Com um percurso ligado ao associativismo e à causa pública, João Heitor chega à presidência do município do Cartaxo colocando um ponto final na hegemonia socialista que durava desde o 25 de Abril. A dívida herdada do PS é o maior dos problemas para o novo presidente social-democrata, que espera resolver rapidamente questões relacionadas com gestão de espaços verdes, limpeza urbana e dar mais condições aos funcionários da autarquia para desenvolverem o seu trabalho.
Quais são os principais desafios que o Cartaxo enfrenta neste momento?
O Cartaxo, enquanto município, tem vindo, ao longo dos últimos anos, a perder competitividade em relação aos seus vizinhos, nomeadamente Azambuja, Rio Maior, Santarém até mesmo Samora Correia e Benavente.
É uma região pouco competitiva até tendo em atenção as dificuldades financeiras do município, fruto de toda a gestão de executivos anteriores, nos quais existiu um delapidar de recursos que não lhe permitem relançar-se nesta competitividade. Agora, queremos olhar para a frente, mas temos que aprender com o passado.
A situação de hoje é fruto de circunstâncias passadas, com as quais temos que aprender e perceber como vamos dar a volta a isto.
Temos que promover algumas alterações estruturais, nomeadamente no funcionamento do município, que nos permitam recuperar competitividade no que diz respeito à fixação de investimento, de empresas. Para isso, os nossos serviços têm que se tornar mais céleres, mais atentos, mais disponíveis, mais focados, para poder dar respostas mais rápidas a estes potenciais investidores.
Quando o município se prepara para dar estas respostas mais rápidas aos investidores tem que se preparar também para dar respostas mais rápidas às associações, por exemplo. As associações também passam por momentos difíceis, e o município, nos últimos anos, não teve condições para entregar apoio financeiro à actividade regular das associações, mas há outras formas de ajudar. Também sendo mais ágeis nas repostas, mais céleres a tratar problemas com que as associações se deparam, nomeadamente a processos de licenciamento, de legalização, estamos a apoiar este importante sector.
Tudo isto resulta no principal foco que é mais qualidade de vida para as pessoas: se temos mais investimento, mais empresas, melhor emprego, associações melhor preparadas para responder às necessidades das pessoas e aos seus anseios, quer na área desportiva, quer cultural, no apoio as crianças e aos idosos, teremos certamente um território mais preparado.
Aqui, no município, encontramos um grupo de pessoas motivadas, com vontade de fazer, que percebem que é necessário mudar. Mudar alguns comportamentos e alguns modelos. Mas precisamos de lhes dar mais meios, precisamos de reforçar aqui com mais recursos, para que possam ser mais eficazes e eficientes.
Isto é, por si só, uma tarefa gigantesca, e este trabalho de ‘organizar a casa’ acreditamos ser um trabalho de retorno imediato para a população. E, depois, também a médio longo prazo, de forma consistente.
Temos como grandes objectivos também dar início, já este ano, à requalificação da escola secundária, que foi um processo que encontramos parado: já tinha sido lançado concurso, mas ficou vazio.
Já tivemos oportunidade de recuperar este processo e relançar aqui novos procedimentos. Acreditamos que vamos conseguir, com um custo adicional para o município, tendo em atenção o momento em que estamos e o financiamento que tínhamos. Para não perder esse financiamento, que estava alocado, vai ter que ter um custo elevado num valor que vai sair dos cofres do município.
A Câmara do Cartaxo aprovou recentemente o orçamento municipal para 2022, de 22,5 milhões de euros, mais 1,5 milhões que no ano passado. Quais as prioridades para este mandato e as grandes áreas de intervenção?
Toda esta reorganização interna que elenquei tem um custo. Há todo um investimento que é preciso fazer em pessoas e em meios. Há uma fatia [do orçamento] contemplada para isso. Depois temos a questão da escola secundária, aí só da nossa parte teremos um custo adicional de 1 ME acima do que estaria estimado.
Temos, depois, a requalificação da Rua Serpa Pinto, uma obra que é prioritária para a cidade. Sendo uma obra que influencia a hidráulica da cidade, o facto de ela não estar feita está a destruir todo o trabalho feito nas ruas a montante.
Tem que ser feito este investimento e será, novamente, outra coisa que nos vai custar, talvez, outro milhão de euros acima do que estaria estimado.
Naturalmente que estes 22 ME têm também em consideração a necessidade de iniciar a recuperação da rede viária, e quero ser claro: vamos “iniciar”. Isto é, por si só, uma prioridade. Temos um concelho com uma rede viária bastante deteriorada e temos que iniciar este ano a sua recuperação, atacando aquilo que são algumas prioridades, que ainda não estão fechadas. Ainda temos algumas coisas que sabemos que são importantes, mas dentro destas temos que escolher algumas, temos ainda que fechar algumas delas. E, obviamente, que isso também enquadra um valor considerável. Temos um orçamento superior ao do ano passado porque recebemos a transferência de competências da Educação, na Saúde e também na Acção Social.
Houve alguma especulação porque o valor, o custo com pessoas, o montante associado a recursos humanos aumentou muito consideravelmente.
Considera que este processo de transferência de competências para as autarquias é um bom princípio? O país deve avançar para um verdadeiro processo de regionalização?
Eu vejo a transferência de competências com bons olhos. O que não vejo com bons olhos é a carência de meios para executar essas competências. Neste âmbito, os meios são escassos.
Se nós também defendemos que as Juntas de Freguesia, em muitos casos, conseguem, pela sua maior proximidade, ser mais eficientes na gestão, também acreditamos que nós, enquanto município, temos a capacidade de gerir, de uma forma mais eficiente. Agora, não fazemos milagres: sem dinheiro e sem os meios necessários, as coisas tornam-se mais difíceis.
Ainda para mais quando, em muitos casos, estamos a receber competências associadas a infra-estruturas que estão muito deficitárias, deterioradas, a precisar de investimento. E isso não está a ser considerado nesta transferência de competências, nomeadamente no que diz respeito à educação.
Para alguém que visita o concelho, como o apresentaria? Que características distintivas tem este território, do ponto de vista económico e empresarial, cultural e patrimonial?
Eu olho para o nosso concelho como tendo um potencial gigantesco. Antes de mais, pela localização: temos aqui a qualidade de sermos gente do campo, mas que, também fruto de toda esta evolução da nossa sociedade, aliamos o bom do campo e o bom da cidade. Acredito, por isso, que temos a capacidade de receber aqui algumas áreas de negócio mais diferenciadas.
Estamos a 35 minutos de Lisboa, conseguimos ter aqui duas saídas da A1, três estações de comboio, temos o rio, temos uma área a agrícola de excelência a nível nacional a produzir, por exemplo, tomate de uma forma distinta a nível global.
Temos empresas no nosso município que se distinguem a nível mundial, o vinho no Cartaxo tem recuperado um espaço e a gastronomia da região permite-nos receber com elevada distinção. Do ponto de vista de quem quer atrair investimento, nós precisamos desse investimento aqui. Temos que dizer às pessoas que temos uma área preparadíssima para receber pessoas, temos o Casal Branco e estamos empenhados, em conjunto com os empresários da nossa praça, em acelerar para instalar lá empresas o mais depressa possível.
Depois, há que dinamizar e melhorar os acessos à zona industrial de Vila Chã, concretizar o processo de legalização da zona industrial da Lapa e temos a preocupação de encontrar outras áreas de localização empresarial para receber aqui alguns ‘hubs’ que possam ser distintos daquilo que é a oferta regional.
Enquanto território sedento de atrair novos investimentos, temos que ser facilitadores do investimento. Para localizar um negócio há três factores importantes: localização, localização, localização, e nós cumprimos.
Que investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) seriam fundamentais para alavancar o concelho? O que está pensado para o novo ciclo de investimentos que se aproxima?
Vemos o PRR incidir muito sobre a mobilidade, a sustentabilidade, e isso faz todo o sentido. Estamos alinhados com estas prioridades, aliás, o PRR também alavanca essas ferramentas. Do ponto de vista interno, queremos aproveitar essas possibilidades e esses apoios. Há as questões das energias renováveis, mas temos outras necessidades também mais básicas… o PRR trará alguns apoios para estas áreas que são importantes e nós temos que arranjar maneira que estes apoios nos ajudem a suprimir outras carências que temos.
Em termos financeiros, como está actualmente o Cartaxo? Os condicionalismos do Fundo de Apoio Municipal (FAM) continuam a colocar entraves?
Sim, infelizmente continuam. Continuamos a ser um dos municípios mais endividados do país. Temos uma parte significativa dos nossos recursos associados ao pagamento desta dívida. Nos últimos dois anos, esse pagamento não aconteceu devido à pandemia, permitindo algum desafogo. Mas o FAM continua a ser exigente connosco. Para que as pessoas tenham conhecimento, nós, para isentarmos uma associação do pagamento de uma taxa, temos que pedir autorização ao FAM. E muitas vezes não é concedida essa mesma autorização. Isto leva-nos a ter outras abordagens para apoiar as associações.
Estamos a trabalhar em novos protocolos de relação com as associações. Mas, mais uma vez, temos que esperar pela autorização. Se isso não acontecer torna-se complicado para as associações desenvolverem a sua actividade.
Nós, enquanto município, temos essa obrigação, de ser promotores da actividade física, desportiva, cultural…, e as associações precisam da nossa ajuda para poderem concretizar os seus objectivos. Esta limitação vai acontecer ainda por muitos anos, até que se consiga trazer o rácio da dívida para valores normais.
Qual será o horizonte, ou até quando vão existir estes espartilhos?
As projecções que temos apontam para os 12 anos. Eu gostava que fosse menos e talvez seja possível baixar um pouco… mas são as projecções que temos…
Como é gerir o dia-a-dia de uma autarquia com este nível de dificuldades?
Tem que haver engenho e confiança e temos que acreditar muito nas pessoas, para além de temos também muita flexibilidade. Não temos chefias intermédias, não temos chefes de divisão: todos os trabalhadores que reportam ao fim do dia fazem-no aos vereadores e ao presidente. Isto leva a um desgaste enorme com a gestão do dia-a-dia, desde a justificação de faltas, ao registo de picagem… tudo tem que passar pelos decisores políticos. Como a organização tem estas fragilidades do ponto de vista da sua estrutura, torna as coisas ainda mais desafiantes. Temos que fazer toda esta gestão interna e ao mesmo tempo ouvir as pessoas, perceber quais os anseios dos munícipes, e resolver as necessidades da população.
Qual é a sua opinião sobre a reorganização administrativa na região com a criação de uma NUT II englobando a Lezíria, o Médio Tejo e o Oeste?
Honestamente, não vejo que possamos perder alguma coisa com isso. Pode haver aqui um maior equilíbrio quando se juntam municípios que, à partida, estarão num patamar mais igualitário. Será, porventura, uma solução que alavanca a competitividade na região. Se eu fosse pessimista, dizia que podia ser mau para nós. Mas, como sou optimista acho que nos pode empurrar para cima. Também acredito que os nossos parceiros [na Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo] também têm em atenção aquilo que é a coesão territorial dentro da NUT. Havendo maiores semelhanças entre os nossos parceiros, os nossos vizinhos, haverá, certamente, vantagens para todos.
Como perspectiva o concelho daqui a 12 anos?
Gostava de ver um concelho com mais e melhor emprego, com uma estrutura mais sólida no que diz respeito à formação e educação, alinhada com aquilo que são as necessidades do mercado. Quando falo em melhor emprego é ter níveis de remuneração que permita ter uma melhor condição de vida.
Um município onde as pessoas tenham mais condições para fazer desporto, para ter cultura, para evoluir numa perspectiva mais humanista.
Acredito que o que nos vai diferenciar, enquanto território e enquanto indivíduos, será a nossa capacidade criativa, a capacidade para resolver questões que nos vão surgindo, com eficiência e rapidez.
No fundo, quero ter um território equilibrado e forte naquilo que são as necessidades das populações e no que diz respeito aos serviços. Não quero ter um concelho descaracterizado, não quero ter um concelho do século 23 daqui a 12 anos. Quero ter um concelho do seculo 21, e manter aquilo que são as nossas tradições e honrar o nosso passado. Mas olhar para a frente e perceber que temos que evoluir enquanto cidadãos, com uma qualidade de vida associada áquilo que é a nossa capacidade de trabalho e de acrescentar valor.
Um concelho mais ecológico, mais virado para o Tejo… temos que ter uma forte ligação à natureza e o Tejo tem um lugar de destaque e temos que o saber aproveitar e, ao mesmo tempo, valorizar os recursos que temos no bairro. O vinho vai continuar a ter um papel importante e iremos trabalhar cada vez mais na sua diferenciação e na questão da sustentabilidade da agricultura: o agricultor tem que ser cada vez mais gestores dos seus recursos. Não só pela protecção da natureza, mas pela sustentabilidade do negócio. É uma visão que se vai construindo, e que queremos que se concretize.
O que o motivou, pessoalmente, a assumir a liderança do município?
Desde miúdo que senti que podia fazer aqui alguma coisa pelos outros. Sinto-me bem a ajudar os outros, é um pouco de egoísmo também (risos). Desde cedo, através do desporto e da cultura, que me envolvi no associativismo: fui tendo uma participação, logo desde o ensino secundário, na Associação de Estudantes. Nunca me vi como um político, nunca dependi da política. Quando surgiu a necessidade de encontrar um cabeça de lista para estas eleições a concelhia decidiu indicar-me e eu aceitei, com humildade, este desafio.
Uma mensagem que queira deixar aos seus munícipes?
Uma mensagem de optimismo, de trabalho, de compromisso, em que temos que estar alinhados com esta necessidade de fazer uma gestão próxima das pessoas. Uma gestão focada na qualidade de vida dos cidadãos, sabendo que as limitações são muita: temos muitas necessidades para poucos recursos. Mas, com trabalho, podemos ir mitigando esses pontos menos bons e valorizar o que temos de bom. Para que acreditem em nós, para que possam vir para cá viver e investir.
Filipe Mendes