Todos sabemos que tudo o que começa há-de ter um fim, seja ele qual e quando for, e aí reside uma quota-parte significativa do sortilégio que constitui a própria existência.
Também no toureio assim acontece. Um jovem desperta a paixão dos aficionados que lhe vaticinam os maiores sucessos e a sua evolução técnica e artística, consagrada pelos triunfos que com muita constância vai conseguindo, são, a um só tempo, a confirmação das nossas expectativas e a consolidação de uma carreira de sucesso no cumprimento do seu sonho de menino e em prol da arte da nossa paixão.
Sim, porque para nós toureio é sinónimo e expressão de arte, ao contrário do que pretendem os anti-taurinos que apenas vislumbram violência e sacrifício naquilo que é saber, valor, ofício e estética.
Na presente temporada coincidem as sucessivas jornadas de despedida de duas das maiores figuras do toureio das últimas três décadas, os quais souberam construir uma carreira pujante de triunfos alcandorando- se a uma posição cimeira dos respectivos escalafóns onde se têm mantido sempre em plano superior.
Quero referir-me ao matador Enrique Ponce e ao rejoneador Pablo Hermozo de Mendoza. Que duas figuras imensas!
Estes dois magistrais toureiros tiveram o condão de partilhar centenas de ocasiões com os aficionados que vibraram intensamente com os gestos de domínio e de expressão artística que estes toureiros, quais poetas, pintores, fotógrafos ou músicos, lograram derramar nas arenas de todo o universo tauromáquico, para glória maior de uma arte que se torna mágica e superlativa pelo acréscimo do risco da própria vida, ou pelo menos da integridade física, destes artistas tão proclamados.
Os dados estatísticos relativos à trajectória de qualquer um destes fantásticos toureiros são avassaladores, tanto pelo número de toiros lidados, como pela imensidão de troféus conquistados na arena, onde tudo se joga entre a vida e a morte, e os que são instituídos por tertúlias de aficionados, meios de comunicação social e até por entidades oficiais, desde os municípios, às juntas de província e ao próprio Governo de Espanha.
Após quase trinta e cinco anos de alternativa (18-08-1989), Pablo Hermozo de Mendoza não esquece as influências de D. Álvaro Domecq e de João Moura que tanto o sugestionaram para seguir esta carreira como profissional, construindo a sua própria tauromaquia assente nos pressupostos técnicos e estéticos destas duas grandes figuras do toureio equestre.
Enrique Ponce comemorou no passado dia 16 de Março o trigésimo quarto aniversário da sua alternativa, tomada em Valência, e se a sua carreira novilheiril já assumira contornos de excepção o que se passou a partir desta data é verdadeiramente notável, sendo o único matador de toiros que durante dez anos seguidos toureou mais de uma centena de corridas por temporada, quase todas pautadas por memoráveis triunfos. Senhor de um estilo muito elegante, mas poderoso, e tecnicista, mas perfumado e criativo, Ponce manteve-se em plano de figura ao longo de toda a sua trajectória taurina.
E, entretanto, ambos entenderam ser chegada a hora de dizerem adeus às arenas, mesmo quando ainda estão na plenitude das suas faculdades físicas, técnicas e artísticas. Porém, fazendo jus a uma certa impiedade dos próprios aficionados que apesar de se renderem à magnitude dos seus ídolos nunca deixam de lhes cobrar mais e mais, a estas duas figuras máximas do toureio nunca foi consentido o mínimo alívio ou abrandamento, o que mantém viva e acesa a fogueira das paixões.
Na hora destas tão significativas despedidas das arenas é imperativo que os aficionados de todo o mundo lhes tributem as mais calorosas e prolongadas ovações, pois toureiros desta grandeza e categoria fazem sempre muita falta à tauromaquia, pelo que foram, pelo que ainda são e, não menos importante, pelo que representam.
Obrigado, Maestros!