A reabilitação estrutural e restauro da Igreja da Misericórdia de Coruche venceu a primeira menção honrosa do Prémio Gulbenkian Património – Maria Tereza e Vasco Vilalva.
O projecto de Conservação e Restauro dos Tectos Mudéjares da Sé do Funchal, na Madeira, venceu o Prémio Gulbenkian Património – Maria Tereza e Vasco Vilalva, pela “exemplaridade da intervenção”, que “prolonga a arte mudéjar no tempo”.
De acordo com um comunicado da Fundação Calouste Gulbenkian, que atribui o prémio de 50 mil euros, o júri destacou não só a “exemplaridade da intervenção”, mas também a “relevância patrimonial, artística e social” do projecto.
“O trabalho de conservação e restauro efectuado no âmbito desta recuperação prolonga a arte mudéjar no tempo”, acrescentou o júri, que distinguiu por unanimidade esta candidatura, de entre 19 submetidas.
A arte mudéjar da ilha da Madeira inscreve-se numa tradição que mergulha as suas raízes na arte islâmica andaluz e que teve ampla difusão peninsular, referiu a Gulbenkian, acrescentando que “a sofisticação das laçarias em madeira”, tipicamente mudéjar, “está representada em todo o seu esplendor nesta intervenção”.
O projecto de recuperação abrangeu uma área de cerca de 1.500 metros quadrados, no qual colaboraram 36 especialistas de várias nacionalidades, cujo trabalho conjunto possibilitou não só a descodificação do ‘modus operandi’ dos artesãos, como também o estudo dos materiais e a adequada forma de os recuperar.
Esta requalificação visou o reforço estrutural e o restauro do seu interior, nomeadamente a “descoberta do retábulo primitivo e de frescos extraordinários em todos os tramos de paredes e tecto”, como refere Inez Ponce Dentinho, administradora executiva do fundo Rainha D. Leonor, que apoiou as obras do Monumento, que reabriu ao público no passado dia 4 de Dezembro.
As obras receberam o apoio do fundo Rainha D. Leonor, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no valor de 300 mil euros, bem como do Município, sendo o restante valor angariado pela Santa Casa da Misericórdia de Coruche, proprietária do imóvel.
Para apoiar a realização da obra, o fundo Rainha D. Leonor teve em conta que embora estruturalmente parecesse estabilizada, o estado de conservação da Igreja era “preocupante”.
Os estudos apresentados pela Fundação Ricardo Espírito Santo Silva apontam no sentido de que, agora, depois de concluída a obra, o imóvel será um “atractivo turístico que chamará visitantes a Coruche”, acrescentando que “a Igreja da Misericórdia apresenta acabamentos arquitectónicos e decorativos de qualidade, configurando um importante elemento na história local.”
Ao Correio do Ribatejo a provedora, Maria Inês Malta da Veiga Teixeira destacou o “cuidado e a qualidade da intervenção” no templo que será agora colocado à fruição da população e aberto ao culto religioso: “a nossa Igreja não é só para ser visitada é para ser vivida”, declarou. “Como Santa Casa da Misericórdia, um dos nossos papéis, uma das preocupações é sempre o nosso património.
Embora estejamos vocacionados, de uma maneira muito especial, para parte social, a componente patrimonial é também essencial”, reforçou, destacando o apoio “fundamental” do Fundo Rainha D. Leonor nesta intervenção.
“Atendendo ao seu deficiente estado de conservação, nomeadamente aos problemas estruturais e à degradação de pintura decorativa interior, decorrente de antigas infiltrações, a Santa Casa da Misericórdia decidiu concorrer ao Fundo e em boa hora o fez. As obras de Conservação e Restauro iniciaram-se em 2019 e agora estão concluídas.”, concretizou, recordando que, já em Março de 2020, o Órgão de Tubos do Monumento foi alvo de uma intervenção, de cerca de 70 mil euros.
A igreja da Misericórdia é um edifício de origem seiscentista que foi objecto de alterações no século XVIII, sobretudo após o terramoto de 1755, e mais tarde alvo de uma extensa campanha decorativa no final do século XIX. Ao longo do século XX, sofreu algumas intervenções que a descaracterizaram e nas últimas décadas foi objecto de algumas beneficiações localizadas, mas pouco documentadas, e permanecia deficitária do ponto de vista da sua conservação patrimonial e da sua valorização social e urbana.
Recorde-se que, no ano passado, a Igreja da Misericórdia de Coruche, fundada em 1580, foi classificada como monumento de interesse público, por se tratar de “um exemplar típico dos templos erguidos pelas misericórdias em todo o país”.
A portaria que classifica este monumento, publicada em Diário da República, refere que, a exemplo do que acontece com os templos erguidos pelas misericórdias, esta igreja possui “nave única e contínua com a capela-mor, retábulos triplos, simplicidade formal, Casa do Despacho e sacristia com entrada independente pelo adro, tribunas para mesários e hospício anexo”.
Assim, a classificação abrange, além da igreja, a sacristia, a Casa do Despacho, o adro e o património móvel integrado. “O templo foi profundamente intervencionado na segunda metade do século XVIII, daqui resultando a reconstrução da fachada tardo-quinhentista e diversas alterações do interior, que conservou, em termos genéricos, a primitiva estrutura maneirista, mas cujo abobadamento e ornamentação pertencem já ao estilo rococó”, afirma a portaria.
“Entre o acervo conservado incluem-se uma série de pinturas murais completadas por três pinturas sobre tela no paramento do altar-mor e pela bandeira da confraria, exibida no coro alto, onde se guarda ainda um magnífico órgão de tubos oitocentista assinado pelo organeiro António Xavier Machado Cerveira, filho de Manuel Machado, autor do órgão do Mosteiro dos Jerónimos, e irmão do escultor Joaquim Machado de Castro”, acrescenta.
A portaria, assinada pela secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, refere o testemunho simbólico e religioso, o valor estético, técnico e material, a concepção arquitectónica e urbanística e o que reflecte do ponto de vista da memória colectiva como critérios que permitem a classificação deste templo que voltou a receber, no dia 18 de Dezembro, uma celebração eucarística presidida pelo Arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho.
O júri do prémio Gulbenkian Património, constituído por António Lamas, Raquel Henriques da Silva, Gonçalo Byrne, Luís Ribeiro, Santiago Macias e Rui Vieira Nery, deliberou ainda, por unanimidade, atribuir duas menções honrosas.
A primeira menção honrosa foi para a reabilitação estrutural e restauro da Igreja da Misericórdia de Coruche, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Coruche, proposta pela Conservation Practice – Consultoria em Património Histórico.
A segunda foi atribuída à recuperação da Moradia Marques da Silva, localizada na Rua Álvares Cabral, nº 103, no Porto, proposta pelo ateliê Franca Arquitectura.
O Prémio Gulbenkian Património – Maria Tereza e Vasco Vilalva foi criado em 2007 e distingue anualmente um projecto de excelência na área da conservação, recuperação, valorização ou divulgação do património cultural português, imóvel ou móvel.