Ludgero Mendes – Amigo e Admirador de Joaquim Veríssimo Serrão

No quadro das comemorações do 95.º aniversário do nosso querido Amigo Joaquim Veríssimo Serrão, distinguiram-me com o desafio para escrever umas linhas sobre tão proeminente personalidade, o que aceitei com enorme satisfação e do que tentarei desincumbir-me com a dignidade que se impõe. Outros, com mais propriedade e maior brilhantismo, não deixarão de abordar a trajectória académica de excepcional craveira do antigo Reitor da Universidade de Lisboa e sempre lembrado presidente da Academia Portuguesa da História.

Quis o acaso, ou a sorte, de ter tido o privilégio de conhecer e contactar muito proximamente com o Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão numa idade ainda muito jovem e de ter tido como mediadores da Amizade que o tempo tem vindo a consolidar pessoas amigas como Celestino Graça, António Cacho e João Gomes Moreira. Acrescidamente, não esqueço a amizade que mantive com o Senhor Joaquim Vicente Serrão, saudoso pai do nosso Professor, que em longos serões no Café Central ou deambulando pelas velhas ruas da urbe escalabitana, me ia desvendando estórias da história da nossa cidade, intercalando-as com apropriadas e afectuosas referências ao seu dilecto Filho, um dos maiores cultores da histografia santarena e nacional.

Menino ainda, integrando o Grupo Académico de Danças Ribatejanas, fundado e dirigido até à hora da sua morte pelo conceituado etnógrafo Celestino Graça, tive os primeiros contactos com o ilustre Professor, aquando das visitas de estudantes universitários estrangeiros que frequentavam os Cursos de Verão de Português, organizados pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e que todos os anos demandavam Santarém, onde lhes era exaltada a relevância monumental e histórica da nossa Cidade, onde, igualmente, tinham o privilégio de degustar o melhor da nossa gastronomia, e, onde, em jeito de sobremesa cultural, Celestino Graça proferia uma eloquente lição sobre as tradições populares ribatejanas, momento em que o Grupo Académico ilustrava esta prelecção interpretando algumas danças e cantigas típicas do nosso Ribatejo.

O jovem estudante Joaquim Veríssimo Serrão marcou a vida académica de Santarém, alinhando em serenatas de amigos do Liceu, onde marcava presença constante o João Moreira, assumindo a direcção da “Briosa” Académica de Santarém, onde promoveu interessantes jornadas culturais, tendo convidado figuras ilustres da cultura regional e, igualmente, de projecção nacional. Nestas funções, Veríssimo Serrão afirmou a sua capacidade empreendedora e o notável espírito de congregação dos jovens do seu tempo, responsabilizando-os, até, para proferirem algumas conferências, levando-os a sair das suas áreas de conforto, no que em muito se valorizavam. Que o diga o Dr. Joaquim Martinho!

Verissimo Serrão e António Moreira

António Cacho e João Moreira foram dois dos seus mais dilectos amigos, cumprindo, igualmente, referir o Dr. José Manuel Nogueira Gonçalves e o Sr. Antunes, da Telux, mas, os amigos do Prof. Veríssimo Serrão eram, de facto, em grande número…

Muito cedo Joaquim Veríssimo Serrão se interessou pelas coisas da nossa Cidade, sendo significativo que entre a sua vasta e prestigiada bibliografia as primeiras obras publicadas tivessem Santarém como foco. Primeiro, a publicação de um “Ensaio histórico sobre o significado da tomada de Santarém aos mouros em 1147”, no ano em que se assinalava o oitavo centenário sobre este importante fasto da história pátria, e, no ano seguinte, do estudo sobre “A mundividência na poesia de Guilherme de Azevedo”, justamente no ano em que concluiu a sua licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, em Coimbra (1948). Dois anos volvidos publicou o livro “Santarém na História de Portugal” e poucos anos depois publicou “Santarém – História e Arte”, dois trabalhos de elevado mérito onde ficou plasmado o grande amor deste Ilustre Scalabitano à sua amada Santarém.

Os primeiros anos da sua vida profissional viveu-os em França, onde foi Leitor de Cultura Portuguesa na Universidade de Toulouse, e após o seu doutoramento e a assumpção de docência na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, esteve em Paris, onde dirigiu o Centro Cultural Português, da Fundação Calouste Gulbenkian. Em qualquer uma destas cidades francesas todos os seus amigos de Santarém se sentiam em casa, pois, a residência do nosso querido Professor estava-lhes sempre franqueada.

Apesar desta estadia fora de Santarém e do nosso país, o seu pensamento estava sempre centrado neste rincão, pelo que amiúde aqui regressava para retemperar as saudades da sua terra e dos seus Amigos. A sua obra crescia a olhos vistos, mercê de uma extraordinária capacidade de trabalho e de disciplina, sujeitando-se a um horário alargado para aprofundar as suas pesquisas e vertê-las em livros ou em apreciadas conferências, onde patenteava os seus bastos conhecimentos, a par de uma eloquente expressão oratória.

Quando estava, de passagem, em Santarém visitava os seus amigos, entre os quais o saudoso Dr. Virgílio Arruda, e cruzando-se nas ruas com velhos companheiros de escola era saudado com ternura e admiração. Todos se lhe dirigiam tratando-o por “Senhor Professor”, porém, eram de imediato advertidos de que o deveriam tratar apenas por Joaquim, ou, caso contrário, não lhes falaria. Sinal de uma humildade singular, que os amigos dos bancos da escola respeitavam, mas contrafeitos, pois, não se sentiam bem a tratá-lo por tu. Contudo, esta era a regra. Cumprida por todos.

Quase no final da sua longa e prestigiada carreira profissional, o Prof. Veríssimo Serrão envolveu-se no sonho de fundar em Santarém um polo universitário, que seria o Instituto Politécnico de Santarém, desígnio que entusiasmou a sociedade ribatejana, em cujo núcleo dinamizador pontificavam muitos dos seus amigos de sempre, porém, as contrariedades da política partidária e lamentáveis questiúnculas ideológicas desmoronaram este projecto, que viria mais tarde a ser consumado, embora sem a expressão e o fulgor desejados pelo Prof. Veríssimo Serrão. Uma vez mais os escalabitanos se uniram em torno deste ilustre Cidadão, testemunhando o elevado apreço que nutriam por si e pela sua louvável iniciativa.

Em diversas oportunidades, o Professor Veríssimo Serrão teve o ensejo de afirmar a sua admiração por algumas figuras de Santarém, nomeadamente Celestino Graça, Dr. Virgílio Arruda, Dr. Joaquim Gonçalves Isabelinha, Eng.º Edmundo Vaz Mourão, Dr. José Manuel Nogueira Gonçalves e João Gomes Moreira, para além de marcar presença assídua nos Convívios anuais dos Antigos Alunos do Liceu Nacional de Santarém, onde se reencontrava com alguns dos seus Amigos de todos os tempos e de todas as circunstâncias.

O Prof. Veríssimo Serrão não cultivava amizades por quaisquer interesses colaterais ou oportunistas, bem pelo contrário, fazendo questão de estar mais próximo dos seus Amigos quando estes, por qualquer razão, atravessavam períodos de algum desconforto ou constrangimento. Disso, constitui prova evidente a relação de amizade que preservou com o Prof. Marcello Caetano, mesmo após o seu forçado exílio no Brasil, o que deu origem à publicação de dois interessantes livros onde revelou a frequente troca de correspondência entre si. Amizade e admiração a toda a prova, mesmo em tempos em que era mais cómodo o afastamento ou o silêncio. Mas, tais atitudes desonrosas não eram apanágio do nosso querido Professor, pelo que o nosso respeito e admiração sempre medraram com esse fermento único da Amizade.

Parabéns, Prof. Joaquim Veríssimo Serrão! Muito Obrigado por tudo quanto nos legou, desde o magnífico espólio cultural que constitui o seu Centro de Investigação, à sua extensa e prestigiada bibliografia, testemunhos de uma vida inteira de trabalho de pesquisa imaculada, como os exemplos de uma cidadania maior e inquestionável, onde os afectos sempre estiveram presentes.

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