O Rancho Folclórico “Os Camponeses” da Casa do Povo de Riachos, fundado em 14 de Janeiro de 1958, afirmou-se no panorama do folclore português pela sua qualidade artística e pela seriedade do trabalho que desenvolve desde as suas origens na recolha de trajos, danças e cantares de Riachos, representativos dos finais do século XIX aos princípios do século XX. Os seus trajos são cópia fiel da indumentária usada pelas gentes que viviam no então pequeno povoado, resultante da expansão de alguns casais e quintas, em volta da capela de Santo António.

Mas tudo começou nas festas de carnaval, nas quais rapazes e raparigas de Riachos apresentaram umas marchas que, entretanto, tinham ensaiado e que a população muito apreciou. Joaquim Santana e Martinho Oliveira, dois dos dinamizadores destas marchas, foram sensíveis à sugestão de alguns amigos para fundarem um rancho folclórico, e assim o fizeram. Tomando consciência de que aquela representação não era fiel às tradições locais começaram a fazer pesquisas junto da população mais idosa e, incitados por Celestino Graça, que os apoiou neste processo, o Rancho Folclórico tornou-se um digno representante da cultura tradicional e popular de Riachos.

A íntima relação com a terra e a religiosidade dos riachenses encontra-se bem expressa na mais acarinhada das suas lendas, a Lenda do Senhor Jesus dos Lavradores, segundo a qual a imagem de Cristo Crucificado teria sido descoberta pelos cingeleiros e boieiros que trabalhavam no campo, levando homens e animais a ajoelhar perante a divina imagem, venerada desde aí por toda a comunidade que na charneca, no espargal ou no campo arrancava à terra o seu sustento.

A ruralidade da sua existência reflectia-se, naturalmente, nas suas festas religiosas, nos bailes de roda nas ruas e no adro da capela, nas cantigas que serviam de alento nos trabalhos agrícolas, estando hoje bem presente nos bailaricos, verde-gaios, fadinhos, viras e fandangos, assim como nos trajos de trabalho ou domingueiros, de campino ou de festa, de homens e de mulheres, que “Os Camponeses” apresentam em cada espectáculo.

A situação geográfica de Riachos influenciou a diversidade do seu folclore que, ora apresenta a exuberância, a alegria e a vivacidade da lezíria ribatejana, da planície e das cheias, ora a dolência, a harmonia e a beleza da zona ondulada da charneca e do bairro, dos olivais e figueirais.

É esta cultura rural que “Os Camponeses” preservam e divulgam de forma admirável numa grande variedade de espectáculos e em festivais de folclore, no país e no estrangeiro. A dedicação e a experiência dos seus componentes mais veteranos e a expressiva adesão de jovens, que sempre caracterizou este Rancho Folclórico, proporcionaram-lhe a participação em projectos como “Raízes Rurais, Paixões Urbanas”, uma produção do Teatro de S. João, do Porto, e da Cité de La Musique, de Paris, em 1997, espectáculo onde a cultura rural dialogou com o fado e com o jazz, ou as memoráveis “Noites do Ribatejo”, na Expo’98.

O Prémio Europa para a Arte Popular, atribuído em 2002 pela Fundação Alfred Toepfer, sediada em Hamburgo, ratificou o reconhecimento internacional da importante acção de “Os Camponeses” na divulgação do folclore português por toda a Europa, e na valorização pessoal e artística de várias gerações de jovens, para os quais a interpretação das danças e dos cantares de outrora é motivo de orgulho.

Após o falecimento de Joaquim Santana, o Rancho “Os Camponeses” passou a ser dirigido por uma equipa jovem – que já o vinha coadjuvando há alguns anos – que tem sabido manter o projecto original e evidencia qualidades e empenho para prosseguir na senda da sua constante valorização.

Discurso directo…
Para melhor conhecermos o Rancho Folclórico “Os Camponeses” da Casa do Povo de Riachos fomos ao encontro de Paulo Serra e de Telma Pereira, respectivamente presidente e vice-presidente da sua Direcção, de cuja conversa aqui partilhamos um excerto.

Como avaliam a trajectória do Rancho desde a sua fundação?
O Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Riachos, à semelhança da grande maioria dos Ranchos do nosso país, tem tido ao longo destes 64 anos de existência momentos altos e baixos. Ainda assim, há características e objectivos que sempre tivemos muito presentes: representação fiel das nossas tradições, usos e costumes; rigor nos trajes e nas danças; e muito orgulho nas nossas gentes, trabalhadores rurais que passaram uma vida a trabalhar de sol a sol.
Foi, sem dúvida, uma trajectória com muitas dificuldades… em 1958, quando tudo começou, eram outros tempos, os pais das raparigas não permitiam que estas se juntassem aos rapazes para ao final do dia ensaiarem; não havia dinheiro para investir em trajes, nem, numa fase posterior, dinheiro para as deslocações, primeiro nacionais, depois internacionais. Foi também uma trajectória de muito trabalho, de muitas recolhas (danças, músicas, trajes, etc.). Um caminho árduo, que tem dado grandes frutos e do qual nos orgulhamos.

Quais os momentos que consideram mais relevantes neste período?
Estamos a falar de um período longo, mais de seis décadas, onde certamente temos muitos momentos relevantes… até temos receio de nos esquecermos de alguns: 1964 – Primeira deslocação ao estrangeiro, França; 1967 – Primeiro Festival de Folclore em Riachos, organizado pelo nosso Rancho; 1992 – O nosso componente António Veríssimo foi homenageado com o prémio “Melhor Bailador de Fandango de Portugal” atribuído pela Casa da Imprensa, de Lisboa; 1998 – Participámos em vários espectáculos na EXPO’98; 2000 – Participação em Espectáculos, com o saudoso fadista Carlos Zel, no Centro Cultural de Belém; 2004 – Participação no EURO 2004.
Também participámos em espectáculos como: “Raízes Rurais; Paixões Urbanas”, em cena no Teatro São João, do Porto, na Cité de La Musique, em Paris, no Teatro da Trindade, em Lisboa, no Teatro Viriato, em Viseu; “Riachos Intemporal”, “A Viagem” e “Riachos, Vivência, Tradição e Saudade”, no Teatro Virgínia; Recebemos o “Prémio Europa – Arte Popular”, entregue pela Fundação Alfred Toepfer, de Hamburgo, Alemanha; o prémio “Troféu Música” atribuído pelo jornal “O Ribatejo”; colaborámos em pesquisas com a Universidade Nova de Lisboa e fomos distinguidos pela Câmara Municipal de Torres Novas e pela Junta de Freguesia de Riachos.
Desde o ano de 1964, o Rancho “Os Camponeses” dos Riachos efectuou sessenta e cinco digressões ao estrangeiro, nomeadamente, à Alemanha, Bélgica, Cabo Verde, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos da América, França, Hong-Kong, Inglaterra, Irlanda, Itália, Jugoslávia, Luxemburgo, Macau, Malta, Noruega, Suécia e Suíça. Foram publicados vários livros, como, por exemplo, “Vida Quotidiana de Riachos – Rancho Folclórico “Os Camponeses””, “Memórias Fotográficas do Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Riachos – 1958-2019” e neste ano de 2022 será lançado “Riachos a Cantar”.

Como foi suceder a um dirigente tão carismático como era Joaquim Santana?
Nada fácil, o nosso Chefe, como carinhosamente o tratávamos, sempre foi um dirigente absoluto, 100% presente, em que a sua própria história de vida se funde com a história do grupo. Nos seus últimos anos de vida, houve uma transição e partilha de responsabilidades, no entanto, suceder a Joaquim Santana é carregar uma carga extremamente pesada, uma grande herança, um orgulho para nós estarmos a conseguir dar continuidade a este grande “projecto” de salvaguarda da memória colectiva do povo de Riachos.

A renovação de dirigentes consubstancia alguma alteração nos objectivos do Rancho e na forma de alcançar esses mesmos objectivos?
Os objectivos primordiais do Rancho mantêm-se. É nossa intenção manter o rigor e a autenticidade pelo que somos reconhecidos, preservando a representação fiel da nossa Terra, da nossa Gente, da nossa Cultura.

Quais as principais dificuldades que sentem nesta fase do Rancho, para mais com as consequências da pandemia?
Estes dois últimos anos têm sido catastróficos para a nossa actividade, não nos permitindo correr o país de lés-a-lés, fazendo aquilo que tão bem sabemos – dançar e divulgar a cultura tradicional e popular de Riachos. As principais dificuldades que sentimos são, de facto, a impossibilidade de nos encontrarmos, de podermos ensaiar, de podermos continuar a nossa “obra”. Ainda assim, somos persistentes e fomos fazendo o possível em tempo de pandemia: recolhas fotográficas de pessoas e famílias, trabalhos agrícolas, arquitectura, etc.; recolha de testemunhos em áudio (provavelmente dos últimos vivos do final da época que representamos), recolha de peças de vestuário, arquivo, aperfeiçoamento do nosso processo técnico, compilação e transcrição para partituras das músicas do grupo e de outras também cantadas em Riachos – uma lacuna que detectámos e que quisemos preencher. Também realizámos obras de conservação, restauro e pintura das salas que nos estão cedidas na Casa do Povo. Tudo isto sempre com a participação activa dos nossos componentes.

Que projectos têm para o futuro próximo?
Para futuro temos um livro na gráfica, pronto a ser lançado este ano. Trata-se de uma compilação de canções, umas de Riachos, outras cantadas em Riachos, na sua grande maioria recolhidas pelo Rancho, com partituras para acordeão, clarinete e vozes (dependendo de cada cantiga). Também para sair este ano, temos uma colecção de dez postais que retratam alguns locais e pessoas da nossa Terra. E temos grande vontade de recomeçar os ensaios e os festivais.

Tem sido fácil manter os componentes do Rancho e conquistar novas adesões?
Graças a Deus o nosso Rancho sempre teve muitos componentes, alguns de tenra idade, começam nas barrigas das mães e vão continuando; outros vêm com os familiares e com os amigos. Com a pandemia e a ausência de ensaios algumas tendem a dispersar, mas, ainda assim, nos poucos ensaios realizados a afluência foi bastante, deixando-nos de coração cheio. A escola de folclore mantém-se activa desde a década de oitenta do século passado e antes da pandemia tínhamos cerca de 30 crianças. Esperamos, que após a pandemia, consigamos manter este número.

Joaquim Lopes Santana, uma Saudade!
O Folclore Português chora por Joaquim Lopes Santana!

Este grande Folclorista faleceu no dia 1 de Março de 2020, com 86 anos. A sua acção no Rancho Folclórico “Os Camponeses” da Casa do Povo de Riachos, de que foi fundador, conjuntamente com Martinho Oliveira, e que dirigiu ininterruptamente durante 61 anos, a inexcedível colaboração que prestou à Federação do Folclore Português – tendo exercido funções na Mesa da Assembleia-geral e como Conselheiro Técnico Regional, do Ribatejo e dos Templários, bem assim como o elevado contributo que deu à Região de Turismo dos Templários, cuja Comissão Executiva integrou, e ao Museu Agrícola dos Riachos, cujo empenho pessoal foi determinante para a sua constituição, são testemunhos de uma dedicação inteira às coisas da nossa Cultura Tradicional e ao Regionalismo.

A forma como conduziu os destinos do Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Riachos – um dos mais representativos do Ribatejo – é a demonstração de uma grande lucidez e de um espírito muito culto e aberto. Joaquim Santana contribuiu muito decisivamente para elevar o conhecimento técnico sobre o Folclore, através dos inesquecíveis colóquios que organizava por ocasião das Festas de Aniversário de “Os Camponeses”, a que assistiam centenas de folcloristas ribatejanos.

Joaquim Santana nasceu em Riachos a 27 de Setembro de 1934, tendo o seu percurso sido devotado à cultura riachense, que conhecia como ninguém, com destaque para os 61 anos em que dirigiu o Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Riachos, tendo merecido, muito justamente, várias menções honrosas por parte da Câmara Municipal de Torres Novas, da Junta de Freguesia de Riachos e de outras entidades oficiais.

Em 1996 foi distinguido com a Medalha de Mérito Cultural atribuída pela Câmara Municipal de Torres Novas pela sua actividade em prol da cultura popular e tradicional de Riachos e pelo seu contributo para a valorização da colectividade que criou e dinamizou. A 27 de Agosto de 2017 foi descerrada uma placa toponímica na qual está inscrito o seu nome, que passou também a ser nome de rua, junto ao Centro de Saúde daquela vila.

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