A RTP 1 continua a divulgar o melhor das nossas tradições populares através da participação de conceituados grupos folclóricos portugueses no apreciado programa “Praça da Alegria”, apresentado por Sónia Araújo e por Jorge Gabriel.
Na pretérita segunda-feira, dia 17 de Janeiro, o Ribatejo voltou a estar dignamente representado neste programa por intermédio do Rancho Folclórico da Golegã, que interpretou algumas danças do seu qualificado reportório e detalhou alguns aspectos da cultura tradicional e popular desta região ribatejana, tendo Carlos Santana, presidente da Direcção, enriquecido esta participação com os seus judiciosos comentários.
Este agrupamento foi fundado em Maio de 1971 com o nome de Rancho Folclórico da Casa do Povo da Golegã, porém na década de 1990 alterou a sua denominação, devido à extinção da Casa do Povo, tendo, então, adquirido personalidade jurídica como “associação cultural sem fins lucrativos”.
Esta mudança foi notoriamente sentida ao nível da sua representatividade etnográfica e folclórica, pois alguns dos aspectos técnicos menos conseguidos na fase inicial da sua trajectória foram facilmente sanados, para o que muito contribuíram os conhecimentos do folclorista Manuel António Martins e o dinamismo e empenho de seu filho, Carlos Santana, que se devotaram de alma e coração à valorização deste projecto sócio-cultural, catapultando o Rancho Folclórico da Golegã para um nível de excelência.
O intenso e criterioso trabalho de pesquisas e de recolhas etnográficas efectuado junto da população mais idosa do concelho permitiu desvendar um interessante património etno-folclórico, nomeadamente no que concerne às músicas, às danças e, sobretudo, ao que se cantava nesta região. Como resultado deste valioso trabalho, foi com grande alegria que em 1984 este grupo foi admitido como membro efectivo da Federação do Folclore Português.
Em termos representativos têm sido muitas as suas actuações, a todos os níveis -Festivais Nacionais e Internacionais, rádio, televisão, colóquios, congressos e mostras de cantares e de trajos.
Com base na região etnográfica onde está inserido, a Lezíria, realça-se o seu modo de vestir e a forma de dançar, encontrando-se representados os mais variados trajos que eram usados antigamente quando as gentes trabalhavam nos campos, e os que eram confeccionados em melhores tecidos e com mais apuro nos cortes, que se usavam parcimoniosamente em dias de festa ou de feira. Salientem-se, contudo, os trajos do maioral, do campino, do camponês, da camponesa e até a indumentária de uma classe mais abastada, que trabalhando igualmente nos campos, já eram proprietários das terras que cultivavam e já davam trabalho aos restantes camponeses.
Ao longo da sua história, o Rancho Folclórico da Golegã tem tido a preocupação de nas suas danças e cantares ser fiel ao passado, principalmente às tradições que remontam ao final do século XIX e ao primeiro quartel do século XX.
As danças mais apreciadas pelas gentes da Golegã eram as modas de roda, os fadinhos, as modas a dois passos, os bailaricos, os verde-gaios e o fandango, que mau grado evidenciarem a expressão do carácter e do temperamento do povo goleganense, não deixavam de, em alguns casos, ser influenciadas pelos ranchos de trabalhadores vindos de fora, que vinham granjear o seu sustento nas terras úberes dos campos da Golegã, nomeadamente na fanga, a que tão judiciosamente se referiu Alves Redol.
A Golegã era outrora muito fértil na produção de azeite, pois o campo desde o Pombalinho a Mato de Miranda e da Azinhaga à própria sede de concelho estava repleto de olivais, que exigiam o trabalho de muita gente local, a par da cultura do milho, que viria a prevalecer determinando o arranque de centenas de oliveiras, algumas centenárias. Porém, se é verdade que mudou a paisagem, a memória dos goleganenses mais antigos não esqueceu esse tempo, nem a azáfama da apanha da azeitona.
Também a frequência das inundações do rio Almonda ou mesmo do rio Tejo, quando galgava o Dique dos Vinte, teve especial influência na mundividência do povo goleganense, que em anos de mais rigorosa invernia passava três ou quatro meses sem poder ganhar o sustento da família, dificultando a vida já de si tão penosa pela miséria que era a companhia certa da gente mais pobre.
O que valia, na circunstância, eram as casas agrícolas mais abastadas que, para além de ajustarem uns quantos trabalhadores a quem pagavam a féria, uma parte em dinheiro e a outra em géneros, amenizavam a pobreza que obrigava todos os membros da família a trabalharem desde crianças, roubadas às brincadeiras próprias da idade e aos bancos da escola.
Estas casas agrícolas criavam gado – bovino, cavalar, suínos e ovinos – o que obrigava a manter os pastores e os boieiros necessários para o seu maneio, começando os mais novos como “moços”, até que mais crescidotes já passariam a escontra-moirais e mais tarde a boieiros ou a campinos.
A mecanização da agricultura inovou este tipo de trabalhos e dispensou grande parte da mão de obra até então necessária, porém, o Rancho Folclórico de Golegã, através de protocolo celebrado com o Município, deitou mão das antigas alfaias agrícolas, desde as de menor dimensão às maiores e mais complexas, e criou um Museu Rural – Pátio Agrícola que já tem um espólio constituído por largas centenas de alfaias agrícolas, utensílios rurais e domésticos e ainda por vestuário, o que permite desvendar toda a azáfama deste campo da Golegã.
Este espaço integra um grande telheiro, a zona dos “cómodos” que alberga o tipo de carros usual nos séc. XIX e XX, como a carroça e a galera, é palco de canto e de dança, como a reconstituição de quadros da época, tais como o desfiar das camisas, e constitui também a sede social do Rancho Folclórico da Golegã, inaugurada a 10 de Junho de 2008.
Este é um espaço de inestimável valor onde se desenvolve uma boa parte da actividade deste grupo de amigos que têm em comum a paixão pela sua terra e pelas suas tradições. Aqui se ensaia e se apresentam alguns espectáculos, aqui se realizam alguns colóquios e outras jornadas culturais e aqui, também, se promove a gastronomia regional, onde pontificam alguns pratos confeccionados à base de ervas e plantas que nasciam espontaneamente no campo da Golegã e que serviam para matar a fome ao povo rural. Que saborosas são hoje as sopas de cagarrinhas…
Com uma trajectória de três décadas, o Rancho Folclórico da Golegã assume a honrosa responsabilidade de dignificar as suas gentes através dos usos e costumes de antanho.
Etnografia & Folclore – Ludgero Mendes