Apesar de ser frequente ouvirmos falar em “a vacina” para a COVID-19, estamos perante a possibilidade de termos várias vacinas disponíveis. Nem todas funcionam de igual forma, portanto alguma confusão sobre o assunto é natural. Para aumentar a incerteza, o ambiente político em torno da vacinação tem subido de temperatura, culminando com as notícias de pressões diretas de Trump para a aprovação de uma vacina específica nos Estados Unidos.

Com metade dos portuguesas reticentes ou pouco entusiasmados com a vacinação, segundo sondagens recentes, é oportuno rever algumas propriedades das principais vacinas e o contexto da situação em que se encontram.

1) Vacinas de vírus atenuados
Mais conhecida como a “vacina chinesa”, a vacina da empresa Sinovac não está na lista de compras da União Europeia. No entanto, existem planos para ser usada em vários países e tem o mais clássico dos modos de funcionamento: uma versão de vírus SARS-CoV-2 atenuado, não funcional.
Os resultados dos testes de segurança e eficácia em longa escala ainda não são conhecidos. No Brasil, esta vacina protagonizou uma intensa batalha política entre o presidente e o governador do Estado de São Paulo.
Embora sintamos “a vacina chinesa” como uma realidade distante, ela simboliza o papel que a China moderna almeja: ser reconhecida como uma potência científica e tecnológica, longe da China de outrora, especialista em produtos copiados, pouco sofisticados e de baixo valor.

2) Vacina constituída por fragmentos do vírus
A empresa Sanofi vem desenvolvendo uma vacina segundo princípios também já estabelecidos: neste caso, não o vírus ativado, mas uma proteína da superfície do vírus para reconhecimento do sistema imunitário. Está na lista de compras da União Europeia mas tem e desenvolvimento mais atrasado face a outras. Não são ainda conhecidos resultados dos testes em longa escala. Pode vir a ser uma vacina importante no futuro, mas há que aguardar.

3) Vacinas de RNA
RNA é uma molécula que, nas células humanas, leva à produção de proteínas. As vacinas de que mais se tem falado contêm RNA. Não só são as mais adiantadas em termos de desenvolvimento, como são uma completa novidade: não foram usadas até hoje quaisquer vacinas deste tipo. O desenvolvimento muito rápido, a estratégia comercial questionável de algumas empresas e as incertezas associadas ao facto de serem uma estreia, têm gerado alguma polémica.

3.1) Vacinas com RNA entregue por vírus inofensivo
A primeira vacina que atraiu muitas atenções e teve intensa discussão na comunicação social foi a de Oxford. Gerou a expectativa de ficar pronta em meses, com posteriores adiamentos para setembro e, depois, para 2021, mas acabou por perder gás fruto de alguns reveses e erros de processo ainda não totalmente explicados. Ganhou a corrida à transparência, contudo, já que os primeiros resultados publicados, embora intermédios, foram os dos estudos de larga escala desta vacina. Com uma determinada dosagem, a eficácia foi de 90% mas não estavam indivíduos maiores de 55 anos neste estudo. A verdadeira utilidade desta vacina permanece, portanto, em aberto.
A vacina Sputnik V, mais conhecida por “vacina russa”, não está nos projetos de aquisição da União Europeia mas funciona como a de Oxford: um vírus inofensivo coloca nas células humanas uma parte do genoma do vírus SARS-CoV-2 para que elas venham a gerar proteínas virais, que expõem ao sistema imunitário. À semelhança do que acontece com a “vacina chinesa”, é uma vacina projetada para uso em vários países e tem sido aposta importante do governo russo para afirmar o seu país como potência científica e tecnológica. Não são, contudo, conhecidos quaisquer resultados dos testes de larga escala.
Mais discreta mas com potencial para se vir a tornar importante no futuro, a vacina da Johnson & Johnson opera segundo o mesmo princípio da de Oxford e a Sputnik V.

3.2) Vacinas com RNA entregue por microesferas de gordura
As vacinas da Moderna, Pfizer e Curevac contêm um pequeno fragmento do genoma do SARS-CoV-2, isto é, um fragmento de RNA puro, e têm como objetivo levar células humanas a produzir proteínas virais. Como o RNA sozinho não consegue entrar nas células humanas, além de ser muito frágil e se degradar facilmente, a formulação da vacinas inclui microgotículas de gordura com o duplo propósito de estabilizar o RNA e facilitar a entrada nas células humanas. É aqui que as vacinas da Moderna e da Pfizer diferem: as microgotículas da Moderna são mais protetoras, logo as vacinas não têm de ser guardadas num ambiente com frio tão intenso quanto as da Pfizer. Entretanto, a Pfizer tenta melhorar a sua vacina fazendo uma versão seca mas não se sabe para quando.
Uma vez publicados os resultados dos testes de larga escala com a vacina Pfizer, sabemos que a eficácia média para indivíduos com idade superior a 16 anos é de 95% mas os resultados não permitem calcular a eficácia para os cidadãos mais velhos, como os mais de 75 anos.
A vacinação arrancou no Reino Unido com a formulação da Pfizer com dois incidentes em indivíduos que sofriam de alergias. Em resultado, todas as pessoas com problemas sérios de alergias foram excluídas do plano de vacinação e os postos de vacinação só podem ser locais com capacidade para reanimação.

Entre os sucessos científicos, os riscos médicos, a interferência política, a urgência de controlar a pandemia e o turbilhão mediático, muita água vai ainda correr por baixo da ponte da vacinação e caberá a cada português decidir se quer, ou não, atravessá-la.

Miguel Castanho – Investigador em Bioquímica

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