Santarém – 10 de Junho de 2023 – Corrida à Portuguesa. Cavaleiros: António Ribeiro Telles, Pablo Hermoso de Mendoza e João Salgueiro da Costa; Grupo de Forcados Amadores de Santarém; Ganadaria: António Raúl Brito Paes (530, 575, 585, 610, 540 e 525 kgs); Delegado da IGAC: António José Soares; Médico Veterinário: Dr. José Luís Cruz; Tempo: Ameno; Entrada de Público: ¾ fortes.

Desta feita o São Pedro foi amigo dos aficionados e as previsões meteorológicas não falharam, o que contribuiu para o sucesso da última corrida de toiros da Feira do Ribatejo, e não terá sido despiciendo quanto à afluência de público, já que a Monumental “Celestino Graça”, estando cheia à vista, terá registado mais de ¾ da sua lotação preenchida. E entre os cerca de dez mil espectadores aficionados também se encontrava o já conhecido anti-taurino holandês Peter Janssen, que saltou à arena com uma capanga do mesmo grupo activista, mas foi prontamente imobilizado e entregue às autoridades. Esta gentinha não desarma e até em Santarém, terra de gente tão aficionada, já ousam aparecer. O espírito democrata destas pessoas é incrível!!!

No início da corrida foram evocados os aniversários de alternativa de alguns cavaleiros tauromáquicos ocorridas nesta praça, nomeadamente José Manuel Duarte, 30.º aniversário, e Mateus Prieto, 10.º aniversário, bem assim como se escutou, e cantou com alma e coração, o Hino Nacional “A Portuguesa”. Que emoção!

António Ribeiro Telles celebra esta temporada o 40.º aniversário da sua alternativa (Campo Pequeno, 21-06-1983), e cultivando um toureio pujante de classicismo e de verdade, continua a apresentar-se em cada oportunidade como se estivesse a disputar um lugar entre as figuras, quando ele é, de facto, a grande figura do toureio equestre. Para que o sucesso fosse mais eloquente, António Telles careceria de dois oponentes com mais transmissão, algo de que não dispôs, mas nem por isso deixou de rubricar duas meritórias lides, elegendo adequadamente os terrenos e as distâncias para colocar vistosa e emotiva ferragem.

O marialva da Torrinha tem o dom de “ajudar” os toiros, pois sabe bem como tem de os abordar e a forma como pode optimizar as suas condições, algo que não é comum na maioria dos actuais cavaleiros, e, por acréscimo, é um toureiro que se empolga com as dificuldades, o que lhe permite sacar boas lides mesmo quando tal não é expectável. Esta sua presença em Santarém confirmou toda a sua classe expressa em alguns preciosos detalhes de brega e na vistosa colocação de ferragem, em momentos dignos de compêndio.

Pablo Hermozo de Mendoza é uma das figuras maiores do toureio equestre em todo o mundo. Inspirado no toureio “mourista”, Pablo evoluiu o rejoneio a tais níveis técnicos e artísticos que, em bom rigor, já nem é possível chamar-lhe rejoneio, que é uma expressão menor do toureio a cavalo em que se cravavam ferros em sortes engarupadas e raramente se citavam os toiros de frente. O toureio de Pablo Hermozo de Mendoza é do mais sublime que se pode ver e apreciar. Entendeu o toureiro navarro que era chegada a hora de terminar a sua carreira, para melhor se poder dedicar à carreira de seu filho, gesto que naturalmente compreendemos e respeitamos, mas Pablo ainda tem tanto para dar à tauromaquia, como bem o demonstrou nesta tarde escalabitana.

Tourear é dominar, e Pablo domina todos os toiros que enfrenta com a exuberância do seu labor e com a qualidade das montadas de que dispõe, as quais lhe oferecem solução para todas as dificuldades.

A elegância como desenvolve as lides, a harmonia e a submissão das suas montadas, em que não se nota uma resistência, e o temple com que aborda os terrenos de circunscrição do toiro, para cravar a ferragem “en todo lo alto”, são atributos sublimes apenas acessíveis aos melhores. João Salgueiro da Costa é um toureiro de dinastia – seu bisavô inaugurou a praça de toiros de Santarém, em 7 de Junho de 1964 – e concita no seu toureio um pouco de cada um dos seus antecessores. O classicismo evidenciado nas sortes frontais a dar primazia de investida aos toiros e a rectidão com que cita cada toiro, o que lhe permite reunir em sortes plenas de emoção e de valor, são já marcas da casa.

Salgueiro da Costa enfrentou nesta tarde o melhor lote e bem soube aproveitá-lo, desenhando duas lides poderosas e cravando alguns dos melhores ferros da tarde. Daqueles que assustam, tal é o compromisso das montadas na cara do toiro. Num cartel de tanto aperto, o jovem Salgueiro da Costa saiu em plano de triunfo, sobretudo pela verdade do seu toureio frontal e pelas vantagens concedidas aos seus oponentes, conquistando calorosas e prolongadas ovações do público que se identificou com o seu toureio e premiou o seu empenho.

Mas esta era inquestionavelmente a tarde do Grupo de Forcados Amadores de Santarém, pois João Grave passava o testemunho de Cabo a Francisco Figueiredo (Graciosa), uma tremenda responsabilidade que agora carrega os ombros deste jovem e valoroso forcado que já provou estar à altura das circunstâncias.

Nos 108 anos de existência e de ininterrupta actividade – que completará no próximo dia 8 de Agosto – o Grupo de Santarém sempre se impôs pela dignidade e pela honradez das centenas de forcados que envergaram esta tão prestigiada jaqueta de ramagens, dando o melhor de si e contribuindo de forma decisiva para a evolução técnica e artística da arte de pegar toiros, o que nos permite considerar que a história do Grupo de Forcados Amadores de Santarém se confunde com a própria história dos forcados em Portugal.

A actuação do Grupo de Santarém nesta tarde constituiu um autêntico corolário para uma festa tão simbólica e importante, pois das seis pegas consumadas apenas uma foi à segunda tentativa, tendo sido todas as restantes concretizadas numa única tentativa.

Abriu praça o antigo Cabo Gonçalo da Cunha Ferreira que em ambas as tentativas que fez esteve enorme em todos os momentos. A alegria com que citou o toiro, a maneira como recuou, mandando, e a reunião duríssima, com o forcado da cara a aguentar violentos derrotes, acabando por soçobrar, não tendo sido suficientes as ajudas. Voltou à cara do toiro com a mesma alegria e entusiasmo e voltou a fazer tudo na perfeição, mas desta feita as ajudas foram um pouco mais eficazes e Gonçalo da Cunha Ferreira consumou uma excelente pega.

Estava dado o mote e o antigo Cabo Diogo Sepúlveda quis lembrar aos aficionados mais novos a qualidade e valor que patenteou nas arenas durante longas épocas. Tudo perfeito. O cite sereno e convicto, a alegria a provocar a investida do toiro e a elegância do movimento de recuar, templando o andamento do seu oponente, até à reunião poderosa e determinada, com o Grupo a ajudar como mandam as regras. Foi uma pega, como diriam os mais tecnicistas, “by the book”! Excelente.

João Grave chamou a si a responsabilidade de pegar o terceiro toiro da corrida, o último na sua qualidade de Cabo. E como que a dar o exemplo aos vindouros, João Grave esteve enorme, numa pega extraordinária a aguentar tormentosa viagem, não consentindo que o hastado o despejasse, pois agarrara-se com toda a alma que o tornou um forcado de referência entre os melhores da sua geração. Uma das pegas da tarde, numa das tardes mais felizes para este jovem que tão dignamente serviu o Grupo de Forcados Amadores de Santarém. Obrigado!

Após a cerimónia da troca de jaquetas, vibrantemente aplaudida por milhares de aficionados, entre os quais muitos antigos forcados, João Grave deu uma volta à arena sendo acompanhado por todos os forcados que se fardaram nesta tarde histórica.

Para pegar o quarto toiro da corrida Francisco Graciosa saltou à arena e brindou a sua sorte ao Cabo cessante, certamente que lhe agradecendo o quanto fez pelo Grupo e prometendo-lhe a mesma entrega e empenho. Francisco Graciosa apresentou eloquentemente as suas credenciais – de Cabo, porque de forcado já há muito que milita no grupo dos melhores – tendo consumado uma rija pega ao primeiro intento, com o Grupo a ajudar muito coeso. Tudo saiu perfeito, mas o toiro não se empregou o quanto o valoroso forcado desejaria para que a sorte tivesse ainda maior brilhantismo. Outros toiros virão…

Os dois últimos toiros foram pegados por forcados que hão-de constituir a base do Grupo nesta primeira fase da liderança de Graciosa. Salvador Ribeiro de Almeida brindou a sua sorte ao antigo forcado Fernando Fernandes, que no passado mês de Abril completou a bonita idade de cem anos. Quase tantos como o próprio Grupo!

Salvador citou com galhardia, foi alegrando o cite para provocar a investida do toiro e depois consumou uma sorte perfeita, reunindo com ânimo e convicção, tendo sido bem ajudado pelo Grupo.

O último toiro da corrida foi pegado por um jovem forcado que se vem afirmando em cada corrida como uma figura com auspicioso futuro, Francisco Cabaço, que brindou a sua sorte à Madrinha do Grupo, Dra. Maria da Conceição Alpoim Abreu Cabral. Elegante e determinado, Francisco citou alegremente o toiro e recuou bem fechando-se com garra, com boa ajuda do Grupo, onde se incluía o seu pai.

E assim terminou uma agradável corrida, com os toureiros e os forcados a empenharem- se em rubricar boas actuações, o que, convenhamos, conseguiram, embora os toiros de António Raúl Brito Paes tivessem cumprido, mas sem transmitirem a emoção que tanto valoriza este espectáculo. Bom desempenho dos bandarilheiros e dos campinos e direcção regular de António José Soares.

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