Naquele último dia antes da abertura do festival, a azáfama era muito grande. Desde logo porque não estávamos preparados para acolher todos os pedidos que nos surgiam constantemente de todo o lado e depois porque a variedade de solicitações era tão grande que dificilmente poderia ser antecipada.

Ora nos pediam ferramentas, ora que os ajudássemos com eletricidade, canalização, ligações ao sistema de recolha de águas residuais, carpintaria, enfim um interminável cardápio de problemas a que procurávamos todos ir respondendo na medida do possível.

Mesmo assim, de duas em duas horas eu procurava fazer o ponto da situação das presenças e das ausências, enquanto todos iam chegando.

De véspera tinham vindo os mais experimentados e de mais longe, como a representação do Alto Minho, por exemplo, ou a de Évora, mas os do pé da porta tardavam em chegar.

Por volta da meia noite fiz o ponto da situação e faltava uma tasquinha. Exatamente a de santarém que seria suposto ser do restaurante Condeço.

Dei conta disso ao Carlos Abreu, mas de facto só por volta das duas horas da manhã, quando tudo acalmou, nos podemos sentar os dois e fazer o ponto da situação de tudo o que estava a acontecer.

Confidenciou-me que de facto o Sr. Condeço lhe teria telefonado logo pela manhã dando conta que devido a um problema que identificou, mas que já não recordo, não poderia assegurar a representação de Santarém, com a tasquinha.

Fiquei sem conseguir falar. E agora? Vamos ter um buraco nas tasquinhas?

Na minha consternação fui colocando possibilidades, cada vez mais desajustadas e sem sentido.

O Carlos Abreu esperou que me acalmasse e com aquela voz serena que por vezes conseguia ter, cofiou o bigode, respirou fundo e disse: – Só me lembrei de uma possibilidade!

– Qual? Perguntei eu sem adivinhar o que estava para vir.

– Ires pedir ao teu pai para montarem o Pastelinho! Respondeu ele.

Fiquei sem fala. Quando consegui reagir, questionei: – O pastelinho? Ó Abreu, são duas e tal da manhã! O festival abre daqui a bocado.

– Pois, eu sei! Respondeu ele e afastou-se, deixando-me a matutar na questão.

Lentamente arrumei a papelada que tinha espalhado na mesa, sem saber o que fazer, colocando-a na pasta que sempre me acompanhava.

Já passava das três da manhã, quando cheguei a casa. Nessa altura ainda morava com os meus pais. Meti a chave à porta da rua sem saber se seria capaz de os ir acordar. Subi as escadas até ao segundo andar, devagar, para não fazer barulho entrei finalmente em casa e aí, não sei o que aconteceu. Movi-me como se alguém ordenasse os meus passos. Percorri o corredor e bati levemente à porta do quarto dos meus pais. O meu pai respondeu de imediato, questionando: – Há algum problema? Parecia que estava a adivinhar. Sim respondi, mas não é nada de grave, não se preocupem e, expliquei o que se passava.

Os meus pais ouviram serenamente e, no fim, o velho Justino Domingos apenas perguntou: – A que horas abre o festival?

– Ao meio dia, mas o Pastelinho abrirá quando for possível, respondi, acrescentando: – Mas estão lá pessoas constantemente, consegui articular.

O Pastelinho, o convívio, a festa e a alegria. Laura Santos, Carlos Santos, João (pintor), Justino Domingos (parcialmente tapado pela verdura), Teresa Domingos, Anabela Catraia e António Serra, entre outros

O meu pai olhou para a minha mãe fixamente durante uns instantes e respondeu – Está bem! Não te preocupes, nós resolvemos isso! Vai descansar.

Caí na cama exausto e ainda zonzo adormeci. Quando o despertador tocou, pelas sete e meia da manhã, levantei-me, vesti-me e quando passei pela cozinha para um breve pequeno almoço, estavam dois grandes alguidares com bacalhau de molho.

Nunca consegui saber o que fizeram, nem como o conseguiram, mas, ao meio dia, o Pastelinho abriu com uma decoração singela é certo, mas com pastéis de bacalhau a sair da frigideira, num conjunto de outros petiscos.

O que é que os pais não fazem pela loucura dos filhos e pela sua terra, foi a frase que todo o dia me batalhou na cabeça, até que… no final daquela primeira jornada, concluídas as tarefas de programação mais exigentes, já mais serenos, o Carlos Abreu me pegou pelo braço, me levou até à tasquinha do Pastelinho e, com os olhos rasos de lágrimas, agradeceu aos meus pais.

Nuno Domingos

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