No edifício que habitualmente acolhe peregrinos, na antiga Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, duas pessoas sem-abrigo inauguraram esta semana um espaço de acolhimento para esta população devido à covid-19, que o município quer tornar num projecto mais consistente.
O director do departamento de Educação, Cultura e Desenvolvimento Social da Câmara Municipal de Santarém, Carlos Coutinho, diz que a ideia de criação de um centro de acolhimento temporário para as pessoas que se encontram em situação de sem-abrigo, na sequência da declaração do estado de emergência devido à pandemia da covid-19, levantou a questão do que iria acontecer a estas pessoas no “dia seguinte”.
“Quisemos fazer com que, de facto, este acolhimento temporário das pessoas sem-abrigo fosse no sentido de o enquadrarmos como um projecto-piloto para a capacitação das pessoas” e verificação do trabalho técnico desenvolvido neste período, disse.
A situação provocada pela covid-19 acabou por “impulsionar” uma ideia que está há mais de dois anos à espera de oportunidade para aderir ao projecto “Housing First” (habitação primeiro), o qual implica a atribuição de uma casa e apoio técnico para a capacitação e autonomização das pessoas que o integram, salientou.
Com uma população de 20 a 22 pessoas em situação de sem-abrigo no concelho, na maioria com problemas de consumo e de saúde mental, com idades na casa dos 40/50 anos, e muitos a pernoitarem em casas devolutas, a rede social (que envolve um vasto conjunto de instituições e entidades) garante o acompanhamento individual de cada caso, salientou a chefe da divisão de Ação Social e Saúde do município, Elisabete Filipe.
A participação no projecto implica a aceitação de duas condições: a de permanecerem 24 horas por dia dentro do espaço da antiga Escola Prática de Cavalaria (evitando avaliações constantes devido à covid-19), o que pode estar na origem da fraca adesão inicial, e de fazerem uma consulta com a equipa de Cuidados na Comunidade.
Das quatro pessoas que inicialmente se mostraram receptivas a vir habitar para este espaço, apenas duas o fizeram até ao momento, mas a expectativa de técnicos e responsáveis é que o trabalho agora iniciado “dê argumentos” para convencer os outros a integrarem o projecto.
O edifício tem capacidade para acolher 10 pessoas, duas em cada quarto, sendo que existe ainda um quarto disponível para o caso de vir a ser necessário manter alguém em isolamento.
“Será muito mais fácil darmos o passo seguinte se estiverem aqui”, disse Carlos Coutinho, salientando o trabalho de grande proximidade que está a ser realizado, na continuidade da intervenção dos gestores de caso.
Elisabete Filipe disse que aqueles que integram o programa da metadona continuam a ter acompanhamento da equipa do Centro de Respostas Integradas (CRI) do Ribatejo (Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo), iniciativa a que podem aderir aqueles que mantêm hábitos de consumo, a que deixam de ter acesso ao habitar neste espaço.
O trabalho diário de acompanhamento envolve, além das equipas do CRI e a de rua da associação Picapau (comunidade terapêutica), a Segurança Social, através do Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS), que é assegurado pela Cruz Vermelha Portuguesa e também pelo Rendimento Social de Inserção, sendo as refeições garantidas pela Santa Casa da Misericórdia de Santarém.
A Associação de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental (APPACDM) está igualmente a apoiar o projecto, colaborando na higienização da roupa pessoal, sendo a da roupa de cama e atoalhados feita por uma empresa, disponibilizando o município as funcionárias que fazem a limpeza das partes comuns do edifício.
“A Câmara Municipal surge aqui como uma entidade chapéu, não queremos liderar”, declarou Carlos Coutinho, salientando a existência no concelho de uma rede que presta uma “resposta integrada e de valor”.
Elisabete Filipe destacou o facto de este centro ter “características diferentes da maioria dos outros, que fazem acolhimento em equipamentos colectivos”, ao oferecer “condições físicas mais reservadas”, sem vigilância interna, o que permite a responsabilização, mas obriga também a um “grande trabalho na gestão de conflitos”.