A Assembleia Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT) aprovou, por unanimidade, a constituição da empresa intermunicipal de transportes rodoviários de passageiros. A deliberação é mais um passo em frente num processo iniciado há vários anos e que se pretende concretizar, ainda em 2025, com o arranque de uma nova estrutura pública para a gestão da mobilidade na região. Embora decisiva, esta aprovação representa apenas mais uma etapa numa caminhada longa, que envolve ainda pareceres técnicos, decisões municipais e validações legais externas.
A ideia de criar uma empresa pública regional surgiu na sequência do fracasso de um concurso público internacional lançado em 2020, que visava encontrar um novo operador para assegurar os transportes intermunicipais. O procedimento ficou deserto por falta de propostas válidas, deixando a CIMLT sem alternativa eficaz para garantir a continuidade e a qualidade dos serviços. A “degradação progressiva” da oferta, assegurada pelas actuais operadoras privadas — Rodoviária do Tejo e Ribatejana —, acentuou a urgência de uma solução estrutural.
O modelo adoptado prevê a criação de uma empresa intermunicipal na forma de sociedade anónima, integralmente detida por capitais públicos, com participação da CIMLT e dos 11 municípios que a compõem: Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de Magos e Santarém. À semelhança do que aconteceu com a Águas do Ribatejo, trata-se de um serviço essencial que permanece na esfera pública, com uma lógica de reinvestimento total dos resultados obtidos.
“Tudo aquilo que forem resultados positivos desta empresa será para reinvestir na própria empresa, aumentando a oferta, diminuindo os custos. Nunca haverá distribuição de dividendos pelos accionistas”, afirmou ao nosso jornal Pedro Miguel Ribeiro, presidente da CIMLT. Esta opção, segundo o responsável, permitirá assegurar um serviço com sustentabilidade financeira, mantendo a prioridade no interesse público e na capacidade de resposta às necessidades reais das populações.
A nova empresa, designada Transportes Lezíria do Tejo – EIM, S.A., terá como missão assegurar o transporte rodoviário de passageiros em toda a região, abrangendo linhas intermunicipais e redes urbanas, como o caso da marca Scalabus, em Santarém. A frota prevista integra 105 autocarros interurbanos, 14 de turismo, oito urbanos, 12 minibus, sete carrinhas e seis veículos de apoio. No total, o quadro de pessoal contará com 148 motoristas e cerca de três dezenas de técnicos, fiscais e administrativos.
Um dos compromissos estruturais do projecto é a renovação da frota com base em critérios de eficiência ambiental e energética. Dos novos veículos, 16 serão eléctricos e os restantes terão uma idade média inferior a três anos, contrastando com os actuais veículos em circulação, cuja média ronda os vinte anos. “Isto fará obviamente diferença na vida das pessoas. A oferta será claramente diferente”, sublinhou Pedro Ribeiro, referindo ainda que a iniciativa se integra numa lógica mais ampla de descarbonização e de promoção da mobilidade verde.
O investimento total ascende a nove milhões de euros, distribuídos por custos de aquisição de viaturas, equipamentos de fiscalização e administrativos, despesas operacionais iniciais e instalação da estrutura logística. Do montante global, 3,8 milhões de euros serão assegurados por fundos próprios dos municípios. Os restantes valores serão obtidos através de financiamento externo e da utilização de verbas comunitárias já contratualizadas.
No que respeita à dimensão territorial e operacional, estima-se que a nova empresa percorra anualmente 4.532.480 quilómetros, dos quais 4.279.341 km dizem respeito a serviços interurbanos e 253.139 km aos serviços urbanos. A cobertura abrange toda a região da Lezíria do Tejo, num esforço concertado de coesão territorial, racionalização de recursos e melhoria dos indicadores de mobilidade.
Um dos marcos fundamentais do processo foi a aquisição do Terminal Rodoviário de Santarém pela CIMLT, por 3,5 milhões de euros. O equipamento urbano servirá como sede operacional da futura empresa e ponto central da nova malha logística. A sua recuperação e utilização funcional integram-se num plano de revitalização da rede de transportes públicos e da acessibilidade urbana na capital de distrito.
Uma decisão sustentada em critérios técnicos e visão estratégica
A decisão de criar a empresa intermunicipal de transportes da Lezíria do Tejo resultou de um processo de análise técnica conduzido pela CIMLT ao longo dos últimos anos. Na base desta opção esteve um estudo aprofundado que comparou diversos cenários para a gestão da mobilidade na região, desde a manutenção da concessão a privados até à exploração directa por uma entidade pública.
O documento identificou várias limitações no modelo até agora vigente, sobretudo após o fracasso do concurso público internacional lançado em 2020, que terminou sem propostas válidas. A falta de interesse do sector privado em operar redes de baixa rentabilidade revelou-se um obstáculo estrutural, tornando claro que a solução para a Lezíria teria de passar por um modelo de prestação pública directa, com controlo local e autonomia operacional.
Entre as vantagens apontadas pelo estudo destaca-se a possibilidade de planear e ajustar a oferta de transportes às necessidades reais das populações, de forma dinâmica e célere, sem depender de negociações prolongadas ou cláusulas contratuais rígidas com concessionários privados. O novo modelo permitirá maior flexibilidade na gestão de horários, na redefinição de rotas, na introdução de circuitos escolares ou no reforço das ligações entre sedes de concelho e freguesias periféricas.
O estudo defende ainda que a criação da nova empresa contribuirá para uma efectiva coesão territorial, reduzindo assimetrias entre zonas urbanas e rurais, e combatendo a exclusão de territórios de baixa densidade, muitas vezes desvalorizados pelas lógicas de mercado. A racionalização dos recursos, o aproveitamento de sinergias entre os municípios e a existência de uma estrutura de gestão partilhada permitirão alcançar ganhos de escala e reduzir custos operacionais a médio prazo.
Além disso, a nova empresa poderá beneficiar de mecanismos de financiamento e apoios específicos para operadores públicos — designadamente no âmbito do Fundo Ambiental, do Plano de Recuperação e Resiliência ou dos instrumentos de apoio à mobilidade sustentável — aos quais os privados têm acesso mais condicionado.
Com base neste enquadramento, a CIMLT concluiu que a constituição de uma empresa intermunicipal era a única via compatível com os objectivos de serviço público, qualidade, sustentabilidade e eficiência financeira. Esta decisão, agora reforçada pela aprovação unânime em Assembleia Intermunicipal, surge assim como resultado de um processo técnico rigoroso, sustentado por dados e com uma ambição clara: transformar a mobilidade numa alavanca para o desenvolvimento regional e para a melhoria concreta da vida das populações da Lezíria do Tejo.
Para Pedro Miguel Ribeiro, trata-se de “uma caminhada longa” que se aproxima da sua fase decisiva. “Temos vindo a reunir o consenso político necessário. É importante ver que esta decisão é apoiada de forma transversal, da esquerda à direita”, referiu, sublinhando o carácter intermunicipal e suprapartidário da iniciativa. A unanimidade da Assembleia Intermunicipal é, nesse sentido, tanto um sinal de estabilidade como um ponto de legitimidade institucional.
A constituição formal da nova empresa depende ainda da aprovação final do Tribunal de Contas e da concretização dos actos jurídicos de constituição e registo. Até lá, o serviço continuará a ser assegurado pelas operadoras actuais, ao abrigo de autorizações transitórias. A expectativa da CIMLT é que o processo decorra com celeridade e permita que, no prazo de meses, a nova estrutura esteja em condições de arrancar.
A mobilidade, como referiu Pedro Ribeiro, “é hoje algo da maior importância”. A aposta numa empresa pública regional representa, nesse sentido, mais do que uma resposta técnica: é uma afirmação de autonomia administrativa, de compromisso com a qualidade dos serviços públicos e de confiança no modelo intermunicipal como motor de desenvolvimento equilibrado.