutura coloca-se a “estopa” nas costuras do barco, entre as tábuas, com recurso a uma calafetadeira e um maço. O leito leva um revestimento de pano-cru e, por cima, uma camada de pez ficando como que encerado.
O barco é parecido na sua divisão com o corpo humano, dividido em fundo, costado e leitos.
A tábua do centro, a espinha, é que manda em toda a obra, e as do lado são cortadas ao meio, para darem a curva, e depois leva travessas ou cavernas.
O costado é feito só de tábuas compridas, uma em cima que se chama de boca e outra ligada ao fundo que se chama aresta, tem um molde e é deitado um pouco para trás para fazer o esbarramento, como se diz, ou fica feio em jeito de uma arca e sem equilíbrio na água.
O Picareto tem dois leitos: o mais largo é o leito grande onde, em cima, se trabalham as redes e onde, por baixo, se dorme.
O leito pequeno, que é o da proa, onde se mete o serrão da “bucha” para comer e os sapatos, pois no barco é obrigatório andar descalço. A espessura da madeira que reveste o barco é de vinte milímetros.
Todas as peças do barco picareto, interiores e exteriores, têm uma designação própria, como os trancanis da proa, o cágado do remo, a tábua das bufas, o buraco do trapeiro, o entre pares, a chumaceira, a draga, o vertedouro ou os fiéis, entre outras.
Os barcos Picaretos são parte da nossa identidade, a par do Rio Tejo, sendo considerados autênticas obras de arte por conjugarem a experiência dos pescadores com a criatividade dos seus construtores. A técnica da sua construção passou de geração em geração e assumem-se hoje como um dos maiores bens da nossa história, com a certeza do seu fim, com a extinção dos Calafates, que foram muitos.
Em Ortiga, no sul do Concelho de Mação, vai inaugurar em breve o Núcleo Museológico, que será um um Polo Museológico das artes da pesca tradicional no rio Tejo, onde o Picareto tem lugar de honra assumindo-se como peça principal.
Por tudo isto, porque é uma criação maravilhosa que trazia auxílio aos pescadores e comida às mesas e porque ainda cruzam as águas do nosso Tejo, se apresenta esta candidatura do barco Picareto de Mação.