A diocese de Santarém celebrou, a 25 de Novembro, os quatro anos de tomada de posse do seu bispo, D. José Traquina. Na altura, o prelado afirmou, na sua homilia, que “chegou sem projecto”, mas com o sínodo continua “o desejo de caminhar”. “Não procuramos modernidade, mas renovação à luz do espírito”, afirmou, destacando a necessidade de contar uns com os outros e como o processo sinodal luta contra o individualismo que tenta ganhar espaço entre nós. Nesta entrevista ao Correio do Ribatejo, D. José Traquina faz o balanço destes quatro anos à frente de uma diocese que se tem preocupado em assegurar junto da comunidade o apoio espiritual e pastoral. Sobre a pandemia de Covid-19, o bispo de Santarém não tem dúvidas que um ensinamento que retiraremos, enquanto Humanidade “é a consciência da nossa fragilidade e vulnerabilidade”.

Que balanço faz destes quatro anos à frente dos destinos da Diocese de Santarém? Quais as principais preocupações e desafios que enfrentou?
Numa Diocese, a pessoa do Bispo é sinal da unidade de toda a comunidade diocesana. Penso que apesar de algumas limitações e contratempos, foi possível a proximidade junto das comunidades. Em todo o lado houve acolhimento mútuo e as pessoas sabem do esforço que tem sido feito para assegurar junto delas o apoio espiritual e pastoral, graças à disponibilidade dos nossos padres que têm correspondido da melhor vontade.
As preocupações mais desafiantes são: a redução do número de padres na Diocese, as dificuldades das Instituições sociais e o desafio pastoral em tempo de pandemia.

Como avalia a resposta da Diocese a estes tempos de pandemia? Como é que Igreja enfrentou esses momentos difíceis? Como foi vivenciada a fé no meio dessa crise?
Na maioria das comunidades, penso que foi promovida a melhor resposta possível. Foram promovidas muitas reuniões pelos meios telemáticos e, portanto, muitas reflexões aconteceram e muitas decisões foram tomadas através dessa modalidade de encontro. Na Liturgia, houve muitas celebrações da Missa transmitidas, assim como outros momentos de oração.
A forma como enfrentámos foi com as indicações da Conferência Episcopal tendo em conta a DGS. Portanto, trata-se indicações de procedimento para haver a maior segurança. Felizmente, não constou que tivessem surgido surtos de contágio do covid-19 em celebrações da missa.
A resposta mais dura foi a que foi prestada pelas Instituições sociais: Misericórdias, Centros Sociais Paroquiais, rede Cáritas e Grupos sócio-caritativos. Tivemos um testemunho notável de resposta de cuidado de muitos colaboradores e voluntários para que fosse assegurada a vida de muitas pessoas. Nesta resposta, não posso deixar de referenciar o grande empenho e bom testemunho dos autarcas (Câmaras Municipais e Freguesias) da área geográfica da Diocese.
Com a reabertura das igrejas a partir da Páscoa, tivemos algumas surpresas: houve uma progressão na participação e surgiram pessoas ‘novas’ nas celebrações que não era habitual. Igualmente a novidade em Setembro com a abertura da Catequese; muitas crianças estevam desejosas de voltar a encontrar-se na Catequese e, por isso, em algumas paróquias o número de crianças na Catequese não desceu.

Como sairá a Igreja Católica desta pandemia? A humanidade ficará diferente após esta crise mundial ou retiraremos poucos ensinamentos?
Um ensinamento que retiramos da experiência da pandemia, é a consciência da nossa fragilidade e vulnerabilidade. Quando nos julgávamos num país e num continente seguro, de repente ficamos assustados com algo de estranho que contraria o bem-estar colectivo, não só de um país, mas do mundo inteiro. Portanto, aprendemos que é mesmo necessária a solidariedade e o interesse pelo bem comum.
Penso que a Igreja sairá desta pandemia mais humilde, reforçada na sua Fé e motivada a assumir a sua missão: ensinar e viver os valores do Evangelho, celebrar e testemunhar a alegria da sua Fé, ser humilde, viver as dificuldades da sociedade onde se encontra, valorizar a participação dos jovens e das famílias, interessar-se pelo desenvolvimento do bem comum promovendo a solidariedade e atender especialmente às situações das pessoas pobres.

Qual é a sua maior preocupação, como Bispo, neste momento?
O ministério pastoral dos nossos padres e diáconos é a minha primeira preocupação. Eles são a alegria do bispo, mas também a sua primeira preocupação. E porquê? Porque são chamados a uma entrega, uma consagração da vida com a um alargamento de coração, isto é, com espaço para amar muitas pessoas e tudo com sentido de realização da vida. Desta entrega, depende a alegria e a felicidade de muitas pessoas. Porém, nem sempre acontece com facilidade.
Como sabemos a alegria de um serviço na Igreja não acontece por decreto episcopal. É fruto do Espírito Santo naquele que se sente amado e realizado no trabalho apostólico que está a desenvolver. Por isso se pede a oração pelos que, na Igreja, exercem o ministério sacerdotal.

Como olha para a questão vocacional na actualidade?
No programa pastoral da Diocese, para 2021-2022, pede-se que todas as dimensões da vida e dos serviços comunitários e apostólicos das nossas comunidades paroquiais tenham a marca da espiritualidade vocacional. Uma vocação de especial consagração acontece mais facilmente num ambiente onde os cristãos se assumem todos vocacionalmente. Direi, portanto, que será muito difícil surgir a vocação de um padre num ambiente onde não se ‘respira’ a fé cristã.
Na dimensão mais comum da vida de um cristão, também a dimensão vocacional é importante. Um dia ouvi o testemunho de um homem que, vinte e dois anos depois do seu casamento, descobriu que era um péssimo marido. Descobriu porque participou num encontro de reflexão onde o assunto foi precisamente a dimensão vocacional do homem cristão.
Enfim, é bom uma interpretação vocacional acerca de qualquer dimensão da vida cristã e cultivar um olhar de esperança para os mais jovens no mesmo ‘registo’ vocacional.

Como vê o papel e a missão de um padre na sua comunidade?
Um padre diocesano é um pastor da Igreja que encontra nas suas comunidades o sentido da sua vocação e realização. Em comunhão com o Bispo da Diocese e os outros padres, age em nome de Cristo e a sua presença deve ser a de um pai, um irmão e um amigo das pessoas das suas comunidades. Um homem próximo de Deus e próximo dos seus paroquianos.
Na missão de ajudar os cristãos das suas comunidades a crescerem na missão e santificação da vida, um padre necessita de ser perito no discernimento para poder ensinar, pregar e aconselhar todos os que dele se aproximam e colaborar no discernimento pastoral da missão dos diversos organismos da Paróquia e da Diocese. Assim, para corresponder com zelo na sua missão, um padre tem de ser cuidadoso com a sua formação e vida espiritual para ser o pastor e a referência que a comunidade necessita.

O Papa Francisco pede aos cristãos, em particular aos sacerdotes, que não fiquem no templo à espera de clientes e façam “da rua grandes assembleias”. Como avalia estas palavras?
O desafio do Papa não é fácil, mas é necessário considerá-lo para a renovação da actuação missionária dos cristãos. Isto é, o que se pede é que o centro da referência não seja a própria Igreja, mas a sua missão que pode estar na periferia. É um discernimento pastoral que leigos bem preparados e animados na missão de propor viver a vida segundo o Evangelho. Um padre sozinho não conseguirá, pois fica esgotado só a responder às necessidades da caminhada das comunidades.
O futuro passará pelo alargamento de agentes pastorais leigos que assumam responsabilidades na missão da Igreja.

PERFIL

D. José Traquina nasceu em Évora de Alcobaça a 21 de janeiro de 1954. Foi ordenado Presbítero a 30 de Junho de 1985, nomeado para Bispo Auxiliar de Lisboa a 17 de Abril de 2014 e ordenado Bispo a 1 de Julho de 2014.
Mestre em Teologia Pastoral pela Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, esteve vários anos ligado à preparação dos candidatos ao sacerdócio, tendo feito parte da equipa formadora do Seminário de Almada e do Pré-Seminário de Lisboa.
Foi responsável máximo da Vigararia Cadaval-Bombarral, em três mandatos diferentes (1993, 1996 e 2001), em 2002 integrou o Secretariado de Acção Pastoral do Patriarcado de Lisboa e em 2003 foi nomeado Assistente do Núcleo do Oeste do Corpo Nacional de Escutas e, mais tarde, Cónego da Sé Patriarcal de Lisboa.
Em 2007, assumiu a missão pastoral à frente da comunidade católica de Nossa Senhora do Amparo, em Benfica, freguesia onde se encontra a nova sede da Conferência Episcopal. Em 2011, D. José Augusto Traquina foi designado Vigário da Vara da Vigararia III da cidade de Lisboa, cargo que acumulou com o trabalho de director espiritual do Seminário Maior de Cristo Rei do Olivais e com a coordenação do Conselho Presbiteral de Lisboa.
Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e da Mobilidade Humana, D. José Traquina foi nomeado Bispo de Santarém pelo Papa Francisco a 7 de Outubro de 2017.

De que forma se podem captar os jovens para esta missão?
Nós temos a graça do testemunho de um significativo número de jovens cristãos na Diocese, mas é necessário reforçar o seu envolvimento para que sejam os jovens os apóstolos dos jovens. Não interessa propor actividades para entreter. É necessário que sejam os próprios jovens os protagonistas da vida cristã e da pastoral juvenil para marcarem o ritmo do seu tempo e da sua geração.
Os jovens cristãos são a Igreja juvenil, têm pela frente um grande de safio de edificar o seu futuro, mas também o futuro da sociedade que querem para as suas vidas. A Igreja de que fazem parte, deve proporcionar-lhes o espaço para se fortalecerem espiritualmente e promoverem o seu discernimento e participação no futuro da Igreja e da sociedade.
Os jovens também necessitam do apoio dos adultos, mas de adultos que os amem e lhes façam observações para ajudar a discernir o seu caminho com liberdade e verdade.

Que planos futuros de trabalho quer implementar na Diocese?
Nós temos um projecto pastoral que tem a utilidade de nos ajudar a fazer o caminho para chegarmos à celebração do cinquentenário da nossa Diocese, no ano de 2025. É esse percurso que estamos a fazer, privilegiando em cada ano certas áreas da acção pastoral. Este ano é exactamente a Pastoral Juvenil e a Pastoral Familiar as áreas privilegiadas, acrescidas da participação na fase diocesana do Sínodo dos Bispos (uma iniciativa do Papa Francisco).
Imagino para o futuro um melhor envolvimento e valorização dos Movimentos Apostólicos existentes na área da Diocese. Além disso, é necessário retomar as propostas de formação cristã para adultos. Algumas podem surgir dos Movimentos, outras dos Secretariados Diocesanos.

O tempo mudou. Há muita gente que se diz católica, mas que não vai à missa ou não se compromete com nenhuma acção em concreto. Que passos devem ser dados para contrariar esta situação?
Vai demorar algum tempo até que haja uma atitude mais consciente e assumida. Uma pessoa pode dizer-se católica porque é baptizada, mas no seu caminho de vida tem o poder de anular para si o desígnio da graça de Deus.
O melhor que podemos fazer é propor é a escuta da Palavra, o ensino, a formação e a participação nas celebrações que asseguram a renovação da vida cristã e a continuidade da graça baptismal e da identidade cristã.

O Natal transformou-se numa celebração do consumo? Há espaço para Deus nesta cultura do efémero? Como é que a comunidade vai experienciar o Natal?
O Natal é um dado cultural da sociedade ocidental. É uma celebração e um tempo que a maioria das pessoas gosta: as famílias, as crianças, os mais pobres, os habitantes dos centros urbanos com as ruas mais iluminadas, e os empresários da indústria e do comércio, alguns a salvar o ano económico com a actividade do mês de Dezembro. A tudo isto, acresce os milhares ou milhões de mensagens a expressar votos de Natal com alegria e paz.
Sugiro que busquemos mais fundo o sentido das coisas, mesmo daquilo que é tradicional e gostamos de repetir. Coloquemos verdade e esperança nas atitudes ou acções que promovemos. Podemos também rezar por aqueles a quem queremos saudar e para que pela celebração do seu Natal, Deus conceda as graças necessárias a este mundo, e não sejam esquecidos os mais pobres.
Para uma Humanidade com milhões de pobres, migrantes e refugiados em situações difíceis que se arrastam, o Natal só pode ser um sinal de esperança. Jesus nasceu para dar a vida, para tornar possível a civilização do Amor, onde exista justiça e paz. É por isto que as comunidades cristãs não podem deixar de celebrar o Natal de Jesus, o ‘Deus connosco’, que oferece o Amor que nos purifica e nos renova.

Como presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, como olha para a actual realidade da crise dos refugiados e das pressões migratórias?
A situação dos refugiados é um escândalo. Envergonha a humanidade saber que existem mais de 75 milhões de pessoas a viver em campos de refugiados.
Campos de refugiados existentes há décadas, em países em desenvolvimento económico, onde se encontram gerações de pessoas aos milhares a quem não é dada a possibilidade de sonhar com uma vida diferente.
As migrações têm de ser vistas como fenómeno normal da vida neste mundo. Existem migrações desde sempre. Já poucas pessoas residem na freguesia onde nasceram. Portanto, somos migrantes dentro ou fora do país. Migrações internacionais contam-se mais de 272 milhões de pessoas. Em Portugal existem cerca de 700 mil pessoas estrangeiras, próximo dos 7% da população, e no distrito de Santarém são cerca de 16 mil. São números significativos e é necessário reconhecer que Portugal necessita receber pessoas migrantes em idade de trabalhar. A indústria em Portugal não se manterá sem a recepção de pessoas migrantes, são os próprios empresários que o reconhecem e informam.
Portanto, as migrações devem ser reconhecidas como normalidade e como um bem, também para Portugal. Porém, é necessário cuidar do acolhimento, integração, mútua respeitabilidade cultural e tratamento justo na remuneração de vencimentos.

As questões sociais devem estar na ordem do dia da comunidade católica?
Enfrentar as dificuldades sociais, constitui uma das dimensões da missão da Igreja. O Evangelho diz-nos que Jesus gastou imenso tempo a cuidar de pessoas pobres e doentes. Portanto, para a Igreja, a acção social não pode ser um apêndice à sua missão, é igualmente importante como cuidar de assegurar a catequese e a formação cristã.

Como olha para as políticas dos Governos em resposta à actual crise?
Na resposta a crise pandémica, considero que o Governo esteve globalmente bem. Há situações menos bem resolvidas que já existiam antes da pandemia, nomeadamente as condições de vida de migrantes a trabalhar em Portugal.
Quanto às instituições sociais, Misericórdias e IPSS e outras, é necessário que o Governo acompanhe a dificuldade para não gerar uma situação de falência genérica. Estamos de acordo com o aumento de ordenado dos colaboradores das instituições sociais, mas o anunciado aumento a partir Janeiro é incomportável para as instituições. Assim, apesar do Governo não ter Orçamento aprovado, tem de cuidar da estabilidade do país, nomeadamente do sector social.

Que mensagem quer deixar nesta quadra?
No Natal importa valorizar e contribuir para o bom ambiente familiar. Amar a família é colaborar para o bem do mundo. Porém, sabemos que existem situações familiares em situação económica difícil, não esqueçamos os que estão sós, os que não tem família ou vivem afastados dela, as pessoas idosas e doentes, os que têm deficiências ou especiais dependências e os que vivem o Natal a trabalhar. Para Deus, ninguém fica de fora, ninguém é excluído da sua Bênção de Pai que nos ama.
Que o Natal reforce em todos a Luz da esperança, o sentido da vida e o gosto de colaborar para a felicidade de todos.

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